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Cadê o professor nas Olimpíadas?

Não podemos esquecer que existem as Olimpíadas Científicas, que acontecem todos os anos, nas quais brasileiros brilham também

Rebeca Andrade nas Olimpíadas em Paris 2024:atletas de alto rendimento raramente estão sozinhos em sua caminhada até o pódio (Gabriel BOUYS/AFP)
Rebeca Andrade nas Olimpíadas em Paris 2024:atletas de alto rendimento raramente estão sozinhos em sua caminhada até o pódio (Gabriel BOUYS/AFP)

Os Jogos Olímpicos são uma tradição da Antiguidade renascida desde 1896. Até o início da edição de 2024, em Paris, o Brasil tinha contabilizado um total de 302 medalhas em todas as participações nas Olimpíadas de Verão. 

É um admirável esforço de atletas dedicados a inúmeras modalidades esportivas e também de técnicos, médicos do esporte, fisioterapeutas, psicólogos, massagistas, nutricionistas, preparadores físicos e familiares. 

Observe que atletas de alto rendimento raramente estão sozinhos em sua caminhada até o pódio. 

Curiosamente, as primeiras Olimpíadas Científicas – competições de conhecimento em modalidades como Matemática, Tecnologia, História etc. – voltadas para estimular a resolução de problemas teóricos e práticos, ocorreram na Hungria, em 1894, com foco em matemática. Ou seja, dois anos antes dos famosos jogos esportivos! 

Da Hungria, as competições se expandiram pelo Leste Europeu, chegaram à extinta União Soviética, onde a Olimpíada Internacional de Matemática (IMO) entrou para o calendário oficial, em 1959. 

Eu mesma tive de pesquisar quantos estudantes brasileiros se aventuraram nela até hoje. Foram 191 participantes, sendo apenas 6 garotas, e 59,16% deles receberem premiação. 

Na contabilidade dessa competição específica, os nossos estudantes trouxeram 36 menções honrosas e 163 medalhas. 

A primeira competição desse tipo a ser realizada no Brasil foi também de matemática, a OBM, realizada em 1979. Hoje, há dezenas de Olimpíadas Científicas por aqui: desde física (OBF), passando por astronomia (OBA) até linguística (OBL). 

O questionamento que trago a seguir é: que tipo de apoio damos a estudantes que querem participar desse tipo de competição? 

Para responder a isso recorro à história de Millena Xavier, a estudante brasileira de 17 anos, que está entre os 50 finalistas do ”Chegg.org Global Student Prize 2024” – considerado o prêmio “Nobel do estudante” – com um projeto de inteligência artificial (IA) que facilita a triagem para identificar autismo em adultos. 

Ela é excepcional e ainda carrega o título da pessoa mais jovem a entrar na lista da Forbes Under30 – que destaca empreendedores, criadores e game-changers de até 30 anos. 

Voo solo 

Millena é cofundadora da ONG Prep Olimpíadas, que nasceu há três anos a fim de fomentar a participação de jovens em Olimpíadas Científicas. Ela atua em três frentes: palestras em escolas; programas intensivos de preparação para as principais Olimpíadas brasileiras; e tem uma IA que responde a dúvidas dos estudantes sobre as competições, chamada PrepAI. 

A trajetória de Millena é inspiradora, porém solitária. Quando estava no oitavo ano do Ensino Fundamental II, ela quis participar de sua primeira Olimpíada científica, porém não encontrou apoio da escola em que estava matriculada. 

De uma frustração, por ter ouvido que a competição em Olimpíadas científicas tiraria o foco de seus estudos e de um bom preparo para o vestibular, nasceu a ONG. 

Hoje, Millena é aluna do Ensino Médio no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa, onde passou a ser referência para outros colegas com o mesmo interesse, afinal tem mais de 30 medalhas ganhas. 

Acredito que temos de parabenizá-la por ter se envolvido profundamente em sua vida acadêmica e construído um caminho pessoal para desenvolver as competências e habilidades a serem desenvolvidas pelos estudantes da Educação Básica. 

De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de Computação, homologada em 2022, elas são as seguintes para o Ensino Médio: 

  • Análise e solução de problemas; 
  • Criação de algoritmos; 
  • Avaliação crítica; 
  • Colaboração. 

Millena cravou todas. E quando comparadas às habilidades profissionais do futuro, segundo o Fórum Econômico Mundial (elencadas logo abaixo), vemos o porquê as escolas brasileiras precisam correr atrás de se adequarem à BNCC de Computação. 

  1. Pensamento analítico e inovação 
  2. Aprendizado ativo e estratégias de aprendizado 
  3. Resolução de problemas complexos 
  4. Análise e pensamento crítico 
  5. Criatividade, originalidade e iniciativa 
  6. Liderança e influência social 
  7. Uso, monitoramento e controle de tecnologia 
  8. Programação e design de tecnologia 
  9. Resiliência, tolerância ao estresse e flexibilidade 
  10. Raciocínio, resolução de problema e ideação 

O caminho da Educação Básica até o mercado de trabalho 

Muito se fala sobre a baixa produtividade do trabalhador brasileiro e também da necessidade de requalificação. Mas pensando criticamente, o problema começa bem antes. 

Parece razoável supor que um apoio ostensivo a estudantes que se interessam pela área científica desde a Educação Básica seja um caminho que pode render frutos, medalhas, empresas e prêmios como o que Millena pode ganhar, no valor de 100 mil dólares. 

Millena progrediu na base do esforço, na tentativa e erro... na coragem. Imagine o que ela não teria atingido se tivesse sido incentivada por professores? Tenho certeza de que o resultado teria sido potencializado – além dela, outras pessoas poderiam ter se beneficiado. No final, ela tenta puxar o grupo, cria oportunidades, mas esse não é o papel dela. Ela faz por uma falta, porque busca caminhos alternativos. 

Desde 2002, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), passou a apoiar oficialmente essas iniciativas, por meio de edital público. Todos os anos, entre 10 e 15 Olimpíadas são apoiadas, em nível nacional e/ou internacional, a depender da disponibilidade orçamentária. 

Mas precisamos dos nossos professores para apresentar, incentivar e apoiar nossos estudantes. É uma oportunidade promissora para todos. 

Professoras e professores, empolguem-se também! As premiações não precisam ser apenas a cada quatro anos, televisionadas, para atletas de altíssimo rendimento: seus alunos também podem ser medalhistas nas Olimpíadas Científicas! 

* Luciana Allan é Doutora em Educação pela USP e diretora técnica do Instituto Crescer, onde há mais de 20 anos lidera projetos nacionais e internacionais na área de educação.