Bolsonaro 2, Paulo Guedes e o dilema moral
Guedes suporta as idiossincrasias do Capitão por um projeto maior. Como Russell, ele sabe que a alternativa é a desorganização da economia
Victor Sena
Publicado em 24 de agosto de 2020 às 08h51.
Ao completar 80 anos, o filósofo liberal Bertrand Russel foi perguntado por um ingênuo repórter sobre o que ele achava da data. Russell, um homem sarcástico, respondeu: “Diante da alternativa, eu acho ótimo”. Ele morreria somente 17 anos depois, aos 97, em 1970. Era um ferrenho defensor das liberdades individuais tal como o economista Milton Friedman (1912-2006), ganhador do Prêmio Nobel em 1976, o guru da Universidade de Chicago.
O ministro Paulo Guedes jamais esquecerá o dia em que desafiou o velho mestre para um debate, em 1976. Nem o contínuo do templo do liberalismo levou-o a sério. Muito menos a secretária do grande mestre, perplexa com a ousadia do jovem de um país distante e de uma língua exótica.
A ousadia do estudante é uma marca registrada do economista: ele sempre foi um franco atirador e se orgulha da origem humilde. Guedes acha graça do comentário maldoso de César Maia, à época em que ambos se opuseram ao famigerado Plano Cruzado (1986, Governo Sarney) por motivações políticas diferentes. “O Paulo é um monetarista de babar na gravata”. Nesta época, a Hermès era a preferida dos jovens banqueiros. Custava 100 dólares.
Este mesmo economista, que trinta anos depois decretaria a “uberização” da política em uma conversa informal no aeroporto de Congonhas, SP, embarcaria na campanha de Jair Bolsonaro, após um namoro com a candidatura frustrada de Luciano Huck, em 2017, defendida pelo ex-presidente Fernando Henrique.
Agora, nesta terça-feira, é bem provável que o sobrevivente Paulo Guedes (quantas vezes a mídia convencional já fez o enterro do ministro?) anuncie projetos impactantes ao lado do presidente Bolsonaro. Talvez não acredite por formação neste Bolsonaro 2, que mira a reeleição. E, na mesma toada, seja compelido a fazer uma super CPMF, o imposto sobre transações financeiras.
Parafraseando Bertrand Russel, diante da alternativa (o colapso fiscal), é ótimo ter uma dívida pública bruta sob controle.
Pergunte a Paulo Guedes o modelo de político que ele abraçaria sem pestanejar por um segundo tal como o filósofo diante do início da fatalidade biológica: Margaret Thatcher (1925-2013), a dama de ferro da Inglaterra, Felipe González (1944-), um social democrata que assume a bandeira liberal na Espanha nos anos 1980/1990. E, claro, Ronald Reagan (1911-2004), como disse em uma live com o Banco Itaú, aquela dos famosos 200 milhões de trouxas e seis bancos.
Guedes suporta as idiossincrasias do Capitão por um projeto maior. Como Russell, ele sabe que a alternativa é a desorganização da economia e, com ela, a volta de um projeto de centro-esquerda. Ele manterá todas as suas incongruências acadêmicas, como a liberação de FGTS e a extensão do auxílio emergencial.
Guedes, apesar da mídia tradicional, se mantém no cargo menos por uma convicção ideológica e sim pelo pragmatismo, perpetrado por alguns personagens de Liev Tolstói, no romance psicológico seminal “Anna Kariênina”. Aproxima-se de vários deles mas o Paulo Guedes, que já teve grandes pretensões acadêmicas, e foi desdenhado por alguns arautos do Departamento de Economia da PUC-Rio, gostaria de ser identificado com o protagonista Liévin, um homem obsessivo que busca a verdade. Mesmo sem encontrá-la, vive em paz com sua consciência.
O economista enfrenta o mesmo dilema: entre agradar o populismo de direita de Bolsonaro, rasgando os corolários do liberalismo, com o corajoso programa agora aglutinado no Renda Brasil, que é caro para o presidente. Ser um neokeynesiano, para evitar o voo da galinha da economia, soa como um pecado imperdoável como a heroína de Tolstói, Anna. Paulo Guedes vive o dilema de Liévin.
Ex-banker, o economista age como uma versão moderna de um grande grande jogador: sabe a hora certa do ataque e o momento correto do recuo. Joga pôquer no melhor estilo do stick. E deve evitar a obsessão de o jovem Alexei Ivânovitch, retratado
no estupendo O Jogador, de Fiódor Dostoiévski.
O ministro da Economia lembra os velhos tempos de trader em que acertou apostas contra o Cruzado e outros planos heterodoxos e errou no Lula 1, em 2003, como relatou um amigo de Chicago. Agora, ele quer jogar temporariamente no lixo as velhas convicções do Chicago boy.
Hoje tem 70 anos e vai longe a cena em que ousou enfrentar Milton Friedman. Em breve, o velho liberal Guedes volta ao ringue com todas as suas convicções e dilemas.
Ao completar 80 anos, o filósofo liberal Bertrand Russel foi perguntado por um ingênuo repórter sobre o que ele achava da data. Russell, um homem sarcástico, respondeu: “Diante da alternativa, eu acho ótimo”. Ele morreria somente 17 anos depois, aos 97, em 1970. Era um ferrenho defensor das liberdades individuais tal como o economista Milton Friedman (1912-2006), ganhador do Prêmio Nobel em 1976, o guru da Universidade de Chicago.
O ministro Paulo Guedes jamais esquecerá o dia em que desafiou o velho mestre para um debate, em 1976. Nem o contínuo do templo do liberalismo levou-o a sério. Muito menos a secretária do grande mestre, perplexa com a ousadia do jovem de um país distante e de uma língua exótica.
A ousadia do estudante é uma marca registrada do economista: ele sempre foi um franco atirador e se orgulha da origem humilde. Guedes acha graça do comentário maldoso de César Maia, à época em que ambos se opuseram ao famigerado Plano Cruzado (1986, Governo Sarney) por motivações políticas diferentes. “O Paulo é um monetarista de babar na gravata”. Nesta época, a Hermès era a preferida dos jovens banqueiros. Custava 100 dólares.
Este mesmo economista, que trinta anos depois decretaria a “uberização” da política em uma conversa informal no aeroporto de Congonhas, SP, embarcaria na campanha de Jair Bolsonaro, após um namoro com a candidatura frustrada de Luciano Huck, em 2017, defendida pelo ex-presidente Fernando Henrique.
Agora, nesta terça-feira, é bem provável que o sobrevivente Paulo Guedes (quantas vezes a mídia convencional já fez o enterro do ministro?) anuncie projetos impactantes ao lado do presidente Bolsonaro. Talvez não acredite por formação neste Bolsonaro 2, que mira a reeleição. E, na mesma toada, seja compelido a fazer uma super CPMF, o imposto sobre transações financeiras.
Parafraseando Bertrand Russel, diante da alternativa (o colapso fiscal), é ótimo ter uma dívida pública bruta sob controle.
Pergunte a Paulo Guedes o modelo de político que ele abraçaria sem pestanejar por um segundo tal como o filósofo diante do início da fatalidade biológica: Margaret Thatcher (1925-2013), a dama de ferro da Inglaterra, Felipe González (1944-), um social democrata que assume a bandeira liberal na Espanha nos anos 1980/1990. E, claro, Ronald Reagan (1911-2004), como disse em uma live com o Banco Itaú, aquela dos famosos 200 milhões de trouxas e seis bancos.
Guedes suporta as idiossincrasias do Capitão por um projeto maior. Como Russell, ele sabe que a alternativa é a desorganização da economia e, com ela, a volta de um projeto de centro-esquerda. Ele manterá todas as suas incongruências acadêmicas, como a liberação de FGTS e a extensão do auxílio emergencial.
Guedes, apesar da mídia tradicional, se mantém no cargo menos por uma convicção ideológica e sim pelo pragmatismo, perpetrado por alguns personagens de Liev Tolstói, no romance psicológico seminal “Anna Kariênina”. Aproxima-se de vários deles mas o Paulo Guedes, que já teve grandes pretensões acadêmicas, e foi desdenhado por alguns arautos do Departamento de Economia da PUC-Rio, gostaria de ser identificado com o protagonista Liévin, um homem obsessivo que busca a verdade. Mesmo sem encontrá-la, vive em paz com sua consciência.
O economista enfrenta o mesmo dilema: entre agradar o populismo de direita de Bolsonaro, rasgando os corolários do liberalismo, com o corajoso programa agora aglutinado no Renda Brasil, que é caro para o presidente. Ser um neokeynesiano, para evitar o voo da galinha da economia, soa como um pecado imperdoável como a heroína de Tolstói, Anna. Paulo Guedes vive o dilema de Liévin.
Ex-banker, o economista age como uma versão moderna de um grande grande jogador: sabe a hora certa do ataque e o momento correto do recuo. Joga pôquer no melhor estilo do stick. E deve evitar a obsessão de o jovem Alexei Ivânovitch, retratado
no estupendo O Jogador, de Fiódor Dostoiévski.
O ministro da Economia lembra os velhos tempos de trader em que acertou apostas contra o Cruzado e outros planos heterodoxos e errou no Lula 1, em 2003, como relatou um amigo de Chicago. Agora, ele quer jogar temporariamente no lixo as velhas convicções do Chicago boy.
Hoje tem 70 anos e vai longe a cena em que ousou enfrentar Milton Friedman. Em breve, o velho liberal Guedes volta ao ringue com todas as suas convicções e dilemas.