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Contra um mundo de mentiras, imprensa está testando tecnologia blockchain

Entenda como a imprensa está utilizando a tecnologia blockchain para garantir a veracidade das informações e combater as 'fake news'

Jornal de papel (Nodar Chernishev / EyeEm/Getty Images)
LJ

Lucas Josa

Publicado em 14 de agosto de 2021 às 10h35.

Vamos começar este artigo fazendo um teste? Quantas vezes você, cara/caro leitora/leitor mandou ou recebeu uma mensagem do tipo: “isso é fake news”, se referindo a uma informação que foi compartilhada? Se não sabe quantas vezes, então já sabe que foram muitas. Afinal, pelos canais digitais se fala sobre tudo e cada vez mais se lê notícias também. E se a informação parece “boa”, por que não compartilhá-la? E é aí que mora o problema. Porque é “boa”, muita gente compartilha fake news por desatenção – fora os que o fazem por maldade mesmo. E nessas, até uma eleição pode ser questionável. Portanto, se há informações questionáveis, há espaço para blockchain.

O compartilhamento de fake news está diretamente ligado à facilidade dada para isso pelos aparelhos e os aplicativos de mídias sociais. Hoje em dia, o maior canal de leitura de notícias no Brasil é o online, com 83%, incluindo as mídias sociais. Essas últimas sozinhas respondem por 63%, enquanto que os impressos representam 12%, como mostra a edição 2021 do Relatório de Notícias Digitais da Reuters. Isso é um reflexo do fato de que 77% dos brasileiros leem notícias pelo celular, numa comparação com notebooks (36%) e tablets (8%).

Compartilhar conhecimento é sempre bom. Porém, praticamente nunca se checa a origem e a veracidade da informação que chega via online, em especial pelas mídias sociais. Alguém para e pensa quem fez a primeira postagem daquela mensagem? E por onde a informação andou até chegar ao seu aparelho? E se nesse caminho alguém mexeu na informação para espalhar uma mentira? E se a informação já começou mentirosa para defender o indefensável, como dizer que máscaras não funcionam contra a Covid-19?

E sabe por que em geral não se pensa nisso? Em primeiro lugar porque as mídias sociais foram feitas para você não se distrair delas, ou seja, rolar a tela sem parar e apertar botões de like, compartilhamento e etc. Depois tem a nossa parte, ou seja, compartilhar porque confia em quem enviou a mensagem – “veio da minha melhor amiga, então é seguro” -, ou porque a mensagem lhe agrada (como quem não quer usar máscara), ou ainda porque gostou da fofoca.

Os veículos de imprensa também utilizam sites e mídias sociais como fontes de informação. E como sabem que aí sobram fake news, estão testando blockchain para evitar que usem informações falsas ou que as notícias que distribuem sejam adulteradas com inverdades para serem compartilhadas nas redes sociais.

Um estudo de professores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) sobre o Twitter, em 2018, mostrou que as notícias verdadeiras levam cerca de seis vezes mais tempo para atingir 1,5 mil pessoas do que as fake news. E essas notícias falsas têm 70% mais chances de serem compartilhadas do que as verdadeiras. Não é à toa que Jack Dorsey, o criador do Twitter, está trabalhando numa mídia social descentralizada. Segundo ele, no longo prazo as redes centralizadas não resolverão os problemas de notícias mentirosas. A decisão foi anunciada depois de uma invasão em contas de políticos e celebridades no Twitter, em julho deste ano.

Um dos casos de teste de blockchain na imprensa é o do The New York Times (NYT), que em 2019 começou o projeto The News Provenance em parceria com a IBM. O objetivo é testar se a tecnologia blockchain pode ajudar a rastrear o caminho que uma foto faz nas mídias sociais, para saber se é verdadeira e, portanto, se o jornal pode usar. Um exemplo: foto de um protesto, um tipo de evento em que as imagens, às vezes, podem ser usadas em diferentes contextos. E também querem verificar se a tecnologia pode rastrear onde vão parar as fotos do jornal depois de publicadas e distribuídas a veículos que pagam para replicar seus conteúdos.

Imagine o problema de imagem, reputação, credibilidade e financeiro se alguém adulterar, com uma informação falsa, uma foto do NYT. Imagine então o jornal usar uma imagem fake. Fora o fato de que sites com fake news nos EUA estão ganhando engajamento em suas redes sociais. Em 2020, esse engajamento dobrou em relação a 2019, segundo a NewsGard.

Por isso, o NYT criou uma rede de teste composta por dois veículos e uma mídia social falsas com a solução Hyperledger Fabric – muito distante de espalhar fake news, claro. Com isso, o jornal busca verificar a possibilidade de registrar os metadados das fotos, como quem tirou, onde e quando, além de rastrear todo o caminho que a imagem percorreu e ainda vai percorrer. Além disso, o projeto prevê disponibilizar os dados nas mídias sociais. Assim, os veículos de imprensa podem subir metadados, compartilhar a foto com segurança e fazer alterações nos metadados, que ficam registrados em blockchain. O NYT diz que o Provenance está mostrando ser possível ter informações das fotos e agora precisa de mais veículos e estudos.

Depois de uma conturbada eleição presidencial em 2016, em que se suspeita que a escolha de Donald Trump tenha contado com a ajuda de fake news, a agência de notícias Associated Press, que analisa as votações eleitorais nos Estados Unidos (EUA) desde 1848 para tentar antecipar os resultados, decidiu registrar essas informações na Everipedia, uma espécie de enciclopédia que registra dados em blockchain. Vamos lembrar que nos EUA ainda há o jurássico voto impresso, aquele que facilmente pode ser fraudado, e que a contagem pode levar até semanas (aliás, para quem cobriu contagem de votos impressos como eu, é de arrepiar os cabelos se lembrar do risco de fraude daquela época). A Chainlink, maior rede descentralizada de oráculos do mundo, ofereceu a infraestrutura para registro dos dados, que até então eram enviados por e-mail. No processo, havia a verificação se a informação vinha de um API da AP e registrá-la na blockchain.

A agência italiana de notícias Ansa é outro caso de uso de blockchain na imprensa. Pelo Ansacheck, feito em Ethereum com a EY, os leitores podem checar a origem de uma notícia da Ansa que aparece na plataforma da agência ou em algum veículo de imprensa ou mídias sociais. Seu objetivo é dar garantias aos leitores da veracidade de suas informações. E a agência, que vende conteúdo para outros veículos do mundo todo, também pode verificar onde esse conteúdo vai parar. Um dos resultados disso é poder criar um ecossistema da Ansa com seus clientes e agências de publicidade, por exemplo. Além de levar a novos modelos de negócios baseado em reputação e em soluções de republicação de matérias.

E por falar em modelo de negócios, blockchain e fake news ajudaram a criar mais uma fonte de renda para os veículos: os NFTs. Os absurdos das notícias falsas são a matéria-prima da Facts-NFT, plataforma de tokens não-fungíveis (NFTs) de fake news já checadas. A plataforma foi criada por quatro agências de checagem, dentre elas a brasileira Lupa. Com isso, buscam abrir uma nova e constante fonte de receita. Quem compra o NFT pode renegociá-lo e quando isso acontecer, 10% do valor vai para a agência. A expectativa é atrair apoiadores da causa da checagem de informações, colecionadores e investidores

NFTs da Agência Lupa na plataforma Facts-NFT (Agência Lupa/Divulgação)

Mas, um parêntese: não é só de NFT de fake news que vivem os veículos. O NYT, por exemplo, disse que queria mostrar o absurdo de elevados preços pagos por certos tokens. Então, Kevin Roose, colunista de tecnologia do jornal, criou um NFT de sua coluna. Foi vendido por US$ 560 mil (cerca de R$ 3 milhões). Já a AP criou 10 NFTs de imagens de seu acervo de fotos, construídos em seus 175 anos.
Da mesma forma que a imprensa se interessa em garantir informações confiáveis, as empresas também começam a olhar para blockchain com esse objetivo. Isso porque sofrem cada vez mais a cobrança por políticas ESG (Ambiental, Social e Governança) de investidores, clientes e reguladores. Por isso, a Verizon lançou uma solução para empresas – ou até veículos de imprensa, a Full Transparency, que permite às empresas registrar e rastrear alterações dos textos de seus comunicados externos.

Essas mudanças ficam transparentes no site da empresa, ou seja, quando alguém vai abrir o comunicado, está lá dito se houve mudanças, quais foram e quando aconteceram. O projeto é uma parceria com a MadHive, que provê uma camada permissionada sobre Ethereum. E usam CryptoRTB para inserção de assinaturas criptografadas.
É importante lembrar que se blockchain faz bem ao combate de fake news, associado a outras tecnologias, então, pode fazer ainda melhor. Por exemplo, associado a tecnologia machine learning, pode detectar dados imprecisos e impedir que sejam registrados em blockchain. Dispositivos de internet das coisas também podem dar ainda mais garantia de que dados registrados em blockchain e usados num comunicado de imprensa são verdadeiros.

O Gartner prevê que até 2023, cerca de 30% das notícias e vídeos serão autenticados por blockchain. A previsão foi feita em 2019. Sinceramente, parece pouco. O ideal seria que fosse muito mais, para que os leitores não fossem enganados. Afinal de contas, quem gosta de viver num mundo de mentiras?

 

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Vamos começar este artigo fazendo um teste? Quantas vezes você, cara/caro leitora/leitor mandou ou recebeu uma mensagem do tipo: “isso é fake news”, se referindo a uma informação que foi compartilhada? Se não sabe quantas vezes, então já sabe que foram muitas. Afinal, pelos canais digitais se fala sobre tudo e cada vez mais se lê notícias também. E se a informação parece “boa”, por que não compartilhá-la? E é aí que mora o problema. Porque é “boa”, muita gente compartilha fake news por desatenção – fora os que o fazem por maldade mesmo. E nessas, até uma eleição pode ser questionável. Portanto, se há informações questionáveis, há espaço para blockchain.

O compartilhamento de fake news está diretamente ligado à facilidade dada para isso pelos aparelhos e os aplicativos de mídias sociais. Hoje em dia, o maior canal de leitura de notícias no Brasil é o online, com 83%, incluindo as mídias sociais. Essas últimas sozinhas respondem por 63%, enquanto que os impressos representam 12%, como mostra a edição 2021 do Relatório de Notícias Digitais da Reuters. Isso é um reflexo do fato de que 77% dos brasileiros leem notícias pelo celular, numa comparação com notebooks (36%) e tablets (8%).

Compartilhar conhecimento é sempre bom. Porém, praticamente nunca se checa a origem e a veracidade da informação que chega via online, em especial pelas mídias sociais. Alguém para e pensa quem fez a primeira postagem daquela mensagem? E por onde a informação andou até chegar ao seu aparelho? E se nesse caminho alguém mexeu na informação para espalhar uma mentira? E se a informação já começou mentirosa para defender o indefensável, como dizer que máscaras não funcionam contra a Covid-19?

E sabe por que em geral não se pensa nisso? Em primeiro lugar porque as mídias sociais foram feitas para você não se distrair delas, ou seja, rolar a tela sem parar e apertar botões de like, compartilhamento e etc. Depois tem a nossa parte, ou seja, compartilhar porque confia em quem enviou a mensagem – “veio da minha melhor amiga, então é seguro” -, ou porque a mensagem lhe agrada (como quem não quer usar máscara), ou ainda porque gostou da fofoca.

Os veículos de imprensa também utilizam sites e mídias sociais como fontes de informação. E como sabem que aí sobram fake news, estão testando blockchain para evitar que usem informações falsas ou que as notícias que distribuem sejam adulteradas com inverdades para serem compartilhadas nas redes sociais.

Um estudo de professores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) sobre o Twitter, em 2018, mostrou que as notícias verdadeiras levam cerca de seis vezes mais tempo para atingir 1,5 mil pessoas do que as fake news. E essas notícias falsas têm 70% mais chances de serem compartilhadas do que as verdadeiras. Não é à toa que Jack Dorsey, o criador do Twitter, está trabalhando numa mídia social descentralizada. Segundo ele, no longo prazo as redes centralizadas não resolverão os problemas de notícias mentirosas. A decisão foi anunciada depois de uma invasão em contas de políticos e celebridades no Twitter, em julho deste ano.

Um dos casos de teste de blockchain na imprensa é o do The New York Times (NYT), que em 2019 começou o projeto The News Provenance em parceria com a IBM. O objetivo é testar se a tecnologia blockchain pode ajudar a rastrear o caminho que uma foto faz nas mídias sociais, para saber se é verdadeira e, portanto, se o jornal pode usar. Um exemplo: foto de um protesto, um tipo de evento em que as imagens, às vezes, podem ser usadas em diferentes contextos. E também querem verificar se a tecnologia pode rastrear onde vão parar as fotos do jornal depois de publicadas e distribuídas a veículos que pagam para replicar seus conteúdos.

Imagine o problema de imagem, reputação, credibilidade e financeiro se alguém adulterar, com uma informação falsa, uma foto do NYT. Imagine então o jornal usar uma imagem fake. Fora o fato de que sites com fake news nos EUA estão ganhando engajamento em suas redes sociais. Em 2020, esse engajamento dobrou em relação a 2019, segundo a NewsGard.

Por isso, o NYT criou uma rede de teste composta por dois veículos e uma mídia social falsas com a solução Hyperledger Fabric – muito distante de espalhar fake news, claro. Com isso, o jornal busca verificar a possibilidade de registrar os metadados das fotos, como quem tirou, onde e quando, além de rastrear todo o caminho que a imagem percorreu e ainda vai percorrer. Além disso, o projeto prevê disponibilizar os dados nas mídias sociais. Assim, os veículos de imprensa podem subir metadados, compartilhar a foto com segurança e fazer alterações nos metadados, que ficam registrados em blockchain. O NYT diz que o Provenance está mostrando ser possível ter informações das fotos e agora precisa de mais veículos e estudos.

Depois de uma conturbada eleição presidencial em 2016, em que se suspeita que a escolha de Donald Trump tenha contado com a ajuda de fake news, a agência de notícias Associated Press, que analisa as votações eleitorais nos Estados Unidos (EUA) desde 1848 para tentar antecipar os resultados, decidiu registrar essas informações na Everipedia, uma espécie de enciclopédia que registra dados em blockchain. Vamos lembrar que nos EUA ainda há o jurássico voto impresso, aquele que facilmente pode ser fraudado, e que a contagem pode levar até semanas (aliás, para quem cobriu contagem de votos impressos como eu, é de arrepiar os cabelos se lembrar do risco de fraude daquela época). A Chainlink, maior rede descentralizada de oráculos do mundo, ofereceu a infraestrutura para registro dos dados, que até então eram enviados por e-mail. No processo, havia a verificação se a informação vinha de um API da AP e registrá-la na blockchain.

A agência italiana de notícias Ansa é outro caso de uso de blockchain na imprensa. Pelo Ansacheck, feito em Ethereum com a EY, os leitores podem checar a origem de uma notícia da Ansa que aparece na plataforma da agência ou em algum veículo de imprensa ou mídias sociais. Seu objetivo é dar garantias aos leitores da veracidade de suas informações. E a agência, que vende conteúdo para outros veículos do mundo todo, também pode verificar onde esse conteúdo vai parar. Um dos resultados disso é poder criar um ecossistema da Ansa com seus clientes e agências de publicidade, por exemplo. Além de levar a novos modelos de negócios baseado em reputação e em soluções de republicação de matérias.

E por falar em modelo de negócios, blockchain e fake news ajudaram a criar mais uma fonte de renda para os veículos: os NFTs. Os absurdos das notícias falsas são a matéria-prima da Facts-NFT, plataforma de tokens não-fungíveis (NFTs) de fake news já checadas. A plataforma foi criada por quatro agências de checagem, dentre elas a brasileira Lupa. Com isso, buscam abrir uma nova e constante fonte de receita. Quem compra o NFT pode renegociá-lo e quando isso acontecer, 10% do valor vai para a agência. A expectativa é atrair apoiadores da causa da checagem de informações, colecionadores e investidores

NFTs da Agência Lupa na plataforma Facts-NFT (Agência Lupa/Divulgação)

Mas, um parêntese: não é só de NFT de fake news que vivem os veículos. O NYT, por exemplo, disse que queria mostrar o absurdo de elevados preços pagos por certos tokens. Então, Kevin Roose, colunista de tecnologia do jornal, criou um NFT de sua coluna. Foi vendido por US$ 560 mil (cerca de R$ 3 milhões). Já a AP criou 10 NFTs de imagens de seu acervo de fotos, construídos em seus 175 anos.
Da mesma forma que a imprensa se interessa em garantir informações confiáveis, as empresas também começam a olhar para blockchain com esse objetivo. Isso porque sofrem cada vez mais a cobrança por políticas ESG (Ambiental, Social e Governança) de investidores, clientes e reguladores. Por isso, a Verizon lançou uma solução para empresas – ou até veículos de imprensa, a Full Transparency, que permite às empresas registrar e rastrear alterações dos textos de seus comunicados externos.

Essas mudanças ficam transparentes no site da empresa, ou seja, quando alguém vai abrir o comunicado, está lá dito se houve mudanças, quais foram e quando aconteceram. O projeto é uma parceria com a MadHive, que provê uma camada permissionada sobre Ethereum. E usam CryptoRTB para inserção de assinaturas criptografadas.
É importante lembrar que se blockchain faz bem ao combate de fake news, associado a outras tecnologias, então, pode fazer ainda melhor. Por exemplo, associado a tecnologia machine learning, pode detectar dados imprecisos e impedir que sejam registrados em blockchain. Dispositivos de internet das coisas também podem dar ainda mais garantia de que dados registrados em blockchain e usados num comunicado de imprensa são verdadeiros.

O Gartner prevê que até 2023, cerca de 30% das notícias e vídeos serão autenticados por blockchain. A previsão foi feita em 2019. Sinceramente, parece pouco. O ideal seria que fosse muito mais, para que os leitores não fossem enganados. Afinal de contas, quem gosta de viver num mundo de mentiras?

 

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