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O bate-estacas de Churchill e a economia da escassez 

Sem ajustes profundos, é inevitável o aumento de impostos para conter o escoadouro de gastos que foram necessários durante a pandemia

Winston Churchill (Hulton Archive/Keystone/Getty Images)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 12 de novembro de 2020 às 12h36.

O ex-primeiro-ministro Winston Churchill, apontado pela insuspeita BBC como o inglês mais influente no século XX, produziu ao longo de sua vida ativa como político em 1901, aos 26 anos, 1.700 discursos e percorreu 130 mil quilômetros – o equivalente a três voltas em torno da Terra. Aos 28 anos, o mesmo político, que defenderia a atuação firme do Estado, foi capaz de construir frases, no início do século XX, que agradariam a diferentes públicos:
 “Vocês podem, por um ato de um governo estéril e libertário (tomarem decisões), mas lembrem que os governos não criam e não têm nada a dar que não tenham tomado antes – vocês podem pôr  dinheiro no bolso de um grupo de ingleses, mas será dinheiro tomado de outro grupo de ingleses, e a maior parte se dissipará no caminho. Tarifas protetoras elevadas, embora possam aumentar os lucros do capital, são para os pobres e os paupérrimos um abominável mecanismo de roubo e de opressão” (confiram sua excepcional biografia escrita por Andrew Roberts, Companhia das Letras).
 O discurso inflamado na Câmara dos Comuns lembra os nossos tristes trópicos, como descreveria o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, em sua passagem pelo Brasil. E, por coincidência (?) contém uma expressão citada aos quatro ventos pelo presidente da República – os pobres e paupérrimos.

A verdade é que a conta explosiva da dívida pública bruta não fecha, sem a redução drástica dos fundos setoriais destinados ao setor privado, ajustes no chamado Sistema S (venda de patrimônio bilionário) e uma verdadeira reforma administrativa. O deputado Rodrigo Maia (Democratas) costuma dizer que o ministro Paulo Guedes fala para o deserto, como quem acena para um personagem caricato. Maia, político habilidoso, lembra o lance teatral do Fantasma em Hamlet, de Shakespeare, posto em xeque pelo protagonista em uma das mais complexas tragédias da humanidade, estudada por psicanalistas e escritores. Por vezes, Maia exerce a arte do ilusionismo.

Sem ajustes profundos, é inevitável o aumento de impostos para conter o escoadouro de gastos, tão exponenciais quanto o novo coronavírus, que foram necessários durante a pandemia, beneficiando 65 milhões de brasileiros. Dessa conta, fazem parte 30 milhões de invisíveis desconhecidos pela máquina do governo, como apontou o brilhante professor de Direito Joaquim Falcão, ao citar a surpresa de Guedes com o número gigantesco. Falcão, um liberal com sólida formação em Harvard (EUA), disse em seminário encerrado pelo ministro da Economia: “É muito injusto cinco bilionários brasileiros terem o equivalente à renda dos 50% mais pobres.” Registre-se que o evento, organizado pela Associação Brasileira de Direito Constitucional, foi alvo de ataques covardes da tropa cibernética bolsonarista durante 10h de conferências. Essa turma não aceita o contraditório e desrespeita a democracia. A era petista, de janeiro de 2003 a abril de 2016, foi incapaz de fazer um cadastro único dos brasileiros, embora tenha desenvolvido programas, ao custo de dezenas de bilhões de reais, que beneficiaram grandes conglomerados educacionais – nacionais e estrangeiros – ou a construção de dezenas de centros técnicos e universitários que não foram mantidos pelo setor público, dada a escassez de recursos a partir da recessão iniciada ainda no primeiro mandato de Dilma Rousseff, em 2014. Ou seja, Rousseff gerou benefícios e foi incapaz de causar a esperada robustez no precário sistema educacional brasileiro, que piora a passos largos com as políticas e a tibieza do atual governo federal. Dilma seguiu à risca o que os economistas chamam de “moral hazard” (risco moral) – um incentivo  concedido de forma errada aumenta a probabilidade do dano.

Em recente debate, que contou com os economistas Nelson Barbosa, um prócere do PT, e o seu colega Samuel Pessôa, assessor econômico de Aécio Neves em 2014, houve raros momentos de convergência. Ei-los: 1) é bem provável que o Banco Central seja obrigado a elevar a taxa básica de juros, a Selic, diante da inflação; e 2) o governo precisará ter um mecanismo que auxilie os pobres e paupérrimos, na linguagem de Churchill. Barbosa e Pessôa foram uníssonos ao prescreverem as medidas em um país à beira de enormes dificuldades. 

A tarefa do Ministério da Economia se assemelha ao castigo imposto à Sísifo, que tinha a missão de empurrar uma pedra até o topo de uma montanha. Quando estava perto de alcançar o objetivo, a pedra rolava da montanha, o que invalidava o esforço repetitivo de Sísifo (o notável Albert Camus refinaria, nos anos 1940, a análise em um profundo estudo filosófico). Hoje, em um Brasil dominado pelo Centrão, a missão se torna mais difícil, mas não impossível. Uma mágica heterodoxa, com a imposição de que fundos de pensão de estatais comprem títulos do governo, ou a criação de um papel lastreado em ativos do governo, não parece empolgar a turma da Faria Lima, em São Paulo, onde está concentrada a elite financeira do país. Será preciso encontrar uma solução que possa continuar a impulsionar a indústria, o pujante mercado de capitais e, sobretudo, a imensa massa de desvalidos, responsáveis pelo aumento do consumo em milhares de cidades.

 Trata-se de encarar um mundo diferente, com alta taxa de desemprego – que será explosiva em janeiro – e, ao mesmo tempo, imensas oportunidades no porvir.

Atrair o capital estrangeiro com regras claras para o investimento, como em 5G – a nova revolução na indústria de telecomunicações e no cotidiano dos cidadãos – e em infraestrutura podem aumentar a sofrível produtividade brasileira. É preciso ser insistente em manter um ambiente amigável ao capital privado e, com isso, gerar emprego e renda. Parece um truísmo, mas no Brasil, dada a mediocridade dos poderes constituídos, é necessário usar um martelo contundente para conseguir encaixar ideias racionais nas mentes que decidem os rumos do país. Aqui, há quem duvide dos enunciados básicos da Astronomia. Não precisamos citar nomes, cara leitora e caro leitor.

 O jovem Churchill tinha a fórmula que usaria, quase trinta anos depois, na Segunda Guerra Mundial:

 “Se tiver uma questão importante a colocar, não tente ser sutil ou esperto. Use um bate-estacas. Bata na questão uma vez. Então volte e bata outra vez. Então bata uma terceira vez”.

 Tratam-se de escolhas e da necessidade de buscarmos a utopia sem a presença de personagens da mitologia grega, como os Ciclopes ou o mal-humorado Poseidon, citados em um vídeo que viralizou na internet, com narração de Sean Connery, baseado no poema Ithaca (1910), de C.P. Cavafy, nascido em Alexandria, apontado como o maior poeta em língua grega. O Brasil é uma nação viável, construída em boa parte com os imigrantes e a ascensão social. É preciso ter a esperança do poema Ithaca. Sem cartórios ou falsos políticos de passados nebulosos. Nem preciso citar os personagens, que comporiam uma bem montada ópera bufa nas cercanias de Natal. Com o apoio de certo expoente da elite branca do mundo acadêmico.

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O ex-primeiro-ministro Winston Churchill, apontado pela insuspeita BBC como o inglês mais influente no século XX, produziu ao longo de sua vida ativa como político em 1901, aos 26 anos, 1.700 discursos e percorreu 130 mil quilômetros – o equivalente a três voltas em torno da Terra. Aos 28 anos, o mesmo político, que defenderia a atuação firme do Estado, foi capaz de construir frases, no início do século XX, que agradariam a diferentes públicos:
 “Vocês podem, por um ato de um governo estéril e libertário (tomarem decisões), mas lembrem que os governos não criam e não têm nada a dar que não tenham tomado antes – vocês podem pôr  dinheiro no bolso de um grupo de ingleses, mas será dinheiro tomado de outro grupo de ingleses, e a maior parte se dissipará no caminho. Tarifas protetoras elevadas, embora possam aumentar os lucros do capital, são para os pobres e os paupérrimos um abominável mecanismo de roubo e de opressão” (confiram sua excepcional biografia escrita por Andrew Roberts, Companhia das Letras).
 O discurso inflamado na Câmara dos Comuns lembra os nossos tristes trópicos, como descreveria o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, em sua passagem pelo Brasil. E, por coincidência (?) contém uma expressão citada aos quatro ventos pelo presidente da República – os pobres e paupérrimos.

A verdade é que a conta explosiva da dívida pública bruta não fecha, sem a redução drástica dos fundos setoriais destinados ao setor privado, ajustes no chamado Sistema S (venda de patrimônio bilionário) e uma verdadeira reforma administrativa. O deputado Rodrigo Maia (Democratas) costuma dizer que o ministro Paulo Guedes fala para o deserto, como quem acena para um personagem caricato. Maia, político habilidoso, lembra o lance teatral do Fantasma em Hamlet, de Shakespeare, posto em xeque pelo protagonista em uma das mais complexas tragédias da humanidade, estudada por psicanalistas e escritores. Por vezes, Maia exerce a arte do ilusionismo.

Sem ajustes profundos, é inevitável o aumento de impostos para conter o escoadouro de gastos, tão exponenciais quanto o novo coronavírus, que foram necessários durante a pandemia, beneficiando 65 milhões de brasileiros. Dessa conta, fazem parte 30 milhões de invisíveis desconhecidos pela máquina do governo, como apontou o brilhante professor de Direito Joaquim Falcão, ao citar a surpresa de Guedes com o número gigantesco. Falcão, um liberal com sólida formação em Harvard (EUA), disse em seminário encerrado pelo ministro da Economia: “É muito injusto cinco bilionários brasileiros terem o equivalente à renda dos 50% mais pobres.” Registre-se que o evento, organizado pela Associação Brasileira de Direito Constitucional, foi alvo de ataques covardes da tropa cibernética bolsonarista durante 10h de conferências. Essa turma não aceita o contraditório e desrespeita a democracia. A era petista, de janeiro de 2003 a abril de 2016, foi incapaz de fazer um cadastro único dos brasileiros, embora tenha desenvolvido programas, ao custo de dezenas de bilhões de reais, que beneficiaram grandes conglomerados educacionais – nacionais e estrangeiros – ou a construção de dezenas de centros técnicos e universitários que não foram mantidos pelo setor público, dada a escassez de recursos a partir da recessão iniciada ainda no primeiro mandato de Dilma Rousseff, em 2014. Ou seja, Rousseff gerou benefícios e foi incapaz de causar a esperada robustez no precário sistema educacional brasileiro, que piora a passos largos com as políticas e a tibieza do atual governo federal. Dilma seguiu à risca o que os economistas chamam de “moral hazard” (risco moral) – um incentivo  concedido de forma errada aumenta a probabilidade do dano.

Em recente debate, que contou com os economistas Nelson Barbosa, um prócere do PT, e o seu colega Samuel Pessôa, assessor econômico de Aécio Neves em 2014, houve raros momentos de convergência. Ei-los: 1) é bem provável que o Banco Central seja obrigado a elevar a taxa básica de juros, a Selic, diante da inflação; e 2) o governo precisará ter um mecanismo que auxilie os pobres e paupérrimos, na linguagem de Churchill. Barbosa e Pessôa foram uníssonos ao prescreverem as medidas em um país à beira de enormes dificuldades. 

A tarefa do Ministério da Economia se assemelha ao castigo imposto à Sísifo, que tinha a missão de empurrar uma pedra até o topo de uma montanha. Quando estava perto de alcançar o objetivo, a pedra rolava da montanha, o que invalidava o esforço repetitivo de Sísifo (o notável Albert Camus refinaria, nos anos 1940, a análise em um profundo estudo filosófico). Hoje, em um Brasil dominado pelo Centrão, a missão se torna mais difícil, mas não impossível. Uma mágica heterodoxa, com a imposição de que fundos de pensão de estatais comprem títulos do governo, ou a criação de um papel lastreado em ativos do governo, não parece empolgar a turma da Faria Lima, em São Paulo, onde está concentrada a elite financeira do país. Será preciso encontrar uma solução que possa continuar a impulsionar a indústria, o pujante mercado de capitais e, sobretudo, a imensa massa de desvalidos, responsáveis pelo aumento do consumo em milhares de cidades.

 Trata-se de encarar um mundo diferente, com alta taxa de desemprego – que será explosiva em janeiro – e, ao mesmo tempo, imensas oportunidades no porvir.

Atrair o capital estrangeiro com regras claras para o investimento, como em 5G – a nova revolução na indústria de telecomunicações e no cotidiano dos cidadãos – e em infraestrutura podem aumentar a sofrível produtividade brasileira. É preciso ser insistente em manter um ambiente amigável ao capital privado e, com isso, gerar emprego e renda. Parece um truísmo, mas no Brasil, dada a mediocridade dos poderes constituídos, é necessário usar um martelo contundente para conseguir encaixar ideias racionais nas mentes que decidem os rumos do país. Aqui, há quem duvide dos enunciados básicos da Astronomia. Não precisamos citar nomes, cara leitora e caro leitor.

 O jovem Churchill tinha a fórmula que usaria, quase trinta anos depois, na Segunda Guerra Mundial:

 “Se tiver uma questão importante a colocar, não tente ser sutil ou esperto. Use um bate-estacas. Bata na questão uma vez. Então volte e bata outra vez. Então bata uma terceira vez”.

 Tratam-se de escolhas e da necessidade de buscarmos a utopia sem a presença de personagens da mitologia grega, como os Ciclopes ou o mal-humorado Poseidon, citados em um vídeo que viralizou na internet, com narração de Sean Connery, baseado no poema Ithaca (1910), de C.P. Cavafy, nascido em Alexandria, apontado como o maior poeta em língua grega. O Brasil é uma nação viável, construída em boa parte com os imigrantes e a ascensão social. É preciso ter a esperança do poema Ithaca. Sem cartórios ou falsos políticos de passados nebulosos. Nem preciso citar os personagens, que comporiam uma bem montada ópera bufa nas cercanias de Natal. Com o apoio de certo expoente da elite branca do mundo acadêmico.

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