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Um velho companheiro está de volta: o juro real

O tom agressivo do BC não surpreendeu quem está acostumado aos ciclos econômicos do país, que, de vez em quando, acomoda  também uma crise cambial

 (DNY59/Getty Images)
(DNY59/Getty Images)
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Coriolano Gatto

Publicado em 14 de dezembro de 2021 às, 09h24.

Por Coriolano Gatto

Não se assuste: você foi engolfado pela “Sessão da Tarde”, que já foi uma campeã de audiência da TV Globo, com a exibição de filmes B, que se repetem todos os anos − há quem acredite que a emissora vá levar ao ar  “A volta dos que não foram”! O velho amigo é o juro real por conta do retorno de uma velha senhora: a inflação.

Definitivamente, o Brasil, com o seu Banco Central independente, voltou a ser o antigo Brasil e abandonou os punhos de renda da Inglaterra e dos juros muito baixos. O tom agressivo do BC não surpreendeu quem está acostumado aos ciclos econômicos do país, que, de vez em quando, acomoda  também uma crise cambial, como ensinou um grande economista. Os R$ 100 bilhões de redução da dívida pública ao ano vão se evaporar para a alegria dos rentistas, formada por um pequeno naco da elite. Penaliza o capital produtivo e causa o chamado efeito riqueza.

Desde junho de 2020, a taxa Selic era negativa, descontando a alta dos preços. “O juro real mensal é apenas uma forma de fazer uma caricatura do quanto o aplicador pós-fixado perdeu no país. Essa sequência de perdas reduz a confiança do investidor aqui, que pede mais prêmio (mais juros) para a frente. Dezembro será o primeiro mês de ganho real do CDI, desde junho do ano passado”, afirma o gestor Felipe Padua, da companhia de investimentos Pacífico, sediada no Leblon, no Rio.

Economistas e analistas, de modo geral, erram suas previsões de longo prazo, pois os cálculos preditivos se baseiam em algumas informações erradas, e as oscilações de preços de commodities, provocadas pela desorganização da economia mundial, são um outro ingrediente de incerteza. O Banco Itaú cravou, há muito tempo, recessão em 2022, mas o Ministério da Economia aposta em uma expansão bem acima de 1% e de um crescimento de 5% neste ano. Governos, por definição, precisam manter o tom otimista e podem mesmo mentir, como já ocorreu no passado na Inglaterra, onde o ministro das Finanças negou qualquer mudança no câmbio e, dias depois, a libra teve uma forte desvalorização. O caso emblemático levou à absolvição do ministro, pois a mentira fora um estratagema para defender o interesse público. No lado contrário, economistas da oposição tendem a traçar um quadro sombrio, buscando variáveis que sustentarão as suas teses.

Quando começou a pandemia, março de 2020, falava-se em revolta social e queda do PIB de 10%. Até mesmo instituições sérias fizeram previsões erradas, mas não movidas por má-fé, mas, sim, diante dos números disponíveis para dar embasamento ao cenário futuro. De fato, o Brasil teve um desempenho muito melhor do que as economias desenvolvidas − o auxílio emergencial e outros programas injetaram R$ 400 bilhões na economia, elevando o déficit primário para 10% do PIB −, e o ano de 2021 trouxe alento às empresas, embora termine sob o signo da incerteza, o que já obrigou BC a ter uma mão mais pesada. O governo central precisa agir de forma a evitar o gargalo do investimento direto estrangeiro. O Brasil tem um grande mercado consumidor, e o investimento externo necessita de garantias institucionais para fazer a aposta no longo prazo. Sem previsibilidade, o investidor age com a memória de elefante, o coração de carneiro e as pernas de lebre. Bate em retirada. Não há dúvida de que os candidatos a presidente e as suas respectivas propostas nos campos social, sanitário, ambiental e econômico serão decisivas para uma melhora ou piora dos mercados, que hoje têm mais poder do que um banco central em qualquer lugar do planeta.

De acordo com as projeções da Pacífico, a taxa real de juros, que saiu do campo negativo, atingirá perto de 8% em 2022, sendo que o nível neutro, estima o Banco Central, será alcançado neste mês, o que significa no bom português: a economia terá uma marcha lenta no próximo ano, enquanto a inflação não for para o centro da meta. É, porém, cedo para cravar uma recessão, mesmo com os indicadores desfavoráveis dos setores de comércio e de serviços − responsáveis por gerar cerca de 70% dos empregos. O agronegócio, por exemplo, terá uma expansão de 10%, segundo o IBGE. É um setor que representa algo na faixa de 27% do PIB, tendo forte participação em nossa balança comercial. Nessa mesma batida, o mercado espera maior conforto para o Tesouro Nacional rolar a dívida pública, em 2022, e o déficit primário se aproxima de zero ante previsão de 1,1% do PIB.

Ao lado desses indicadores, é inevitável mencionar o crescimento da fome e da miséria, temas que serão abordados na campanha presidencial, que já está posta na mesa dos brasileiros. Como a coluna é analfabeta em política − deixemos a missão inglória para os competentes Mauricio Moura e Felipe Nunes −, não arrisca um palpite, mas reconhece que houve uma piora no humor dos brasileiros, cara leitora e caro leitor. Até mesmo a inflação da praia disparou, e uma água de coco, um pastel ou uma caipirinha exibem valores que não cabem no bolso do consumidor médio; isso para não falar da conta de luz, que baterá todos os recordes com o verão que promete ter temperaturas elevadas. Como o brasileiro é resiliente, é possível ter esperanças nas eleições para governadores e presidente da República, sendo o diálogo, a negociação, a palavra-chave para pôr o Brasil em um crescimento sustentável, quem sabe de 3% ao ano. Isso não é uma previsão, mas um doce desejo.

Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME