Exame.com
Continua após a publicidade

Aos mestres, com devoção e gratidão

Dois grandes expoentes da Economia, Mario Henrique Simonsen e Paul Singer fariam 87 anos e 90 anos, respectivamente

Paul Singer, economista e fundador do PT (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Paul Singer, economista e fundador do PT (Fernando Frazão/Agência Brasil)
C
Coriolano Gatto

Publicado em 27 de fevereiro de 2022 às, 10h38.

Última atualização em 27 de fevereiro de 2022 às, 10h41.

Por Coriolano Gatto

Dois grandes expoentes da Economia completariam 87 anos e 90 anos. Respectivamente, refiro-me a Mario Henrique Simonsen, morto de 1997; e Paul Singer, falecido em 2018. Ambos fizeram mais pelas ciências econômicas do que muitos profissionais que resumem a complexa atividade econômica a uma conta de cabeça de planilha, enaltecem em demasia o superávit primário, mas ignoram o gravíssimo conflito distributivo. Singer, um demógrafo de mão cheia, foi um ativo participante de debates organizados pelo antigo Jornal do Brasil, do fim dos anos 1980 até setembro de 1997, o Balanço Mensal. Já Simonsen, nos áureos tempos, fazia questão de iniciar as suas intervenções com a chegada de Singer, que vinha de São Paulo e, àquela época, já mantinha fortes ligações com o PT. Eram tempos cordiais em que participavam os notáveis professores da PUC-Rio, Ibrahim Eris, Paulo Guedes, Antonio Barros de Castro, Aloizio Mercadante, além dos cientistas políticos Wanderley Guilherme dos Santos e Sergio Abranches. Mas, afinal, qual a relação desses pensadores, vivos ou mortos, com o mundo dos negócios?

Singer insistia no conflito distributivo, no que era ouvido com muita atenção por economistas liberais. Há uma vasta literatura sobre o tema, mas, em tom simplificado, pode-se dizer que a inflação, um imposto caro para os pobres, desencadeia um grande desequilíbrio entre o que os empresários esperam para a sua rentabilidade e o salário real médio idealizado pelos trabalhadores. O conflito, na melhor tradução, é um indutor do agravamento da concentração de renda, com a qual, infelizmente, o Brasil convive há décadas, seja por um sistema tributário que beneficia os detentores de capital, seja por um aparato de benefícios fiscais em favor de grupos de interesse variados − de empresários a sindicatos. O mestre Mario Henrique ouvia o colóquio de Singer, entre tragadas do seu cigarro Free ou Galaxy − na juventude fumava o Lincoln, uma espécie de estoura peito, como ele definia.

Ao ingressar no Mapa da Fome, o Brasil pode perder centenas de milhares de consumidores, o que, por sua vez, vai afetar de forma brutal as grandes redes de varejo, que obtiveram resultados invejáveis na pandemia. Sem contar as perdas humanas e o agravamento do sistema  público de saúde. Perde-se dinheiro com políticas públicas ineficazes da mesma forma que se ganha riqueza com o acerto das autoridades econômicas, o que eleva a arrecadação tributária.

Os programas de concessões, mudanças em marcos regulatórios, redução de IPI, e aperfeiçoamento de mecanismos institucionais são bem-vindos, mas ficam mal ancorados na ineficiência de programas que deixam ao largo os pobres ou o exército de 30 milhões de trabalhadores informais, todos mal remunerados e com uma formação precaríssima. A conta ainda será feita com precisão, mas é fato que os dois anos de pandemia, completos agora em março, atuaram como uma foice nos ensinos Fundamental e Médio das crianças nas escolas públicas, o que terá como reflexo óbvio uma queda sem precedentes na produtividade, tema caro a muitos economistas liberais de verdade. Basta estudar o caso da Coreia do Sul, tão citada por especialistas nos anos 1970, um exemplo de políticas bem engendradas. 

O economista americano Glenn Hubbard costuma resumir em um aforismo o caminho do fracasso: a queda na produtividade dos investimentos tem como resultado grandes aumentos de impostos. Como não é possível mudar as estações do ano para otimizar o financiamento agrícola, da mesma forma a ausência de investimento em infraestrutura − como foi tratado na coluna interior − contribui para frear a produtividade, que depende ainda de formação. Não adianta estudar em profusão, aproveitando a grande oferta barata ou gratuita de cursos online, se não houver uma ponte com aquilo que o mercado demanda no momento. Fazer um curso, por exemplo, de bombeiro civil é mais eficiente do que estudar aplicações em eletromecânica. O mesmo vale para aperfeiçoamentos mais refinados em TI, finanças ou engenharia robótica. Cursos de mestrado e doutorado, ainda que muito qualificados, podem trazer desalento ao aluno, que se empenhou anos a fundo para obter a formação. Um grande empresário, que aos 40 anos está antenado com todas as modernidades, admite que muitos jovens querem conhecer logo o chão de fábrica em vez de se dedicarem quase dez anos em longa formação de especialização.

Os mestres Simonsen e Singer eram inclinados a essa vivência, embora, por razões do seu ofício, admiravam a formação. O que eles sabiam é que um aprendizado mais focado na prática pode trazer mais benefícios do que anos de estudo. Muitas vezes, o Estado investe mal em educação, adotando a famosa moral harzard – um benefício mal empregado traz prejuízos para os cofres públicos. Ou, na linguagem objetiva de Wall Street: é quando alguém pega o seu dinheiro emprestado e não é responsável por ele.

Há uma farta literatura sobre o risco moral − na tradução literal − e abrange governos de todos os matizes ideológicos. Basta ver recursos bem intencionados em moradia popular − no governo Lula, o programa Minha Casa Minha Vida foi um enorme sucesso. Ocorre que, hoje, em muitos apartamentos no Rio de Janeiro, os prédios são controlados por milicianos, que cobram condomínios extorsivos para quem ganha um salário mínimo ou está sem emprego. As políticas públicas sem uma atuação integrada, como diria o engenheiro Eliezer Batista, geram um péssimo benefício e agravam as combalidas finanças públicas. É muito boa para o empresário da construção civil, da mesma forma que programas como o Fies fizeram a farra dos empresários da educação. O Pronatec é outro exemplo de desperdício, de acordo com estudo do FGV Ibre É para esse ponto de vista que convergiam Mario Henrique e Paulo (o Paul é da Áustria, sua terra natal), que buscavam, de forma permanente, uma âncora que pudesse trazer bem-estar social. Não à toa ambos eram inimigos figadais dos juros altos e do câmbio apreciado.

No livro “Ensaios” (Leya, 2010), Truman Capote descreve o ator Humphrey Bogart como “um homem sem crises temperamentais, não sem temperamento, e, por entender que a disciplina era a melhor parte da sobrevivência artística, ele durou, deixou a sua marca”. Fazendo uma licença poética, pode-se afirmar que os dois economistas deixaram as suas marcas ao formaram gerações e grandes ensinamentos para seus alunos. Era o prazer de dar aula, de fazer o bem-querer.

Nesse período momesco, sem o carnaval de rua, é mais um motivo para lembrar de mestres caridosos e dedicados ao ensino de qualidade.

Observação: Criado pelo jornalista Flávio Pinheiro, no JB, o Balanço Mensal ganhou grande impulso com a jovem editora Miriam Leitão, em 1988.

Além de MHS, havia uma grande presença de economistas da PUC-Rio, alguns, seus  ex-alunos. No período 1994/1997 (Lauro Jardim no início partida e, a seguir, este signatário), o  debate incorporou outros economistas, como Ibrahim Eris, Barros de Castro, Guedes, Carlos Ivan Simonsen Leal, Mercadante e os convidados especiais José Luiz Bulhões Pedreira, Roberto Campos, José Genoíno e Jacques Wagner.  Hoje, esta EXAME, o Estadão e a Folha produzem debates de ato nível com a  enorme vantagem da tecnologia, o que amplia a democratização da informação.

Coriolano Gatto é jornalista e colunista da Exame