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Base Nacional Comum Curricular e a escola que queremos

A participação de educadores, gestores e especialistas em educação na elaboração do texto final da Base Nacional Comum Curricular (BNC), que irá rever e consolidar o currículo mínimo para todos estudantes das 190 mil escolas de educação básica no País, abre espaço para uma discussão sem precedentes de qual escola queremos ajudar a construir para nossas futuras gerações. O texto final deve ser enviado para a aprovação do Conselho Nacional […] Leia mais

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Crescer em Rede

Publicado em 22 de setembro de 2015 às, 11h39.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 07h54.

A participação de educadores, gestores e especialistas em educação na elaboração do texto final da Base Nacional Comum Curricular (BNC), que irá rever e consolidar o currículo mínimo para todos estudantes das 190 mil escolas de educação básica no País, abre espaço para uma discussão sem precedentes de qual escola queremos ajudar a construir para nossas futuras gerações. O texto final deve ser enviado para a aprovação do Conselho Nacional de Educação (CNE) até março de 2016.

É uma oportunidade única, mas que merece uma reflexão não apenas do que deverá ser ensinado na sala de aula e, sim, que sentido queremos dar para educação para colocar nossos futuros talentos em condições de competitividade em uma economia cada vez mais global e um mercado de trabalho menos interessado na formação curricular do que na busca de profissionais que reúnam competências e habilidades sócio-emocionais e cognitivas.

O primeiro documento, apresentado na semana passada pelo Ministério da Educação (MEC), vem sendo criticado em alguns de seus aspectos, como o fato de compartimentar os conteúdos das disciplinas em caixinhas (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas), o que não atende uma pedagogia interdisciplinar capaz de garantir um aprendizado mais significativo em todas as áreas do conhecimento e não estimula o despertar de todo potencial do aluno.

A construção de uma escola mais holística, que abra as janelas para um mundo hiperlinkado, onde os alunos não aprendem de forma compartimentada e têm vasto acesso à informação, passa pelo reconhecimento de que as novas gerações são criadas em um ambiente conectado, sem fronteiras, disponível a um toque no smartphone.

Fechar os olhos para a transformação do aluno decorrente das novas tecnologias não irá resultar em um curriculum mais eficaz, completo, adequado ao século XXI. Mais do que ensinar, a escola, como venho insistindo, deve orientar o aluno a ser protagonista do próprio aprendizado e não buscar engessá-lo em um curriculum que nivele, pasteurize e iniba germinar sua vocação.

O texto preliminar da BNC, que foi escrito pelo MEC e comissões de especialistas, pretende padronizar ao menos 60% do curriculum da educação básica e contemplar o conteúdo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), segundo o documento, “buscando uma abordagem mais interdisciplinar da compreensão dos conteúdos”, além de, segundo declarado pelo ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, abrir dois caminhos importantes: a mudança na formação de professores e a reestruturação do material didático.

Sem entrar no mérito de qual a medida de padronização ideal ou a questão da interdisciplinaridade no novo curriculum, entendo que há fatores preliminares e inerentes às novas gerações a serem levados em consideração.

A formação de docentes é condição ‘sine qua non’ para avançarmos, já que os professores ainda sofrem com o despreparo para lidar com a tecnologia e muitos carecem de um preparo adequado para esta nova realidade educacional. A revisão do material didático será uma exigência do próprio mercado, abrindo muitas oportunidades para editoras e empresas dispostas a investir em educação para o desenvolvimento de conceitos como Ensino Híbrido, Ensino Adaptativo, gamificação, aprendizagem colaborativa, aprendizagem baseada em projetos, aprendizagem em rede e novas formas de aprendizagem que colocam o aluno no centro e com maior capacidade de engajamento.

Mas antes de colocarmos um curriculum no papel, vejo como principal desafio um repensar de nossos modelos pedagógicos, que ainda repetem os mesmos de uma escola criada há séculos e que hoje não atendem mais os anseios de alunos, professores e educadores, pais e, o mais preocupante, das empresas e do mercado.

No texto divulgado pelo MEC estão enumerados diversos princípios orientadores da BCN na formação dos alunos. Entre eles, dois chamaram mais minha atenção e acredito que mereçam destaque:

– “Identificar suas potencialidades, possibilidades, perspectivas e preferências, reconhecendo e buscando superar limitações próprias e de seu contexto, para dar realidade a sua vocação na elaboração e consecução de seu projeto de vida pessoal e comunitária”;

– “Desenvolver critérios práticos, éticos e estéticos para mobilizar conhecimentos e se posicionar diante de questões e situações problemáticas de diferentes naturezas, ou para buscar orientação ao diagnosticar, intervir ou encaminhar o enfrentamento de questões de caráter técnico, social ou econômico.

Estes são, obviamente, princípios básicos na formação educacional, mas que só poderão ser conquistados se entendermos que o mundo mudou. E para melhor. Os nativos digitais não enxergam mais a realidade pelo olho mágico da sala de aula. Através da nuvem, podem participar e aprender através de projetos colaborativos, em rede, com uma visão que parte da sua realidade, do seu bairro, do seu mundo, para um universo de aprendizado integrado, sem paredes e, por que não?, sem lousas, carteiras enfileiradas e materiais didáticos enlatados.

Com softwares educacionais e o avanço do big data na educação, terão ferramentas poderosas para entender suas lacunas, identificar seus potenciais e receber recomendações de conteúdos para um aprendizado mais personalizado. Plugados, estarão mais e mais habituados a buscar respostas na Internet e não em enciclopédias ou exclusivamente em livros didáticos. Mas só avançarão com mediação, orientação, curadoria e muito planejamento em como incorporar as novas tecnologias nas práticas pedagógicas.

No descritivo de habilidades, o documento traz quais são as “Práticas Culturais das Tecnologias de Informação e Comunicação” que devem ser adquiridas ao longo do Ensino Fundamental. No primeiro ano, o aluno deve “ser capaz de utilizar recursos diversos – máquina fotográfica, filmadora, computadores – para registrar e comunicar ideias”.

No nono e último ano, deverão saber “analisar as postagens nas redes sociais, inclusive o “internetês”, na perspectiva da variação linguística, considerando alguns de seus elementos (como as abreviaturas de palavras, a estruturação de frases, os emoticons)” e “produzir textos por meio de variadas mídias digitais (como vídeos, blogs, microblogs), utilizando-os para a divulgação de ideias, opiniões, conhecimentos adquiridos na escola ou fora dela, compreendendo as potencialidades das tecnologias de informação e comunicação”.

São inúmeras as experiências que demonstram que as crianças já nascem “chipadas”. A interação com as ferramentas tecnológicas ocorre de forma natural, está no DNA e incorporada na evolução para as próximas etapas da vida desde a primeira infância. Ensiná-las como mexer no celular, no iPad ou em quaisquer tecnologias que ainda venham a ser inventadas não será o desafio, mas sim como irão utilizá-las para que se preparem efetivamente para a vida profissional e como cidadãos.

Somente com um olhar para o Século XXI vamos sedimentar o caminho para uma nova escola. Do contrário, teremos perdido uma grande oportunidade. Deixo aberto também espaço para o debate e para as sugestões de vocês. Vamos participar?

Aos interessados em dar sugestões para construção do texto o link é:

http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/contribua