O retrato da bolsa em 22 anos e a autossuficiência do Brasil
Levantamento da gestora Pacífico mostra que entre 98 e 2020 mostra os setores mais resilientes do Ibovespa num período de muitos solavancos
Da Redação
Publicado em 13 de maio de 2021 às 17h26.
Última atualização em 13 de maio de 2021 às 17h45.
Por Coriolano Gatto
O economista Frank Knight (1885-1972) produziu ao longo da sua bem-sucedida carreira na Universidade de Chicago, EUA, a grande distinção entre o risco e a incerteza. Os acadêmicos, que se debruçaram sobre a obra dele, dizem que o risco é enfrentar uma variável cuja distribuição de probabilidade é conhecida. Já na incerteza, ensinam os professores, haverá uma variável desconhecida, que escapa desse cardápio de probabilidade.
Mal comparando, a incerteza, por vezes, funciona como o imprevisto, que pode causar movimentos abruptos nos mercados. A Covid-19, bem como os seus efeitos subsequentes, faz parte desse rol de imprevisibilidade, que arrastou, além de vidas humanas, todos os mercados, com impactos óbvios na política e nos relacionamentos humanos. A racionalidade ganhou novos contornos da mesma forma que houve uma busca desenfreada por ativos permeados por inovação e tecnologia, sem deixar de lado a velha economia, que buscou o risco para sobreviver diante de novas experiências de empreendedorismo. A disrupção, conceito antigo, passou a ser a regra e não mais a exceção. Muitos falam, poucos a praticam na essência.
A despeito dessas mudanças, um minucioso levantamento feito pela gestora de recursos, a carioca Pacífico, uma das mais discretas e tradicionais, a pedido desta coluna, demonstra que entre 1998 e 2020 o investidor atravessou crises econômicas e políticas de grande magnitude, mas manteve boa dose de conservadorismo na escolha da sua carteira de ações. Por um longo período, o Brasil foi o paraíso dos rentistas – no auge da crise na Rússia, em 1998, os juros atingiram a incrível marca de 45% ao ano. No primeiro governo Lula (2003-2006), a taxa básica, na média, ficou acima de 20% ao ano.
O estudo da Pacífico, baseado na carteira teórica da bolsa de valores, a B3, identifica mudanças nas companhias – algumas foram tragadas por maus negócios ou optaram pelo fechamento de capital – mas os setores que permaneceram com maior percentual no Ibovespa são os mais resilientes: bancos, petróleo, mineração, siderurgia/metalurgia e energia elétrica. Com a expansão da economia, o setor de consumo, representado pela Ambev e pelo Magazine Luiza, apenas para citar alguns exemplos, passou a constar do Ibovespa, bem como o de construção civil.
Empresas de meios de pagamento, por meio da rubrica financeiro, ganham destaque em 2015 – a fotografia sugerida à Pacífico engloba os anos de 1998, 2000, 2006, 2010, 2015, 2018 e 2020. O fato é que a bolsa, mesmo com todos os solavancos da economia, dá um salto monumental, de 1998 para cá, a ponto do valor de mercado das ações negociadas atingirem a casa dos R$ 5,2 trilhões, cerca de R$ 2,5 trilhões a menos que o nosso PIB.
Ainda que o valor de mercado possa sofrer oscilações em razão de influências da economia mundial ou de decisões erradas da política econômica, nem o mais pessimista imagina um pandemônio na B3, que adotou regras rígidas para os seus players, afastando com isso os oportunistas e os aventureiros. Jamais os especuladores, pois estes, como ensinam os manuais, influenciam o jogo, mas não determinam o resultado final. Nessas mudanças, chama a atenção o declínio das empresas de telecomunicações e de energia elétrica.
O que impressiona é que no ano da pandemia, ainda que o Brasil tenha encerrado com a sua menor taxa de juros de sua história, de 2%, medida pela Selic, fixada pelo Banco Central, os bancos lideram o Ibovespa com uma fatia de 20,1%. Um sinal evidente da importância do setor em irrigar a economia. E, em segundo lugar, possivelmente influenciado pelo auxilio emergencial, o eficiente programa de transferência de renda para 67 milhões de brasileiros, figura, nesta ordem, consumo (15,6%), mineração (13,6%), petróleo (11,05%) e os demais setores abaixo de 6%.
À guisa de comparação, em 1998, a participação era: energia elétrica (30,70%), petróleo (19,18%), telecomunicações (18,92%), bancos (16,79%) e os outros segmentos abaixo de 6%. Ou seja, o retrato do mercado de capitais demonstra uma mudança radical nas empresas e nos seus respectivos setores. Daqui a dez anos, ou até mesmo antes disso, outros setores e empresas passarão a ter maior peso no Ibovespa.
A Eletrobras, que despontava em 1998, sumiu do mapa. Agora, as ações de Vale, Itaú, Petrobras, Bradesco e B3 lideraram o ranking do primeiro ano da pandemia. Registre-se que os dois bancões, ao longo dos 22 anos, foram os mais presentes em qualquer governo – FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Certamente, com o incremento de maior competitividade no sistema financeiro, haverá mudanças expressivas nesta década.
Ao longo do tempo, porém, há uma consolidação do setor de commodities, e o consumo, por força do crescimento da economia, ganha um peso expressivo na composição do índice. O que não muda é a concentração bancária: a presença se deve aos conglomerados Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e Santander. Merecem destaques empresas de educação e a B3, o que confirma a confiança e a credibilidade no mercado de capitais.
Como boa notícia não é algo noticioso, ensinou o cronista Rubem Braga, fica registrado mais um tento para os participantes do mercado, o que inclui a vigilante CVM, que poderia ser mais rigorosa, como sugerem grandes advogados societários, em malfeitos de administradores.
O grande investidor e filantropo George Soros, que se projetou internacionalmente, em meados de 1992, ao ganhar US$ 1 bilhão ao especular contra a libra esterlina, faz a síntese do país: “O Brasil é uma economia grande e autossuficiente. Pode sobreviver por si próprio”, disse em 1995.
Da mesma forma, o cientista político Luiz Felipe d’Ávila, seis anos depois, resumiu o nosso porvir. “O sucesso do Brasil é fruto da institucionalização de boas políticas públicas, especialmente nas áreas econômica e monetária”. Se depender dos agentes de mercado, que, apesar das incongruências do governo, continuam a apostar em novos projetos em busca de investidores, a bolsa, quem sabe, não continua a trilhar o caminho da indução tão apregoado por Francis Bacon (1561-1626): se uma experiência leva aos mesmos resultados em um grande número de repetições, é altamente provável que ela continue dando o mesmo resultado na próxima repetição. Vem crescimento forte à vista.
Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME
Por Coriolano Gatto
O economista Frank Knight (1885-1972) produziu ao longo da sua bem-sucedida carreira na Universidade de Chicago, EUA, a grande distinção entre o risco e a incerteza. Os acadêmicos, que se debruçaram sobre a obra dele, dizem que o risco é enfrentar uma variável cuja distribuição de probabilidade é conhecida. Já na incerteza, ensinam os professores, haverá uma variável desconhecida, que escapa desse cardápio de probabilidade.
Mal comparando, a incerteza, por vezes, funciona como o imprevisto, que pode causar movimentos abruptos nos mercados. A Covid-19, bem como os seus efeitos subsequentes, faz parte desse rol de imprevisibilidade, que arrastou, além de vidas humanas, todos os mercados, com impactos óbvios na política e nos relacionamentos humanos. A racionalidade ganhou novos contornos da mesma forma que houve uma busca desenfreada por ativos permeados por inovação e tecnologia, sem deixar de lado a velha economia, que buscou o risco para sobreviver diante de novas experiências de empreendedorismo. A disrupção, conceito antigo, passou a ser a regra e não mais a exceção. Muitos falam, poucos a praticam na essência.
A despeito dessas mudanças, um minucioso levantamento feito pela gestora de recursos, a carioca Pacífico, uma das mais discretas e tradicionais, a pedido desta coluna, demonstra que entre 1998 e 2020 o investidor atravessou crises econômicas e políticas de grande magnitude, mas manteve boa dose de conservadorismo na escolha da sua carteira de ações. Por um longo período, o Brasil foi o paraíso dos rentistas – no auge da crise na Rússia, em 1998, os juros atingiram a incrível marca de 45% ao ano. No primeiro governo Lula (2003-2006), a taxa básica, na média, ficou acima de 20% ao ano.
O estudo da Pacífico, baseado na carteira teórica da bolsa de valores, a B3, identifica mudanças nas companhias – algumas foram tragadas por maus negócios ou optaram pelo fechamento de capital – mas os setores que permaneceram com maior percentual no Ibovespa são os mais resilientes: bancos, petróleo, mineração, siderurgia/metalurgia e energia elétrica. Com a expansão da economia, o setor de consumo, representado pela Ambev e pelo Magazine Luiza, apenas para citar alguns exemplos, passou a constar do Ibovespa, bem como o de construção civil.
Empresas de meios de pagamento, por meio da rubrica financeiro, ganham destaque em 2015 – a fotografia sugerida à Pacífico engloba os anos de 1998, 2000, 2006, 2010, 2015, 2018 e 2020. O fato é que a bolsa, mesmo com todos os solavancos da economia, dá um salto monumental, de 1998 para cá, a ponto do valor de mercado das ações negociadas atingirem a casa dos R$ 5,2 trilhões, cerca de R$ 2,5 trilhões a menos que o nosso PIB.
Ainda que o valor de mercado possa sofrer oscilações em razão de influências da economia mundial ou de decisões erradas da política econômica, nem o mais pessimista imagina um pandemônio na B3, que adotou regras rígidas para os seus players, afastando com isso os oportunistas e os aventureiros. Jamais os especuladores, pois estes, como ensinam os manuais, influenciam o jogo, mas não determinam o resultado final. Nessas mudanças, chama a atenção o declínio das empresas de telecomunicações e de energia elétrica.
O que impressiona é que no ano da pandemia, ainda que o Brasil tenha encerrado com a sua menor taxa de juros de sua história, de 2%, medida pela Selic, fixada pelo Banco Central, os bancos lideram o Ibovespa com uma fatia de 20,1%. Um sinal evidente da importância do setor em irrigar a economia. E, em segundo lugar, possivelmente influenciado pelo auxilio emergencial, o eficiente programa de transferência de renda para 67 milhões de brasileiros, figura, nesta ordem, consumo (15,6%), mineração (13,6%), petróleo (11,05%) e os demais setores abaixo de 6%.
À guisa de comparação, em 1998, a participação era: energia elétrica (30,70%), petróleo (19,18%), telecomunicações (18,92%), bancos (16,79%) e os outros segmentos abaixo de 6%. Ou seja, o retrato do mercado de capitais demonstra uma mudança radical nas empresas e nos seus respectivos setores. Daqui a dez anos, ou até mesmo antes disso, outros setores e empresas passarão a ter maior peso no Ibovespa.
A Eletrobras, que despontava em 1998, sumiu do mapa. Agora, as ações de Vale, Itaú, Petrobras, Bradesco e B3 lideraram o ranking do primeiro ano da pandemia. Registre-se que os dois bancões, ao longo dos 22 anos, foram os mais presentes em qualquer governo – FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Certamente, com o incremento de maior competitividade no sistema financeiro, haverá mudanças expressivas nesta década.
Ao longo do tempo, porém, há uma consolidação do setor de commodities, e o consumo, por força do crescimento da economia, ganha um peso expressivo na composição do índice. O que não muda é a concentração bancária: a presença se deve aos conglomerados Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e Santander. Merecem destaques empresas de educação e a B3, o que confirma a confiança e a credibilidade no mercado de capitais.
Como boa notícia não é algo noticioso, ensinou o cronista Rubem Braga, fica registrado mais um tento para os participantes do mercado, o que inclui a vigilante CVM, que poderia ser mais rigorosa, como sugerem grandes advogados societários, em malfeitos de administradores.
O grande investidor e filantropo George Soros, que se projetou internacionalmente, em meados de 1992, ao ganhar US$ 1 bilhão ao especular contra a libra esterlina, faz a síntese do país: “O Brasil é uma economia grande e autossuficiente. Pode sobreviver por si próprio”, disse em 1995.
Da mesma forma, o cientista político Luiz Felipe d’Ávila, seis anos depois, resumiu o nosso porvir. “O sucesso do Brasil é fruto da institucionalização de boas políticas públicas, especialmente nas áreas econômica e monetária”. Se depender dos agentes de mercado, que, apesar das incongruências do governo, continuam a apostar em novos projetos em busca de investidores, a bolsa, quem sabe, não continua a trilhar o caminho da indução tão apregoado por Francis Bacon (1561-1626): se uma experiência leva aos mesmos resultados em um grande número de repetições, é altamente provável que ela continue dando o mesmo resultado na próxima repetição. Vem crescimento forte à vista.
Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME