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A governabilidade, a euforia do mercado e o coelhinho de Cortázar

Quem conhece Brasília sabe que o novo presidente da Câmara dos Deputados, em que pese apoiar a reforma administrativa e a PEC Emergencial, não será um serviçal do governo Bolsonaro

A vitória de Arthur Lira (PP-AL) já estava prevista na manhã de segunda-feira nos centros financeiros da Europa, madrugada no Brasil, por mais de 300 votos (Alan Santos/PR/Flickr)
A vitória de Arthur Lira (PP-AL) já estava prevista na manhã de segunda-feira nos centros financeiros da Europa, madrugada no Brasil, por mais de 300 votos (Alan Santos/PR/Flickr)
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Coriolano Gatto

Publicado em 4 de fevereiro de 2021 às, 13h12.

Última atualização em 4 de fevereiro de 2021 às, 13h12.

O político mineiro Bonifácio Andrada, deputado federal por dez mandatos consecutivos, morto em dezembro aos 90 anos, costumava dizer que em “política burro voa”. O jovem capitão reformado Heitor Aquino Ferreira, tradutor de grandes obras nas horas vagas e ativo participante do regime militar, especialmente nos governos Geisel e Figueiredo, achava a frase exagerada. Mesmo com toda a sua experiência política – o ex-ministro Golbery do Couto e Silva foi um de seus mestres –, Ferreira me disse que a expressão soava inverossímil. Até que no início do Governo Sarney, longe do poder, ele viu uma articulação política inusitada. “E não é que o burro voa mesmo”, disse Heitor Ferreira, em São Paulo.

A vitória de Arthur Lira (PP-AL) já estava prevista na manhã de segunda-feira nos centros financeiros da Europa, madrugada no Brasil, por mais de 300 votos. A área econômica comemorava a saída de Rodrigo Maia, um político que sempre atuou com o vento a favor. Todo mundo sabia que Eduardo Paes, prefeito de uma cidade caótica, e ACM Neto, apenas para citar alguns nomes, jamais apoiariam a candidatura de Baleia Rossi.

Parece que a maldição do apoio da esquerda – dizem alguns cientistas políticos – foi a pá de cal. “A esquerda perdeu o bonde da história ao jogar toda a sua energia na campanha “Lula livre”, disse um insuspeito cientista político, que previu a vitória de Lira, com folga, na semana passada.

Quem conhece Brasília – especialmente os esgotos da cidade – sabe que o novo presidente da Câmara dos Deputados, em que pese apoiar a reforma administrativa e a PEC Emergencial, não será um serviçal do governo Bolsonaro ou de qualquer ministro. Nem poderia ser diferente.

Como não há vácuo na política – outra máxima da capital da República –, é certo que deverá ocorrer um pequeno fatiamento no poderoso Ministério da Economia. Agora, Bolsonaro tem dois anos para governar de acordo com as regras do presidencialismo multipartidário, o que certamente agradará ao mercado de capitais, abundante em novas ofertas iniciais de ações (IPOs) – basta conferir diariamente a EXAME IN – e em recursos estrangeiros. No início dos anos 1990, as bolsas de valores negociavam US$ 50 milhões por dia. Em 2020, a B3 movimentou diariamente perto de US$ 5 bilhões.

Há riscos de uma espécie de “sarneyzação” do atual governo? Muito pouco provável, acredita um experiente banqueiro de investimento. Naquela época, o ministro da Fazenda – famoso por deixar como legado uma inflação de 5.000% ao ano – administrava como podia a economia. Não havia um projeto. A meta era inflação alta e juros nas alturas, o paraíso dos rentistas, a turma que fica na praia tomando sol contando o jurinho nosso de cada dia.

O presidente do Banco Central por pouco não foi preso – o Ministério Público estava em fase de implantação pós-Constituição de 1988. Caos absoluto. A dívida pública era renovada integralmente no mercado financeiro – o chamado overnight. O investidor estrangeiro olhava o Brasil como uma República de Bananas. Literalmente falando. A fracassada moratória da dívida externa, em fevereiro de 1987, custou muito caro ao Brasil.

A área econômica precisará aprender a negociar com o Congresso e aceitar as regras do jogo impostas pelas presidências renovadas da Câmara e do Senado. Agora, é a vez dos profissionais, com direito ao ex-presidente Michel Temer e ao onipresente senador Renan Calheiros – Collor, FHC e era petista e com passagem, na juventude, pelo PC do B.

Será preciso criar instrumentos de governabilidade e, como no conto de Julio Cortázar, ”Casa Tomada”, ter sangue frio para aguentar a pressão:

“Quando sinto que vou vomitar um coelhinho, ponho dois dedos na boca como uma pinça aberta, e espero sentir na garganta a penugem morna que sobe como uma efervescência de sal de frutas. Tudo é rápido e higiênico, transcorre em um brevíssimo instante”.

O governo  tem pressa e sabe que esse coelho – que corre 70 km por hora – tem proporções maiores. Para isso, será necessário enfeixa-lo de tal forma que consiga atrair os políticos de centro e a ala moderada da esquerda. Por ora, não há um candidato competitivo que possa vencer Bolsonoro. Mas é cedo para fazer previsões e, como uma nuvem, pode ser que esse candidato apareça. Em política, como dizia a velha raposa política mineira, burro voa. O mercado de capitais e o mundo dos negócios, como um tudo, estão vendo que há oportunidades à vista, se o governo for capaz de manobrar instrumentos que garantam o mínimo de equilíbrio fiscal. E, evidentemente, reduzir a enorme crise sanitária.

É estupidez, coisa de cabeça de planilha, pensar em dogma, como insistem alguns economistas falsamente ortodoxos. O Brasil, depois da longa recessão iniciada em 2014, está barato. E os chineses estão ávidos para mergulharem na concorrência do 5G, a grande revolução tecnológica. Mas tudo isso só faz sentido com inclusão, com programas distributivos de renda, sob pena de criar uma nação desigual e muito violenta. O Brasil está pronto para a decolagem.

“Eu pareço ter me tornado um rato, numa ratoeira feita por mim, uma ratoeira que sempre percebo o perigo de uma abertura que permite escapar”, disse o premiado roteirista Herman Mankiewick, em filme recomendado por esta EXAME. É desta ratoeira que o governo precisa escapar se quiser manter o prumo da economia.

Coriolano Gato é jornalista e colunista da EXAME