A indústria rejeita o subsídio. Basta cortar ou zerar o IPI
A série histórica impressiona pela longevidade em um país ainda com muitos gargalos em estatísticas
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2022 às 14h35.
Por Coriolano Gatto
Os economistas liberais, no século passado, foram ardorosos defensores do modelo agrário exportador em contrapartida ao pensamento desenvolvimentista. O empresário e historiador Roberto Simonsen, o patrono da indústria brasileira, apreciava terçar armas com o engenheiro Eugênio Gudin, o fundador do curso de Ciências Econômicas do Brasil, e liberal de quatro costados. O Brasil, acreditava Gudin, tinha vocação agrícola e, para isso, ele se amparava na teoria das vantagens comparativas. Criticava o protecionismo concedido à indústria nacional e insistia na tecla da produtividade.
Simonsen, ainda que com alguns tropeços, se ancorava, nas mais altas esferas de conselhos de políticos públicas, em um modelo que buscava a independência do Brasil frente a nações desenvolvidas e, mais tarde, desembocaria na substituição das importações no ciclo militar. O fato é que o ministro da Economia, Paulo Guedes, um ex-professor por vocação e um ex-banqueiro por necessidade, preparou um decreto que concede redução de 25%, 50% ou mesmo zera o IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados). Não é pouca coisa. Seria uma bolada de R$ 45 bilhões, cuja decisão depende de frear maluquices como a PEC dos Combustíveis e outras traquitandas populistas. O percentual dependerá da responsabilidade fiscal do Congresso e do Executivo.
Os números são alarmantes. Ano passado, a corrente de comércio exterior bateu o recorde de US$ 500 bilhões e um superávit robusto. Mas os produtos manufaturados _ aqueles que geram emprego com boa remuneração e carteira assinada _ tiveram um déficit de US$ 111 bilhões. O próprio Guedes ficou surpreso com o tamanho do rombo ao ser informado por empresários, em janeiro. As exportações desses produtos atingiram magros US$ 76 bilhões, em 2021, o mesmo número de 2006.
O Brasil andou para trás, pois a indústria, além de oferecer inovações e cadeias produtivas de alto valor agregado, é um importante amortecedor para um país pendurado nas commodities – o setor primário é responsável por 60% das exportações. Num átimo de segundo, o mesmo petróleo, minério de ferro e soja que vivem hoje momentos de euforia, podem sofrer um grande revés e o Brasil perderia dezenas de bilhões de dólares em pouco tempo, com impacto também na arrecadação dos estados produtores.
No apogeu, a indústria, observa a economista Paula Perdigão, pesquisadora do FGV Ibre e doutoranda na UnB, a indústria atingiu 30% do PIB e hoje está pouco acima de 10% - algo equivalente à participação do Estado do Rio, que convive com um gravíssimo endividamento. Perdigão cita a enorme capacidade da indústria de geração de empregos formais com renda elevada.
Tome-se o exemplo da construção civil, que obteve crescimento exponencial em plena pandemia e atraiu uma grande gama de serviços, incluindo os de projetos de engenharia e de urbanismo. Perdigão menciona a Sondagem da Indústria, que contém dados desde outubro de 1966 – Índice de Confiança, a Situação atual e as expectativas, disponíveis aqui.
A série histórica impressiona pela longevidade em um país ainda com muitos gargalos em estatísticas.
Venilton Taddini, que participou do complexo programa de privatização iniciado no Governo Collor, é o presidente executivo da ABDIB, a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, vê com desdém as críticas infundadas de economistas que identificam na indústria um mar de protecionismo. Ele fala com a autoridade de quem participou do processo de abertura comercial no Governo Collor, um avanço sem precedentes no chão de fábrica.
O executivo, como outras fontes ouvidas pela coluna, comunga de um modelo que funcionou como um triturador de empregos: câmbio apreciado e juros elevados. FHC e Lula fizeram essa opção com motivações diferentes, mas é fato que a desindustrialização ganhou dimensões superlativas. As lideranças empresariais que têm o poder da caneta, recursos abundantes, assistiram e aplaudiram os respectivos governos, não vendo que o trem caminhava para o precipício. O Sistema S foi omisso diante da hecatombe.
O investimento em infraestrutura, de 1,7% do PIB, soa como um acinte â inteligência. Países desenvolvidos não investem menos de 4,5% e o Brasil, anos 1970, chegou ao percentual de 6%, o que propiciou a criação de Itaipu e Tucuruí, entre outros grandes empreendimentos. Os novos marcos regulatórios em diferentes setores, como ferrovia, saneamento e gás, podem atrair centenas de bilhões de reais. Cara leitora e caro leitor: evite a propaganda enganosa. Dos R$ 80 bilhões de investimentos contratados para as ferrovias autorizadas, somente a metade será efetivada e ao longo de anos. Tadini apoia o investimento do Estado na veia, todos os anos, independentemente das bem vindas concessões e autorizações.
O estoque em infraestrutura é de 34% do PIB, enquanto na Índia e China alcançam, respectivamente, 58% e 76% do PIB. Para não ser desonesto, aos números positivos engendrados pela dupla Guedes-Tarcísio Freitas: no triênio 2019/20121, foram realizados 115 leilões com a geração de R$ 125 bilhões em outorgas e expectativa de R$ 500 bilhões em investimentos nos próximos anos.
Sem o Estado, é muito difícil o soerguimento da indústria. É como acreditar em Papai Noel ou em duendes. Aos números: em transportes, há a necessidade de investir anualmente 2,26% do PIB, mas o investimento (dado mais recente) não passa de 0,31% do PIB, incluindo o setor privado. Mesmo o dinheiro aplicado em saneamento, que resultou na venda da antiga Cedae, conhecida pela eficiência de seus técnicos e pela gestão temerária, é baixo.
Como se sabe, saneamento forte e transporte massivo melhoram, em larga escala, a produtividade e a saúde, o que dará grande economia ao SUS e à rede privada de hospitais. No inicio do Governo Lula 1, foi deflagrada a chamada Operação Tapa Buracos nas estradas federais. Os cabeças de planilha imaginavam que estariam economizando os parcos recursos discricionários (sem verba carimbada) do Orçamento da União. Ocorre que aumentou o número de acidentes leves e fatais, o que causou um rombo no sistema de saúde pública, além de produzir histórias tristes.
Por qualquer ângulo, a indústria recolhe muitos impostos, ainda que haja regimes especiais, como o do setor químico. Estima-se que a carga tributária ultrapasse a casa dos 45%, algo inimaginável para uma economia emergente. Se houver, como no passado, juros de 20% ao ano e dólar na lona, o quadro é desolador. Não há como concorrer com produtos chineses.
A redução ou mesmo um programa de extinção do IPI vai trazer enormes benefícios na receita e aumentará a arrecadação, estima o Ministério da Economia.
De tabela, ampliará os empregos formais. A Zona Franca de Manaus, idealizada pelo liberal Roberto Campos, terá um tratamento especial para sobreviver aos novos tempos. Campos foi o guru de Paulo Guedes, no antigo IBMEC, anexo do MAM (Museu de Arte Moderna, Aterro do Flamengo) e depois no Centro do Rio. “A indústria brasileira está sob fogo cerrado, afundando. Nós precisamos reindustrializar o Brasil com a redução do IPI”, disse Guedes à repórter Adriana Fernandes.
A propósito: Gudin e Simonsen eram grandes amigos e, depois dos embates, aproveitavam a noite para se divertirem em boas companhias. Homens elegantes que aceitavam a convivência de opostos. Eram tempos de um Brasil cordial. Gudin morreu em 1986, aos 100 anos, sem assistir à vitória da sua tese, enquanto o industrial falece aos 59 anos, em 1948, e viu a largada da indústria, com a siderurgia e o nascimento da petroquímica com Alberto Soares de Sampaio.
Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME.
Por Coriolano Gatto
Os economistas liberais, no século passado, foram ardorosos defensores do modelo agrário exportador em contrapartida ao pensamento desenvolvimentista. O empresário e historiador Roberto Simonsen, o patrono da indústria brasileira, apreciava terçar armas com o engenheiro Eugênio Gudin, o fundador do curso de Ciências Econômicas do Brasil, e liberal de quatro costados. O Brasil, acreditava Gudin, tinha vocação agrícola e, para isso, ele se amparava na teoria das vantagens comparativas. Criticava o protecionismo concedido à indústria nacional e insistia na tecla da produtividade.
Simonsen, ainda que com alguns tropeços, se ancorava, nas mais altas esferas de conselhos de políticos públicas, em um modelo que buscava a independência do Brasil frente a nações desenvolvidas e, mais tarde, desembocaria na substituição das importações no ciclo militar. O fato é que o ministro da Economia, Paulo Guedes, um ex-professor por vocação e um ex-banqueiro por necessidade, preparou um decreto que concede redução de 25%, 50% ou mesmo zera o IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados). Não é pouca coisa. Seria uma bolada de R$ 45 bilhões, cuja decisão depende de frear maluquices como a PEC dos Combustíveis e outras traquitandas populistas. O percentual dependerá da responsabilidade fiscal do Congresso e do Executivo.
Os números são alarmantes. Ano passado, a corrente de comércio exterior bateu o recorde de US$ 500 bilhões e um superávit robusto. Mas os produtos manufaturados _ aqueles que geram emprego com boa remuneração e carteira assinada _ tiveram um déficit de US$ 111 bilhões. O próprio Guedes ficou surpreso com o tamanho do rombo ao ser informado por empresários, em janeiro. As exportações desses produtos atingiram magros US$ 76 bilhões, em 2021, o mesmo número de 2006.
O Brasil andou para trás, pois a indústria, além de oferecer inovações e cadeias produtivas de alto valor agregado, é um importante amortecedor para um país pendurado nas commodities – o setor primário é responsável por 60% das exportações. Num átimo de segundo, o mesmo petróleo, minério de ferro e soja que vivem hoje momentos de euforia, podem sofrer um grande revés e o Brasil perderia dezenas de bilhões de dólares em pouco tempo, com impacto também na arrecadação dos estados produtores.
No apogeu, a indústria, observa a economista Paula Perdigão, pesquisadora do FGV Ibre e doutoranda na UnB, a indústria atingiu 30% do PIB e hoje está pouco acima de 10% - algo equivalente à participação do Estado do Rio, que convive com um gravíssimo endividamento. Perdigão cita a enorme capacidade da indústria de geração de empregos formais com renda elevada.
Tome-se o exemplo da construção civil, que obteve crescimento exponencial em plena pandemia e atraiu uma grande gama de serviços, incluindo os de projetos de engenharia e de urbanismo. Perdigão menciona a Sondagem da Indústria, que contém dados desde outubro de 1966 – Índice de Confiança, a Situação atual e as expectativas, disponíveis aqui.
A série histórica impressiona pela longevidade em um país ainda com muitos gargalos em estatísticas.
Venilton Taddini, que participou do complexo programa de privatização iniciado no Governo Collor, é o presidente executivo da ABDIB, a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, vê com desdém as críticas infundadas de economistas que identificam na indústria um mar de protecionismo. Ele fala com a autoridade de quem participou do processo de abertura comercial no Governo Collor, um avanço sem precedentes no chão de fábrica.
O executivo, como outras fontes ouvidas pela coluna, comunga de um modelo que funcionou como um triturador de empregos: câmbio apreciado e juros elevados. FHC e Lula fizeram essa opção com motivações diferentes, mas é fato que a desindustrialização ganhou dimensões superlativas. As lideranças empresariais que têm o poder da caneta, recursos abundantes, assistiram e aplaudiram os respectivos governos, não vendo que o trem caminhava para o precipício. O Sistema S foi omisso diante da hecatombe.
O investimento em infraestrutura, de 1,7% do PIB, soa como um acinte â inteligência. Países desenvolvidos não investem menos de 4,5% e o Brasil, anos 1970, chegou ao percentual de 6%, o que propiciou a criação de Itaipu e Tucuruí, entre outros grandes empreendimentos. Os novos marcos regulatórios em diferentes setores, como ferrovia, saneamento e gás, podem atrair centenas de bilhões de reais. Cara leitora e caro leitor: evite a propaganda enganosa. Dos R$ 80 bilhões de investimentos contratados para as ferrovias autorizadas, somente a metade será efetivada e ao longo de anos. Tadini apoia o investimento do Estado na veia, todos os anos, independentemente das bem vindas concessões e autorizações.
O estoque em infraestrutura é de 34% do PIB, enquanto na Índia e China alcançam, respectivamente, 58% e 76% do PIB. Para não ser desonesto, aos números positivos engendrados pela dupla Guedes-Tarcísio Freitas: no triênio 2019/20121, foram realizados 115 leilões com a geração de R$ 125 bilhões em outorgas e expectativa de R$ 500 bilhões em investimentos nos próximos anos.
Sem o Estado, é muito difícil o soerguimento da indústria. É como acreditar em Papai Noel ou em duendes. Aos números: em transportes, há a necessidade de investir anualmente 2,26% do PIB, mas o investimento (dado mais recente) não passa de 0,31% do PIB, incluindo o setor privado. Mesmo o dinheiro aplicado em saneamento, que resultou na venda da antiga Cedae, conhecida pela eficiência de seus técnicos e pela gestão temerária, é baixo.
Como se sabe, saneamento forte e transporte massivo melhoram, em larga escala, a produtividade e a saúde, o que dará grande economia ao SUS e à rede privada de hospitais. No inicio do Governo Lula 1, foi deflagrada a chamada Operação Tapa Buracos nas estradas federais. Os cabeças de planilha imaginavam que estariam economizando os parcos recursos discricionários (sem verba carimbada) do Orçamento da União. Ocorre que aumentou o número de acidentes leves e fatais, o que causou um rombo no sistema de saúde pública, além de produzir histórias tristes.
Por qualquer ângulo, a indústria recolhe muitos impostos, ainda que haja regimes especiais, como o do setor químico. Estima-se que a carga tributária ultrapasse a casa dos 45%, algo inimaginável para uma economia emergente. Se houver, como no passado, juros de 20% ao ano e dólar na lona, o quadro é desolador. Não há como concorrer com produtos chineses.
A redução ou mesmo um programa de extinção do IPI vai trazer enormes benefícios na receita e aumentará a arrecadação, estima o Ministério da Economia.
De tabela, ampliará os empregos formais. A Zona Franca de Manaus, idealizada pelo liberal Roberto Campos, terá um tratamento especial para sobreviver aos novos tempos. Campos foi o guru de Paulo Guedes, no antigo IBMEC, anexo do MAM (Museu de Arte Moderna, Aterro do Flamengo) e depois no Centro do Rio. “A indústria brasileira está sob fogo cerrado, afundando. Nós precisamos reindustrializar o Brasil com a redução do IPI”, disse Guedes à repórter Adriana Fernandes.
A propósito: Gudin e Simonsen eram grandes amigos e, depois dos embates, aproveitavam a noite para se divertirem em boas companhias. Homens elegantes que aceitavam a convivência de opostos. Eram tempos de um Brasil cordial. Gudin morreu em 1986, aos 100 anos, sem assistir à vitória da sua tese, enquanto o industrial falece aos 59 anos, em 1948, e viu a largada da indústria, com a siderurgia e o nascimento da petroquímica com Alberto Soares de Sampaio.
Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME.