Uma nova e trilionária bolha de crédito está em formação?
Em um mundo de liquidez abundante e taxas de juros muito baixas, os investidores estão aceitando correr riscos cada vez maiores e deixando de prestar atenção nos detalhes
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2019 às 15h51.
O ciclo atual de crescimento da economia americana está perto de ser o maior da história. O recorde dos anos 90 – dez anos de expansão vigorosa que terminaram com o estouro da bolha da internet em 2000 – será batido se não houver um tropeço nos próximos seis meses.
Nada impede que o progresso continue por muitos anos, pois não há princípio econômico que estabeleça um limite aos períodos de “boom”. A Colômbia já cresceu ininterruptamente por quase cinco décadas. A Índia não sabe o que é recessão há 39 anos.
É verdade que países emergentes crescem com mais facilidade, mas as nações desenvolvidas também registram “milagres”. A Noruega já voou por 37 anos e a Austrália, que tem no curriculum um período de 32 anos sem baques, vem crescendo há 27 anos.
Sendo assim, se os EUA superarem uma década sem recessão, o fato em si deverá chamar menos atenção do que o Twitter do presidente atribuindo a si a façanha.
Dito isso, fases prolongadas de crescimento propiciam o aparecimento de distorções que facilitam as escorregadas. Complacência e excesso de confiança, por exemplo, são vieses que vicejam em épocas de vacas gordas.
Os empreendedores sentem firmeza ao embarcarem em aventuras arriscadas, contraindo dívidas. As instituições financeiras mais agressivas, que bancam esses projetos, superam as mais conservadoras em rentabilidade. A competição entre elas faz com que os critérios para concessões de empréstimos se tornem mais liberais. Ao mesmo tempo, a ambição dos poupadores aumenta diante de ofertas de investimento vendidas como se fossem almoços gratuitos.
Tudo caminha às mil maravilhas até que um evento fortuito perturbe a harmonia da festa – um “choque” no jargão dos economistas. Pode ser o pedido de falência de uma empresa grande, um incidente climático extremo, uma catástrofe natural, um ataque terrorista, um escândalo contábil, uma crise política, ou qualquer episódio capaz de abalar a confiança.
Normalmente, esses “choques” surgem e passam sem maiores consequências no nível macroeconômico, pois as oscilações de curto prazo da produtividade fazem parte do dia a dia das economias. No entanto, quando o parafuso encontra-se bem apertado, basta uma pequena torcida adicional para espanar de vez a rosca.
Eventos desfavoráveis tendem a se propagar com mais intensidade quando os ciclos de crescimento estão adiantados porque a atitude dos agentes econômicos em relação ao risco varia durante as etapas do ciclo econômico. No começo, a dívida é um problema do devedor. No final, torna-se um problema do credor.
Quando a alavancagem é elevada, o crédito pode se tornar muito escasso, muito rapidamente, se os bancos avaliarem por qualquer razão que passaram do ponto. Ao desconfiarem da existência de micos potenciais e verem declinar o valor de suas garantias, as instituições endurecem os critérios para todos os clientes. Subitamente não há dinheiro para ninguém e a mudança de condições faz com que projetos que até então pareciam rentáveis entrem no vermelho.
Os empreendimentos mais dependentes de capital de giro são asfixiados de cara. Depois os fornecedores, os fornecedores dos fornecedores, etc. O desemprego aumenta, a confiança das famílias cai e a economia colapsa como se fosse um castelo de cartas.
Crédito e confiança são quase sinônimos. Enquanto houver confiança, as perturbações tendem a ter efeitos contidos. No entanto, quando o ciclo econômico está esticado, a sensibilidade às notícias ruins aumenta substancialmente, bastando algo trivial para desandar o angu.
A “correção” abrupta das bolsas no final do ano passado se deu porque o presidente do FED reafirmou em um discurso uma diretriz que a instituição vinha passando há muito tempo. Por que algo banal se tornou uma “novidade” de repente?
Os banqueiros podem cometer erros de dois tipos. Podem recusar crédito a bons pagadores e podem dar crédito a maus pagadores. A evidência sugere que nas épocas de prosperidade há mais sensibilidade ao erro do primeiro tipo do que ao do segundo, ocorrendo o inverso nas épocas de crise. Por essa razão diz-se que as mudanças do crédito exacerbam os ciclos econômicos.
Em julho de 2007, sobravam indícios de que a economia americana já não batia mais um bolão. A confiança oscilava em terreno neutro ou negativo há mais de um ano e a estrutura a termo das taxas de juros apontava chance elevada de recessão. Foi nessa época que o CEO do Citigroup, “Chuck” Prince, emplacou uma frase que viria a se tornar um dos símbolos da crise: “quando a música parar, em termos de liquidez, as coisas serão complicadas. Mas, enquanto a música estiver tocando, você tem que levantar e dançar. Nós estamos dançando”.
Ele intuía que a farra havia passado do ponto, mas não queria sair cedo demais e perder o melhor da festa. Pois é. A música parou, a liquidez secou e deu no que deu.
O problema é que, desde a crise financeira, os níveis de endividamento têm subido violentamente, pois a tendência de moderação ocorrida nos epicentros do terremoto – setor financeiro e famílias – tem sido bem mais do que compensada pelo endividamento dos governos e das empresas do “lado real”. O crescimento da pilha de dívidas nos dois últimos anos equivale a 80% do PIB conjunto dos EUA e da China!
A música voltou a tocar como se não houvesse amanhã.
O ritmo de crescimento da montanha de obrigações seria suficiente por si para dar calafrios, mas, mais do que isso, as entidades que se preocupam com o risco sistêmico global, como os principais bancos centrais e organismos multilaterais como o FMI e o BIS, estão cada vez mais preocupados com a qualidade dos créditos.
Há, por exemplo, uma modalidade de papagaio conhecida por “empréstimos alavancados”. São dívidas contraídas por empresas já bastante alavancadas e com risco de crédito elevado. Nos EUA, o volume desses empréstimos está beirando 1,2 trilhão de dólares (tudo o que Noruega, Suécia e Finlândia produzem em um ano).
O fato é que em um mundo de liquidez abundante e taxas de juros muito baixas, os investidores estão aceitando correr riscos cada vez maiores e deixando de prestar atenção nos detalhes. Estes empréstimos de alto risco com garantias menos robustas estão sendo empacotados e vendidos a fundos mútuos, como foi o caso dos empréstimos “subprime” antes da crise.
O Financial Times publicou recentemente a história de uma empresa de cosméticos que tomou empréstimo de 650 milhões de dólares listando a conta que a empresa mantém no Instagram como ativo “intangível” para dar garantia aos credores – se não te pagar em dinheiro, te pago em “likes”, pode ser? Isso é um barril de pólvora aguardando a primeira faísca.
Quando a economia mostrou sinais de esfriamento no final do ano passado, o FED acusou o golpe e mudou o discurso da água para o vinho. As coisas se acalmaram um pouco, mas até quando será possível continuar criando riquezas do nada? É bom ficar de olho.
O ciclo atual de crescimento da economia americana está perto de ser o maior da história. O recorde dos anos 90 – dez anos de expansão vigorosa que terminaram com o estouro da bolha da internet em 2000 – será batido se não houver um tropeço nos próximos seis meses.
Nada impede que o progresso continue por muitos anos, pois não há princípio econômico que estabeleça um limite aos períodos de “boom”. A Colômbia já cresceu ininterruptamente por quase cinco décadas. A Índia não sabe o que é recessão há 39 anos.
É verdade que países emergentes crescem com mais facilidade, mas as nações desenvolvidas também registram “milagres”. A Noruega já voou por 37 anos e a Austrália, que tem no curriculum um período de 32 anos sem baques, vem crescendo há 27 anos.
Sendo assim, se os EUA superarem uma década sem recessão, o fato em si deverá chamar menos atenção do que o Twitter do presidente atribuindo a si a façanha.
Dito isso, fases prolongadas de crescimento propiciam o aparecimento de distorções que facilitam as escorregadas. Complacência e excesso de confiança, por exemplo, são vieses que vicejam em épocas de vacas gordas.
Os empreendedores sentem firmeza ao embarcarem em aventuras arriscadas, contraindo dívidas. As instituições financeiras mais agressivas, que bancam esses projetos, superam as mais conservadoras em rentabilidade. A competição entre elas faz com que os critérios para concessões de empréstimos se tornem mais liberais. Ao mesmo tempo, a ambição dos poupadores aumenta diante de ofertas de investimento vendidas como se fossem almoços gratuitos.
Tudo caminha às mil maravilhas até que um evento fortuito perturbe a harmonia da festa – um “choque” no jargão dos economistas. Pode ser o pedido de falência de uma empresa grande, um incidente climático extremo, uma catástrofe natural, um ataque terrorista, um escândalo contábil, uma crise política, ou qualquer episódio capaz de abalar a confiança.
Normalmente, esses “choques” surgem e passam sem maiores consequências no nível macroeconômico, pois as oscilações de curto prazo da produtividade fazem parte do dia a dia das economias. No entanto, quando o parafuso encontra-se bem apertado, basta uma pequena torcida adicional para espanar de vez a rosca.
Eventos desfavoráveis tendem a se propagar com mais intensidade quando os ciclos de crescimento estão adiantados porque a atitude dos agentes econômicos em relação ao risco varia durante as etapas do ciclo econômico. No começo, a dívida é um problema do devedor. No final, torna-se um problema do credor.
Quando a alavancagem é elevada, o crédito pode se tornar muito escasso, muito rapidamente, se os bancos avaliarem por qualquer razão que passaram do ponto. Ao desconfiarem da existência de micos potenciais e verem declinar o valor de suas garantias, as instituições endurecem os critérios para todos os clientes. Subitamente não há dinheiro para ninguém e a mudança de condições faz com que projetos que até então pareciam rentáveis entrem no vermelho.
Os empreendimentos mais dependentes de capital de giro são asfixiados de cara. Depois os fornecedores, os fornecedores dos fornecedores, etc. O desemprego aumenta, a confiança das famílias cai e a economia colapsa como se fosse um castelo de cartas.
Crédito e confiança são quase sinônimos. Enquanto houver confiança, as perturbações tendem a ter efeitos contidos. No entanto, quando o ciclo econômico está esticado, a sensibilidade às notícias ruins aumenta substancialmente, bastando algo trivial para desandar o angu.
A “correção” abrupta das bolsas no final do ano passado se deu porque o presidente do FED reafirmou em um discurso uma diretriz que a instituição vinha passando há muito tempo. Por que algo banal se tornou uma “novidade” de repente?
Os banqueiros podem cometer erros de dois tipos. Podem recusar crédito a bons pagadores e podem dar crédito a maus pagadores. A evidência sugere que nas épocas de prosperidade há mais sensibilidade ao erro do primeiro tipo do que ao do segundo, ocorrendo o inverso nas épocas de crise. Por essa razão diz-se que as mudanças do crédito exacerbam os ciclos econômicos.
Em julho de 2007, sobravam indícios de que a economia americana já não batia mais um bolão. A confiança oscilava em terreno neutro ou negativo há mais de um ano e a estrutura a termo das taxas de juros apontava chance elevada de recessão. Foi nessa época que o CEO do Citigroup, “Chuck” Prince, emplacou uma frase que viria a se tornar um dos símbolos da crise: “quando a música parar, em termos de liquidez, as coisas serão complicadas. Mas, enquanto a música estiver tocando, você tem que levantar e dançar. Nós estamos dançando”.
Ele intuía que a farra havia passado do ponto, mas não queria sair cedo demais e perder o melhor da festa. Pois é. A música parou, a liquidez secou e deu no que deu.
O problema é que, desde a crise financeira, os níveis de endividamento têm subido violentamente, pois a tendência de moderação ocorrida nos epicentros do terremoto – setor financeiro e famílias – tem sido bem mais do que compensada pelo endividamento dos governos e das empresas do “lado real”. O crescimento da pilha de dívidas nos dois últimos anos equivale a 80% do PIB conjunto dos EUA e da China!
A música voltou a tocar como se não houvesse amanhã.
O ritmo de crescimento da montanha de obrigações seria suficiente por si para dar calafrios, mas, mais do que isso, as entidades que se preocupam com o risco sistêmico global, como os principais bancos centrais e organismos multilaterais como o FMI e o BIS, estão cada vez mais preocupados com a qualidade dos créditos.
Há, por exemplo, uma modalidade de papagaio conhecida por “empréstimos alavancados”. São dívidas contraídas por empresas já bastante alavancadas e com risco de crédito elevado. Nos EUA, o volume desses empréstimos está beirando 1,2 trilhão de dólares (tudo o que Noruega, Suécia e Finlândia produzem em um ano).
O fato é que em um mundo de liquidez abundante e taxas de juros muito baixas, os investidores estão aceitando correr riscos cada vez maiores e deixando de prestar atenção nos detalhes. Estes empréstimos de alto risco com garantias menos robustas estão sendo empacotados e vendidos a fundos mútuos, como foi o caso dos empréstimos “subprime” antes da crise.
O Financial Times publicou recentemente a história de uma empresa de cosméticos que tomou empréstimo de 650 milhões de dólares listando a conta que a empresa mantém no Instagram como ativo “intangível” para dar garantia aos credores – se não te pagar em dinheiro, te pago em “likes”, pode ser? Isso é um barril de pólvora aguardando a primeira faísca.
Quando a economia mostrou sinais de esfriamento no final do ano passado, o FED acusou o golpe e mudou o discurso da água para o vinho. As coisas se acalmaram um pouco, mas até quando será possível continuar criando riquezas do nada? É bom ficar de olho.