Sobre a especulação, a manipulação e a aposta na bolsa de valores
"Existe uma diferença tênue entre o especulador, que apenas joga mas sem a capacidade de influenciar o resultado, e o manipulador, que determina o placar"
marianamartucci
Publicado em 14 de dezembro de 2020 às 11h31.
Última atualização em 14 de dezembro de 2020 às 14h53.
Um sábio do mercado financeiro, que por longos anos conviveu com o empresário Naji Nahas, um agressivo e criativo investidor, dizia que a bolsa de valores não tem lugar nem para freiras nem para ladrões. Da mesma forma, existe uma diferença tênue entre o especulador, que apenas joga mas sem a capacidade de influenciar o resultado final, e o manipulador, que determina o placar. A distância entre ambos se iguala a uma corrida de cavalos definida no fotochart.
É nesse ínfimo intervalo que caberá aos órgãos reguladores e aos competitivos agentes do mercado protegerem a essência do capitalismo dos seus algozes, os manipuladores, que podem ser desde um biliardário ou um blogueiro inconsistente – e irresponsável – da Faria Lima e do Leblon. Ambos, guardadas as devidas proporções, causam enormes prejuízos ao mercado, afastando o pequeno investidor, sobretudo aquele jovem empreendedor em início de carreira que planeja fazer a sua poupança de longo prazo.
No momento em que o país sai da recessão e os juros continuam em níveis muito baixos, ainda que o Banco Central possa promover pequenos ajustes, vale consultar um paper escrito, nos anos 1970, pelo advogado José Luiz Bulhões Pedreira, coautor da mais importante legislação do setor, a das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76).
“A experiência demonstrou que, para proteger o público investidor e assegurar o funcionamento regular do mercado, é indispensável disciplina estatal, compreendendo a regulação das condições de emissão e características dos títulos, das modalidades de operação, da divulgação de informações pelos emitentes de títulos etc. Além disso, é necessário que a agência governamental atenta e eficiente (refere-se à CVM) exerça as funções de polícia do mercado, evitando as distorções, os abusos e as manipulações a que está sujeito”.
O paper do mais importante advogado da segunda metade do século XX foi redigido em razão de um mecanismo chamado carta de recompra, que gerou o overnight, provocando enorme especulação no mercado financeiro. A esquerda e os verdadeiros liberais deram o apelido de ciranda financeira. Era o paraíso dos rentistas, diriam muitos economistas com visões diferentes do mundo.
Os gênios de Wall Street, dentro do figurino da frieza de um cirurgião ou de um meticuloso assassino de reputações, pouco se importam se uma empresa está envolvida em um escândalo de grandes proporções, como a Odebrecht, em 2014, no início da Lava Jato. Os seus bonds ainda valiam muito no exterior, a exemplo de outras empresas de construção pesada. Problemas legais não significam incapacidade de realizar seus propósitos, foi dito numa série veiculada por um canal de streaming. É hora de ganhar dinheiro, completa a personagem. Por vezes, a venda maciça resulta em lucro exorbitante.
Corrupção de agentes públicos e números falsos em balanços não são necessariamente um impedimento para fazer negócios, desde, é claro, que o caso não ganhe enormes manchetes na mídia. Escândalos destroem um dos mais importantes ativos de uma companhia: o capital reputacional. Não faltam exemplos recentes, agora ampliados por práticas repugnantes de questões de gênero e de raça. Os céticos prefeririam repetir uma clássica frase atribuída a Winston Churchill, que ganhou fortunas como articulista de grandes jornais ingleses: “Não existe opinião pública; há a opinião publicada”.
A mesma frase poderia ser transposta para a bolsa de valores. Mesmo com os números estrondosos registrados com precisão pela repórter Graziella Valenti, nesta EXAME, é fato que o Brasil representa perto de 5% do Índice MSCI Emerging Markets e algo simbólico em relação ao mercado americano – já foi mais de 20% entre os emergentes. Não é que o Brasil tenha perdido tanto espaço entre os emergentes; os outros países é que avançaram dez casas no jogo.
Esta nação de oportunidades precisa ser reconstruída com celeridade e com regras claras para atrair o investidor. Não vou citar, cara leitora e caro leitor, o autor do raciocínio, pois poderia ser acusado de proteger alguns personagens do governo Bolsonaro, em quem não votei em 2018. A síntese: um liberal olha para o futuro, jamais para o passado; nos Estados Unidos há 3% de milionários e bilionários; outros 3% de miseráveis e uma classe média robusta formada pelos 94% restantes, o que inclui um lixeiro, um policial, jovens advogados e outros tantos profissionais liberais.
O economista Pedro Sampaio Malan, um dos mais longevos ministros da Fazenda, costumava dizer que o Brasil padece de uma dose de bipolaridade: oscila entre a euforia e a depressão. Infelizmente, notórios analistas e formadores de opinião são determinantes nesta chamada “bipolaridade”, descrita pelo brilhante economista.
Quem não lê alguns jornais nem assiste a alguns telejornais – é melhor não falar em nomes – costuma ter índices de produtividade melhores, me disse, certa vez, o emblemático e então presidente da Xerox do Brasil, Carlos Salles. Com base em uma dosimetria rigorosa, ele comprovou que os vendedores de Fortaleza eram mais felizes e produtivos do que os de São Paulo. Salles, um advogado capixaba, dizia que dormir cedo e tomar um banho de mar na alvorada sem assistir às noticias exageradas da TV na véspera eram o melhor remédio para os seus vendedores da área rica do Nordeste em contrapartida aos de São Paulo, que dormiam tarde depois de consumo elevado de álcool.
Para quem insiste em manipular poupanças do público, não custa lembrar o ensinamento de um velho político italiano liberal depois da Segunda Guerra Mundial:
“O investidor tem memória de elefante, coração de carneiro e pernas de lebre”.
A propósito: Naji Nahas foi acusado de quebrar a bolsa de valores do Rio em junho de 1989. Um notável ex-ministro da Fazenda foi uma de suas testemunhas de defesa (quem perdeu sabia que o jogo era privado e para investidores parrudos). Um conhecido presidente da bolsa e um renomado advogado agiram na posição contrária à de Nahas. Houve, como sempre, o circo da Polícia Federal, à época comandada por Romeu Tuma. Por razões legais, não posso citar alguns nomes. Nem é preciso. Confio na minha fonte primária: o grande empresário e corretor de valores Luiz Affonso Otero (1926-1995), a quem tive o privilégio de assinar um perfil na capa desta EXAME (o suplemento VIP). Mas isso é outra história.
*Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME.
Um sábio do mercado financeiro, que por longos anos conviveu com o empresário Naji Nahas, um agressivo e criativo investidor, dizia que a bolsa de valores não tem lugar nem para freiras nem para ladrões. Da mesma forma, existe uma diferença tênue entre o especulador, que apenas joga mas sem a capacidade de influenciar o resultado final, e o manipulador, que determina o placar. A distância entre ambos se iguala a uma corrida de cavalos definida no fotochart.
É nesse ínfimo intervalo que caberá aos órgãos reguladores e aos competitivos agentes do mercado protegerem a essência do capitalismo dos seus algozes, os manipuladores, que podem ser desde um biliardário ou um blogueiro inconsistente – e irresponsável – da Faria Lima e do Leblon. Ambos, guardadas as devidas proporções, causam enormes prejuízos ao mercado, afastando o pequeno investidor, sobretudo aquele jovem empreendedor em início de carreira que planeja fazer a sua poupança de longo prazo.
No momento em que o país sai da recessão e os juros continuam em níveis muito baixos, ainda que o Banco Central possa promover pequenos ajustes, vale consultar um paper escrito, nos anos 1970, pelo advogado José Luiz Bulhões Pedreira, coautor da mais importante legislação do setor, a das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76).
“A experiência demonstrou que, para proteger o público investidor e assegurar o funcionamento regular do mercado, é indispensável disciplina estatal, compreendendo a regulação das condições de emissão e características dos títulos, das modalidades de operação, da divulgação de informações pelos emitentes de títulos etc. Além disso, é necessário que a agência governamental atenta e eficiente (refere-se à CVM) exerça as funções de polícia do mercado, evitando as distorções, os abusos e as manipulações a que está sujeito”.
O paper do mais importante advogado da segunda metade do século XX foi redigido em razão de um mecanismo chamado carta de recompra, que gerou o overnight, provocando enorme especulação no mercado financeiro. A esquerda e os verdadeiros liberais deram o apelido de ciranda financeira. Era o paraíso dos rentistas, diriam muitos economistas com visões diferentes do mundo.
Os gênios de Wall Street, dentro do figurino da frieza de um cirurgião ou de um meticuloso assassino de reputações, pouco se importam se uma empresa está envolvida em um escândalo de grandes proporções, como a Odebrecht, em 2014, no início da Lava Jato. Os seus bonds ainda valiam muito no exterior, a exemplo de outras empresas de construção pesada. Problemas legais não significam incapacidade de realizar seus propósitos, foi dito numa série veiculada por um canal de streaming. É hora de ganhar dinheiro, completa a personagem. Por vezes, a venda maciça resulta em lucro exorbitante.
Corrupção de agentes públicos e números falsos em balanços não são necessariamente um impedimento para fazer negócios, desde, é claro, que o caso não ganhe enormes manchetes na mídia. Escândalos destroem um dos mais importantes ativos de uma companhia: o capital reputacional. Não faltam exemplos recentes, agora ampliados por práticas repugnantes de questões de gênero e de raça. Os céticos prefeririam repetir uma clássica frase atribuída a Winston Churchill, que ganhou fortunas como articulista de grandes jornais ingleses: “Não existe opinião pública; há a opinião publicada”.
A mesma frase poderia ser transposta para a bolsa de valores. Mesmo com os números estrondosos registrados com precisão pela repórter Graziella Valenti, nesta EXAME, é fato que o Brasil representa perto de 5% do Índice MSCI Emerging Markets e algo simbólico em relação ao mercado americano – já foi mais de 20% entre os emergentes. Não é que o Brasil tenha perdido tanto espaço entre os emergentes; os outros países é que avançaram dez casas no jogo.
Esta nação de oportunidades precisa ser reconstruída com celeridade e com regras claras para atrair o investidor. Não vou citar, cara leitora e caro leitor, o autor do raciocínio, pois poderia ser acusado de proteger alguns personagens do governo Bolsonaro, em quem não votei em 2018. A síntese: um liberal olha para o futuro, jamais para o passado; nos Estados Unidos há 3% de milionários e bilionários; outros 3% de miseráveis e uma classe média robusta formada pelos 94% restantes, o que inclui um lixeiro, um policial, jovens advogados e outros tantos profissionais liberais.
O economista Pedro Sampaio Malan, um dos mais longevos ministros da Fazenda, costumava dizer que o Brasil padece de uma dose de bipolaridade: oscila entre a euforia e a depressão. Infelizmente, notórios analistas e formadores de opinião são determinantes nesta chamada “bipolaridade”, descrita pelo brilhante economista.
Quem não lê alguns jornais nem assiste a alguns telejornais – é melhor não falar em nomes – costuma ter índices de produtividade melhores, me disse, certa vez, o emblemático e então presidente da Xerox do Brasil, Carlos Salles. Com base em uma dosimetria rigorosa, ele comprovou que os vendedores de Fortaleza eram mais felizes e produtivos do que os de São Paulo. Salles, um advogado capixaba, dizia que dormir cedo e tomar um banho de mar na alvorada sem assistir às noticias exageradas da TV na véspera eram o melhor remédio para os seus vendedores da área rica do Nordeste em contrapartida aos de São Paulo, que dormiam tarde depois de consumo elevado de álcool.
Para quem insiste em manipular poupanças do público, não custa lembrar o ensinamento de um velho político italiano liberal depois da Segunda Guerra Mundial:
“O investidor tem memória de elefante, coração de carneiro e pernas de lebre”.
A propósito: Naji Nahas foi acusado de quebrar a bolsa de valores do Rio em junho de 1989. Um notável ex-ministro da Fazenda foi uma de suas testemunhas de defesa (quem perdeu sabia que o jogo era privado e para investidores parrudos). Um conhecido presidente da bolsa e um renomado advogado agiram na posição contrária à de Nahas. Houve, como sempre, o circo da Polícia Federal, à época comandada por Romeu Tuma. Por razões legais, não posso citar alguns nomes. Nem é preciso. Confio na minha fonte primária: o grande empresário e corretor de valores Luiz Affonso Otero (1926-1995), a quem tive o privilégio de assinar um perfil na capa desta EXAME (o suplemento VIP). Mas isso é outra história.
*Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME.