Alberto Soares de Sampaio, o discreto empreendedor da petroquímica
Alberto Soares de Sampaio (1901-1977), um dos fundadores da petroquímica brasileira começa a sua vida como muitos empreendedores, com um grande percalço
Marina Filippe
Publicado em 22 de maio de 2021 às 11h09.
Alberto Soares de Sampaio (1901-1977), um dos fundadores da petroquímica brasileira ‒ a qual terá em 2021 o melhor ano de sua história ‒, começa a sua vida como muitos empreendedores, com um grande percalço. Aos 25 anos, fundou com os irmãos uma companhia de material ferroviário, que foi arrastada pela crise de 1929, um terremoto na economia internacional, trazendo a depressão e o desemprego em massa, nada que se compare aos efeitos perversos causados pela pandemia da Covid-19.
Sampaio, que herdara do avô materno, João Teixeira Soares, a capacidade de fazer negócio e, do pai, Alberto de Sampaio, a sensibilidade de um grande fotógrafo que produziu grandes imagens do Rio de Janeiro, início do século XX, e de Petrópolis, onde nasceu, não desistiu de ingressar em mercados complexos. A convite do Exército, depois da recusa de vários empresários, ele aceita o desafio de dar início a um negócio, por meio de uma concessão, após a Segunda Guerra Mundial, eivado de nacionalismo. Com sócios do quilate de Walther Moreira Salles (Unibanco), Pery Igel (Ultra), Drault Ernany de Mello e Silva (banqueiro, empresário e político), Phillips Petroleum, Hanna Mining e outros, inaugura em 1954 a Refinaria União, em Capuava, que hoje pertence ao município de Mauá (SP).
Eram tempos difíceis, com ausência de regulação e de grandes fontes de financiamento. Foi assim que Assis Chateaubriand, dono do maior império de comunicação do Brasil, faz uma campanha de massa que consegue atrair 12 mil acionistas, o que torna o negócio viável com parte da poupança do público. Os empresários transmitiam confiança, e Chateaubriand era uma máquina de ideias, já retratada por excelentes biografias, independentemente do seu estilo nada ortodoxo de captar publicidade dos grandes conglomerados públicos e privados.
O fato é que, com discrição, longe dos holofotes, embora fosse próximo do poderoso Chateaubriand, Sampaio formou uma holding, a UNIPAR, que controlava 14 empresas, com presença nas regiões mais ricas do país. Em 1969, é lançada a primeira debênture do país, desenhada juridicamente por José Luiz Bulhões Pedreira, mas engendrada pelo tomador de risco Soares de Sampaio. Não custa lembrar que o lançamento, com direito a anúncio na grande mídia, sob a batuta do publicitário Mauro Salles, foi feito muitos anos antes da criação da CVM e da Lei das Sociedades por Ações, ambas de 1976, no governo Geisel (1974-1979), sob a coordenação de Mario Henrique Simonsen, ministro da Fazenda.
Como todo empreendedor, jamais teve visão de curto prazo. Em muitas ocasiões, sacrificou os bons resultados para construir algo duradouro; visão rara entre os empresários, que sempre buscam a proteção do Estado ao primeiro momento de fraqueza econômica, ou se desfazem de algo que, no futuro, será muito rentável.
O Jornal do Brasil, em 28 de setembro de 1977, destacava no obituário que ele era “um fabricante de fábricas”, que incluíam negócios na área de cimentos, pneus, fios, ferrovia e cabos plásticos, além do complexo petroquímico, registra o jornal carioca. Exageros de amigos, pode ser, mas é comprovado que entrou em múltiplos empreendimentos, muitos com sucesso e alguns fracassados. Soares de Sampaio era de poucas palavras; falava pouco, sim, mas ia direto no ponto. Certa vez, ao se deparar com gráficos, planilhas e dezenas de tabelas, disse para o seu controller:
‒ Está tudo muito bom, meu filho. Vou ler atentamente. Mas me faça um favor: quero saber, agora, as entradas e as saídas de dinheiro da empresa.
Com grandes advogados, não era diferente. Após ouvir longos e cansativos arrazoados ‒ alguns profissionais pecam pelo tom prolixo ‒ dizia com calma e educação: “Vou ganhar ou vou perder a causa?”
Alberto Soares de Sampaio era um gentleman, como descreveu o JB, que vivia o seu apogeu no fim dos anos 1970 como a mídia de referência do Brasil. Ele e Chateaubriand estariam juntos, dessa vez como mecenas. Em 1947, é fundado o Museu de Arte de São Paulo (MASP), um dos grandes patrimônios culturais do país, situado no coração da Avenida Paulista. Dos mil metros quadrados iniciais de área, o MASP dá um salto em três anos para 4 mil metros e inicia uma coleção destacada internacionalmente.
Com Assis Chateaubriand e outros empresários, Soares de Sampaio fez doações de obras de Vicent Van Gogh, Paul Gauguin, Ticiano, Thomas Laurence, entre outros expoentes da arte mundial. Essas obras estão entre as mais importantes do MASP e rodaram o mundo em exposições cedidas pelo Museu. Um dos gestos mais generosos de Sampaio foi preservar 120 alqueires em sua fazenda São Joaquim, em Itaipava (RJ), no Vale do Cuiabá, onde plantara 100 mil pés de café, depois transformando o local num verdadeiro Jardim Botânico. Nessa época, ninguém conhecia a palavra sustentabilidade. Soares de Sampaio certamente repetiria a frase simples de Regine Feigel, outra grande empreendedora do século XX, retratada nesta coluna: “O meu ideal é o de realizar alguma coisa”.
A propósito: Feigel e Sampaio têm algo em comum, além da inovação e da capacidade de correrem riscos: eles fizeram doações para a PUC-Rio, uma das melhores universidades brasileiras, com grande reconhecimento internacional, sem finalidade lucrativa. Não houve publicidade ou entrevistas na mídia ou notas em colunas. Eram outros tempos.
Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME
Alberto Soares de Sampaio (1901-1977), um dos fundadores da petroquímica brasileira ‒ a qual terá em 2021 o melhor ano de sua história ‒, começa a sua vida como muitos empreendedores, com um grande percalço. Aos 25 anos, fundou com os irmãos uma companhia de material ferroviário, que foi arrastada pela crise de 1929, um terremoto na economia internacional, trazendo a depressão e o desemprego em massa, nada que se compare aos efeitos perversos causados pela pandemia da Covid-19.
Sampaio, que herdara do avô materno, João Teixeira Soares, a capacidade de fazer negócio e, do pai, Alberto de Sampaio, a sensibilidade de um grande fotógrafo que produziu grandes imagens do Rio de Janeiro, início do século XX, e de Petrópolis, onde nasceu, não desistiu de ingressar em mercados complexos. A convite do Exército, depois da recusa de vários empresários, ele aceita o desafio de dar início a um negócio, por meio de uma concessão, após a Segunda Guerra Mundial, eivado de nacionalismo. Com sócios do quilate de Walther Moreira Salles (Unibanco), Pery Igel (Ultra), Drault Ernany de Mello e Silva (banqueiro, empresário e político), Phillips Petroleum, Hanna Mining e outros, inaugura em 1954 a Refinaria União, em Capuava, que hoje pertence ao município de Mauá (SP).
Eram tempos difíceis, com ausência de regulação e de grandes fontes de financiamento. Foi assim que Assis Chateaubriand, dono do maior império de comunicação do Brasil, faz uma campanha de massa que consegue atrair 12 mil acionistas, o que torna o negócio viável com parte da poupança do público. Os empresários transmitiam confiança, e Chateaubriand era uma máquina de ideias, já retratada por excelentes biografias, independentemente do seu estilo nada ortodoxo de captar publicidade dos grandes conglomerados públicos e privados.
O fato é que, com discrição, longe dos holofotes, embora fosse próximo do poderoso Chateaubriand, Sampaio formou uma holding, a UNIPAR, que controlava 14 empresas, com presença nas regiões mais ricas do país. Em 1969, é lançada a primeira debênture do país, desenhada juridicamente por José Luiz Bulhões Pedreira, mas engendrada pelo tomador de risco Soares de Sampaio. Não custa lembrar que o lançamento, com direito a anúncio na grande mídia, sob a batuta do publicitário Mauro Salles, foi feito muitos anos antes da criação da CVM e da Lei das Sociedades por Ações, ambas de 1976, no governo Geisel (1974-1979), sob a coordenação de Mario Henrique Simonsen, ministro da Fazenda.
Como todo empreendedor, jamais teve visão de curto prazo. Em muitas ocasiões, sacrificou os bons resultados para construir algo duradouro; visão rara entre os empresários, que sempre buscam a proteção do Estado ao primeiro momento de fraqueza econômica, ou se desfazem de algo que, no futuro, será muito rentável.
O Jornal do Brasil, em 28 de setembro de 1977, destacava no obituário que ele era “um fabricante de fábricas”, que incluíam negócios na área de cimentos, pneus, fios, ferrovia e cabos plásticos, além do complexo petroquímico, registra o jornal carioca. Exageros de amigos, pode ser, mas é comprovado que entrou em múltiplos empreendimentos, muitos com sucesso e alguns fracassados. Soares de Sampaio era de poucas palavras; falava pouco, sim, mas ia direto no ponto. Certa vez, ao se deparar com gráficos, planilhas e dezenas de tabelas, disse para o seu controller:
‒ Está tudo muito bom, meu filho. Vou ler atentamente. Mas me faça um favor: quero saber, agora, as entradas e as saídas de dinheiro da empresa.
Com grandes advogados, não era diferente. Após ouvir longos e cansativos arrazoados ‒ alguns profissionais pecam pelo tom prolixo ‒ dizia com calma e educação: “Vou ganhar ou vou perder a causa?”
Alberto Soares de Sampaio era um gentleman, como descreveu o JB, que vivia o seu apogeu no fim dos anos 1970 como a mídia de referência do Brasil. Ele e Chateaubriand estariam juntos, dessa vez como mecenas. Em 1947, é fundado o Museu de Arte de São Paulo (MASP), um dos grandes patrimônios culturais do país, situado no coração da Avenida Paulista. Dos mil metros quadrados iniciais de área, o MASP dá um salto em três anos para 4 mil metros e inicia uma coleção destacada internacionalmente.
Com Assis Chateaubriand e outros empresários, Soares de Sampaio fez doações de obras de Vicent Van Gogh, Paul Gauguin, Ticiano, Thomas Laurence, entre outros expoentes da arte mundial. Essas obras estão entre as mais importantes do MASP e rodaram o mundo em exposições cedidas pelo Museu. Um dos gestos mais generosos de Sampaio foi preservar 120 alqueires em sua fazenda São Joaquim, em Itaipava (RJ), no Vale do Cuiabá, onde plantara 100 mil pés de café, depois transformando o local num verdadeiro Jardim Botânico. Nessa época, ninguém conhecia a palavra sustentabilidade. Soares de Sampaio certamente repetiria a frase simples de Regine Feigel, outra grande empreendedora do século XX, retratada nesta coluna: “O meu ideal é o de realizar alguma coisa”.
A propósito: Feigel e Sampaio têm algo em comum, além da inovação e da capacidade de correrem riscos: eles fizeram doações para a PUC-Rio, uma das melhores universidades brasileiras, com grande reconhecimento internacional, sem finalidade lucrativa. Não houve publicidade ou entrevistas na mídia ou notas em colunas. Eram outros tempos.
Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME