Por que o BNDES precisa ser reinventado
Há 10 executivos com remuneração média mensal de R$ 80 mil, além de mordomias que só se comparam a uma nomenklatura
Da Redação
Publicado em 19 de agosto de 2021 às 14h47.
Última atualização em 19 de agosto de 2021 às 14h48.
Por Coriolano Gatto*
O Rio de Janeiro, então capital da República, fervilhava nos anos 1950. Em suas ruas do Centro, o ritmo era frenético e por ali caminhavam profissionais liberais, funcionários públicos, escritores, intelectuais e empresários de todos os naipes. Eram dezenas de livrarias e de jornais. É neste ambiente que nasce, em 1952, o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), sob o comando de Roberto Campos e, mais tarde, receberia a contribuição relevante do jovem advogado José Luiz Bulhões Pedreira. Com a missão de ser uma moderna agência de desenvolvimento, dentro da moldura do Plano Salte (saúde, alimentação, transporte e energia), o banco ocupava instalações modestas no 14º andar do Ministério da Fazenda e, no ano seguinte, é transferido para um prédio na Sete de Setembro, tendo, nos principais cargos, seis advogados, dez economistas, 12 engenheiros, 31 assistentes técnicos e outros, totalizando 150 funcionários.
Nessa mesma época, Getúlio Vargas criara a primeira assessoria econômica presidencial com um time em que boa parte integraria depois o BNDE: Rômulo de Almeida, Ignácio Rangel, Jesus Soares Pereira, Tomás Pompeu Acióli Borges e Cleanto de Paiva Leite. Eram economistas desenvolvimentistas com a tintura nacionalista.
A instituição vai, aos poucos, ganhando envergadura em um Brasil que tinha pressa em crescer para deixar de ser uma economia de país subdesenvolvido, com uma pauta de exportações concentrada no café, uma taxa elevada de miséria e de analfabetismo e uma indústria que ganhava impulso com o ideário do paulista Roberto Simonsen.
O banco, cujo papel é posto hoje em xeque por diferentes gestores públicos e privados, ganha musculatura no auge da ditadura civil militar: governos Garrastazu Médici e Ernesto Geisel. Entre 1970 e início de 1979, o então ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, idealiza uma instituição do chamado “Brasil Grande”. Aproveita-se dos juros baixos internacionais e põe o pé na estrada. Cria uma jabuticaba: o financiamento com a correção monetária negativa em 20%, o que serviu de anabolizante para empresas paulistas. Apesar do socorro oficial, muitas delas entraram em derrocada na grande crise dos anos 1980. Com isso, a instituição ganhou o apelido jocoso de “Recreio dos Bandeirantes”. No período, teve um único presidente, o engenheiro Marcos Vianna, subordinado a Reis Velloso. Esse longo tempo seria repetido na era petista com o economista Luciano Coutinho (noves anos e 15 dias no cargo). Não à toa Coutinho tinha predileção por Vianna e vai mais longe ao criar o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), outro grande anabolizante, que drenou R$ 400 bilhões do Tesouro Nacional.
Os presidentes ditadores e democráticos Lula 2, Dilma 1 e Dilma 2 elegeram seus campeões nacionais. Noves fora o equívoco das escolhas, que por vezes ignoraram a taxa de retorno do investimento, não se pode acusar técnicos do BNDES (o “S” de social surge em 1982 com a benção do ministro Delfim Netto) de malfeitos. Nunca houve caixa preta e, assim, tem razão o competente economista Fábio Giambiagi, em artigo especial no Valor Econômico, de 13 de agosto. Ele acerta em defender a lisura dos seus 2,5 mil funcionários. Após oito anos de investigação, nenhum deles foi desabonado em sua conduta profissional. Registre-se que nos governos petistas houve dois grandes investimentos na área privada com enorme taxa de retorno: a compra de participação na Vale S/A, na gestão de Carlos Lessa, e na JBS, a segunda maior empresa do mundo em proteína animal, na presidência de Coutinho.
Além da jabuticaba, o banco exibe problemas na sua estrutura. Há 10 executivos com remuneração média mensal de R$ 80 mil, além de mordomias que só se comparam a uma nomenklatura: carro e motorista à disposição, um generoso plano de saúde e a participação nos lucros. A máquina do BNDES é cara se comparada à excelência do pessoal do Banco Central, que tem muito mais responsabilidades na manutenção da complexa engrenagem econômica do Brasil. Em média, seus noves integrantes do colegiado ganham quase um terço dos congêneres do BNDES e a gerência cerca da metade do salário com restrições em seus benefícios.
A extinção da TJLP, que no fim oferecia subsídio embutido, e a nova TLP (Taxa de Longo Prazo), em vigor desde 2018, obriga o BNDES a direcionar os seus financiamentos, na infraestrutura e no programa de privatização e concessão, especialmente no setor de saneamento, em que o banco tem acertado a mão. As grandes empresas privadas, de modo geral, consideram a TLP alta frente a outras formas de captação seja no mercado de capitais do Brasil ou no exterior, seja em emissão de títulos internacionais. O país está ofertado lá fora e a bolsa de valores e os IPOs (ofertas iniciais de ações, na sigla em inglês) são o melhor termômetro da solidez. Neste novo ambiente, o banco pode funcionar com uma estrutura enxuta, o que em nada reduziria o seu papel de impulsionador de grandes projetos factíveis.
O último balanço trimestral registra lucro de R$ 5,3 bilhões ou de R$ R$ 2,4 bilhões sem o resultado recorrente, o correspondente a um salto de 76% com um caixa confortável de R$ 150 bilhões.
Quem sabe o banco não poderia retornar às suas origens como o portentoso BNDE e inspirado na sabedoria do economista Antônio Barros de Castro, o maior pensador industrialista dos anos 1970 até 2010. Castro foi presidente da instituição (início do Governo Itamar Franco) e assessor especial até os seus últimos dias de vida.
A propósito: o acervo de Castro, composto por documentos e livros valiosos, foi declinado pelo centro de documentação na gestão de Luciano Coutinho por razões desconhecidas da coluna. Pelo seu espírito público e proficiência técnica na academia, onde transitava em diferentes áreas de correntes de pensamento, o saudoso economista fez jus ao nascedouro do banco. Castro é um símbolo do Instituto de Economia Industrial da UFRJ, onde obteve o grau máximo como mestre na mais antiga Faculdade de Economia do país, fundada por Eugênio Gudin.
“A estabilização e a globalização estão sendo aceleradores de transformações, incluindo dimensões até então não inscritas no debate nacional. A indústria ainda está estagnada, mas o solo está tremendo”. As frases, ditas numa entrevista em fins de 1997 em sua casa na rua Icatu, soaram como a profecia de um sábio.
*Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME
Por Coriolano Gatto*
O Rio de Janeiro, então capital da República, fervilhava nos anos 1950. Em suas ruas do Centro, o ritmo era frenético e por ali caminhavam profissionais liberais, funcionários públicos, escritores, intelectuais e empresários de todos os naipes. Eram dezenas de livrarias e de jornais. É neste ambiente que nasce, em 1952, o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), sob o comando de Roberto Campos e, mais tarde, receberia a contribuição relevante do jovem advogado José Luiz Bulhões Pedreira. Com a missão de ser uma moderna agência de desenvolvimento, dentro da moldura do Plano Salte (saúde, alimentação, transporte e energia), o banco ocupava instalações modestas no 14º andar do Ministério da Fazenda e, no ano seguinte, é transferido para um prédio na Sete de Setembro, tendo, nos principais cargos, seis advogados, dez economistas, 12 engenheiros, 31 assistentes técnicos e outros, totalizando 150 funcionários.
Nessa mesma época, Getúlio Vargas criara a primeira assessoria econômica presidencial com um time em que boa parte integraria depois o BNDE: Rômulo de Almeida, Ignácio Rangel, Jesus Soares Pereira, Tomás Pompeu Acióli Borges e Cleanto de Paiva Leite. Eram economistas desenvolvimentistas com a tintura nacionalista.
A instituição vai, aos poucos, ganhando envergadura em um Brasil que tinha pressa em crescer para deixar de ser uma economia de país subdesenvolvido, com uma pauta de exportações concentrada no café, uma taxa elevada de miséria e de analfabetismo e uma indústria que ganhava impulso com o ideário do paulista Roberto Simonsen.
O banco, cujo papel é posto hoje em xeque por diferentes gestores públicos e privados, ganha musculatura no auge da ditadura civil militar: governos Garrastazu Médici e Ernesto Geisel. Entre 1970 e início de 1979, o então ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, idealiza uma instituição do chamado “Brasil Grande”. Aproveita-se dos juros baixos internacionais e põe o pé na estrada. Cria uma jabuticaba: o financiamento com a correção monetária negativa em 20%, o que serviu de anabolizante para empresas paulistas. Apesar do socorro oficial, muitas delas entraram em derrocada na grande crise dos anos 1980. Com isso, a instituição ganhou o apelido jocoso de “Recreio dos Bandeirantes”. No período, teve um único presidente, o engenheiro Marcos Vianna, subordinado a Reis Velloso. Esse longo tempo seria repetido na era petista com o economista Luciano Coutinho (noves anos e 15 dias no cargo). Não à toa Coutinho tinha predileção por Vianna e vai mais longe ao criar o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), outro grande anabolizante, que drenou R$ 400 bilhões do Tesouro Nacional.
Os presidentes ditadores e democráticos Lula 2, Dilma 1 e Dilma 2 elegeram seus campeões nacionais. Noves fora o equívoco das escolhas, que por vezes ignoraram a taxa de retorno do investimento, não se pode acusar técnicos do BNDES (o “S” de social surge em 1982 com a benção do ministro Delfim Netto) de malfeitos. Nunca houve caixa preta e, assim, tem razão o competente economista Fábio Giambiagi, em artigo especial no Valor Econômico, de 13 de agosto. Ele acerta em defender a lisura dos seus 2,5 mil funcionários. Após oito anos de investigação, nenhum deles foi desabonado em sua conduta profissional. Registre-se que nos governos petistas houve dois grandes investimentos na área privada com enorme taxa de retorno: a compra de participação na Vale S/A, na gestão de Carlos Lessa, e na JBS, a segunda maior empresa do mundo em proteína animal, na presidência de Coutinho.
Além da jabuticaba, o banco exibe problemas na sua estrutura. Há 10 executivos com remuneração média mensal de R$ 80 mil, além de mordomias que só se comparam a uma nomenklatura: carro e motorista à disposição, um generoso plano de saúde e a participação nos lucros. A máquina do BNDES é cara se comparada à excelência do pessoal do Banco Central, que tem muito mais responsabilidades na manutenção da complexa engrenagem econômica do Brasil. Em média, seus noves integrantes do colegiado ganham quase um terço dos congêneres do BNDES e a gerência cerca da metade do salário com restrições em seus benefícios.
A extinção da TJLP, que no fim oferecia subsídio embutido, e a nova TLP (Taxa de Longo Prazo), em vigor desde 2018, obriga o BNDES a direcionar os seus financiamentos, na infraestrutura e no programa de privatização e concessão, especialmente no setor de saneamento, em que o banco tem acertado a mão. As grandes empresas privadas, de modo geral, consideram a TLP alta frente a outras formas de captação seja no mercado de capitais do Brasil ou no exterior, seja em emissão de títulos internacionais. O país está ofertado lá fora e a bolsa de valores e os IPOs (ofertas iniciais de ações, na sigla em inglês) são o melhor termômetro da solidez. Neste novo ambiente, o banco pode funcionar com uma estrutura enxuta, o que em nada reduziria o seu papel de impulsionador de grandes projetos factíveis.
O último balanço trimestral registra lucro de R$ 5,3 bilhões ou de R$ R$ 2,4 bilhões sem o resultado recorrente, o correspondente a um salto de 76% com um caixa confortável de R$ 150 bilhões.
Quem sabe o banco não poderia retornar às suas origens como o portentoso BNDE e inspirado na sabedoria do economista Antônio Barros de Castro, o maior pensador industrialista dos anos 1970 até 2010. Castro foi presidente da instituição (início do Governo Itamar Franco) e assessor especial até os seus últimos dias de vida.
A propósito: o acervo de Castro, composto por documentos e livros valiosos, foi declinado pelo centro de documentação na gestão de Luciano Coutinho por razões desconhecidas da coluna. Pelo seu espírito público e proficiência técnica na academia, onde transitava em diferentes áreas de correntes de pensamento, o saudoso economista fez jus ao nascedouro do banco. Castro é um símbolo do Instituto de Economia Industrial da UFRJ, onde obteve o grau máximo como mestre na mais antiga Faculdade de Economia do país, fundada por Eugênio Gudin.
“A estabilização e a globalização estão sendo aceleradores de transformações, incluindo dimensões até então não inscritas no debate nacional. A indústria ainda está estagnada, mas o solo está tremendo”. As frases, ditas numa entrevista em fins de 1997 em sua casa na rua Icatu, soaram como a profecia de um sábio.
*Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME