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Os aviões de carreira e a artilharia no Ministério da Economia

Brasil vive momentos de transtornos, que só poderiam ser explicados pela medicina ou pela psicanálise

VS

Victor Sena

Publicado em 7 de outubro de 2020 às 08h44.

O Brasil vive momentos de transtornos, que só poderiam ser explicados pela medicina ou pela psicanálise. Os catastrofistas de plantão devem estar decepcionados com os números revelados por importantes indicadores da atividade econômica: cimento, materiais de construção, consumo do gás de cozinha, resinas plásticas e muitos outros tiveram um surpreendente desempenho em setembro, a julgar pelo relato de alguns empresários.

“Há algo no ar além dos aviões de carreira”, diria o Barão de Itararé, pseudônimo de Fernando Apparicio Torelly (1895-1971), um cronista com a pena afiada. O PIB – o conjunto de bens e serviços do país – pode encolher neste ano 4%, algo muito distante das projeções que apontavam para impressionantes –15%. É um número ruim, porém alentador diante da pandemia que varreu sólidas e prósperas economias de nações desenvolvidas.

O Ministério da Economia cometeu erros no manejo da chamada policy maker, mas a artilharia que parte de alguns players do meio empresarial –  nem é preciso citar os nomes –  leva a crer que há algo sinistro que visa a forjar falsas mudanças, eivadas de cinismo, levando em conta a complexa situação fiscal à vista, já decantada por 11 entre 10 economistas e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

O que falta aos áulicos do poder é entender o contraditório, algo impensado para boa parte dos militares, que, em nome do desenvolvimento nacional, são perfeitos para elaborarem estratégias, mas limitados em ações pautadas pelo jogo nervoso da economia e da política. E há os civis oportunistas que prometem soluções mágicas.

Não custa dar uma pausa para o inglês John Stuart Mill (1806-1873), certamente o mais influente filósofo da língua inglesa do século XIX.

“O que Cícero – o segundo maior orador da Antiguidade – praticava como meio de sucesso jurídico deve ser imitado por todos os que estudam qualquer assunto para chegar à verdade. Aquele que conhece apenas o seu próprio lado do caso pouco conhece dele. Suas razões podem ser boas e pode ser que ninguém seja capaz de refutá-las. Porém, se ele for igualmente incapaz de refutar as razões do lado contrário, se não se esforçar para conhecê-las, não terá nenhuma base para preferir outra opinião.” E com o devido apoio dos seus mestres e aliados, completa o liberal Stuart Mill.

O governo age como uma biruta de aeroporto ou como uma girafa em meio a um campo devastado. Move-se de forma disléxica ou de maneira aparvalhada diante dos problemas do porvir, que não são poucos. Com isso, desrespeita as autoridades econômicas como em um joguinho de caserna, daqueles recheados de tubaínas, cervejas e de outros ingredientes. O apoio de políticos é bem-vindo mas é fundamental o compromisso do presidente da República com as reformas na economia.

Eu voltei o relógio no tempo e me recordei de uma conversa informal ocorrida em meados de 2004 com o mestre Dionísio Dias Carneiro (1945-2010), que tinha horror ao pragmatismo de Delfim Netto, no que acompanhava o ideário de Mario Henrique Simonsen e de outros próceres da academia. Dias Carneiro frisa que, pelo fato de o Brasil não ter passado pela experiência alemã no pós-guerra nem de ser governado por dirigentes fortes e carismáticos, como Charles de Gaulle, anos 1960, na França, e Margaret Thatcher, anos 1980, na Inglaterra, caminhamos de forma diferente.

Com a palavra, Dionísio:

“A imagem da elite sobrevivente fica mais forte do que a imagem da elite à frente do processo, puxando o país para uma direção adequada. Essa é uma aventura histórica importante, ancorada na política de crescimento. O mundo político e o mundo econômico se acomodam. Os dois impõem condições de viabilidade. E cabe à liderança entender exatamente qual a restrição maior naquele momento, aquilo que considera mais cômodo para fazer a agenda que o país necessita para seguir na trilha do desenvolvimento.”

Está difícil de apontar essa liderança sugerida pelo grande economista, rigoroso com o seu saber e respeitoso com as opiniões contrárias. Sem preconceitos ou objeções oportunistas.
O certo é que nenhum governo, até prova em contrário, resiste a uma barafunda de desencontros na área econômica. Os pobres e os paupérrimos são os mais atingidos. Não há vencedores nessa guerra.

Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME.

O Brasil vive momentos de transtornos, que só poderiam ser explicados pela medicina ou pela psicanálise. Os catastrofistas de plantão devem estar decepcionados com os números revelados por importantes indicadores da atividade econômica: cimento, materiais de construção, consumo do gás de cozinha, resinas plásticas e muitos outros tiveram um surpreendente desempenho em setembro, a julgar pelo relato de alguns empresários.

“Há algo no ar além dos aviões de carreira”, diria o Barão de Itararé, pseudônimo de Fernando Apparicio Torelly (1895-1971), um cronista com a pena afiada. O PIB – o conjunto de bens e serviços do país – pode encolher neste ano 4%, algo muito distante das projeções que apontavam para impressionantes –15%. É um número ruim, porém alentador diante da pandemia que varreu sólidas e prósperas economias de nações desenvolvidas.

O Ministério da Economia cometeu erros no manejo da chamada policy maker, mas a artilharia que parte de alguns players do meio empresarial –  nem é preciso citar os nomes –  leva a crer que há algo sinistro que visa a forjar falsas mudanças, eivadas de cinismo, levando em conta a complexa situação fiscal à vista, já decantada por 11 entre 10 economistas e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

O que falta aos áulicos do poder é entender o contraditório, algo impensado para boa parte dos militares, que, em nome do desenvolvimento nacional, são perfeitos para elaborarem estratégias, mas limitados em ações pautadas pelo jogo nervoso da economia e da política. E há os civis oportunistas que prometem soluções mágicas.

Não custa dar uma pausa para o inglês John Stuart Mill (1806-1873), certamente o mais influente filósofo da língua inglesa do século XIX.

“O que Cícero – o segundo maior orador da Antiguidade – praticava como meio de sucesso jurídico deve ser imitado por todos os que estudam qualquer assunto para chegar à verdade. Aquele que conhece apenas o seu próprio lado do caso pouco conhece dele. Suas razões podem ser boas e pode ser que ninguém seja capaz de refutá-las. Porém, se ele for igualmente incapaz de refutar as razões do lado contrário, se não se esforçar para conhecê-las, não terá nenhuma base para preferir outra opinião.” E com o devido apoio dos seus mestres e aliados, completa o liberal Stuart Mill.

O governo age como uma biruta de aeroporto ou como uma girafa em meio a um campo devastado. Move-se de forma disléxica ou de maneira aparvalhada diante dos problemas do porvir, que não são poucos. Com isso, desrespeita as autoridades econômicas como em um joguinho de caserna, daqueles recheados de tubaínas, cervejas e de outros ingredientes. O apoio de políticos é bem-vindo mas é fundamental o compromisso do presidente da República com as reformas na economia.

Eu voltei o relógio no tempo e me recordei de uma conversa informal ocorrida em meados de 2004 com o mestre Dionísio Dias Carneiro (1945-2010), que tinha horror ao pragmatismo de Delfim Netto, no que acompanhava o ideário de Mario Henrique Simonsen e de outros próceres da academia. Dias Carneiro frisa que, pelo fato de o Brasil não ter passado pela experiência alemã no pós-guerra nem de ser governado por dirigentes fortes e carismáticos, como Charles de Gaulle, anos 1960, na França, e Margaret Thatcher, anos 1980, na Inglaterra, caminhamos de forma diferente.

Com a palavra, Dionísio:

“A imagem da elite sobrevivente fica mais forte do que a imagem da elite à frente do processo, puxando o país para uma direção adequada. Essa é uma aventura histórica importante, ancorada na política de crescimento. O mundo político e o mundo econômico se acomodam. Os dois impõem condições de viabilidade. E cabe à liderança entender exatamente qual a restrição maior naquele momento, aquilo que considera mais cômodo para fazer a agenda que o país necessita para seguir na trilha do desenvolvimento.”

Está difícil de apontar essa liderança sugerida pelo grande economista, rigoroso com o seu saber e respeitoso com as opiniões contrárias. Sem preconceitos ou objeções oportunistas.
O certo é que nenhum governo, até prova em contrário, resiste a uma barafunda de desencontros na área econômica. Os pobres e os paupérrimos são os mais atingidos. Não há vencedores nessa guerra.

Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME.

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