(Photo by Jim WATSON / AFP) (Jim WATSON/AFP)
Colunista
Publicado em 22 de janeiro de 2025 às 09h03.
Última atualização em 22 de janeiro de 2025 às 09h05.
Trump promete adotar políticas duras na esfera econômica e é bom estar preparado para os possíveis impactos. São três as pretensões mais relevantes: (i) deportar imigrantes ilegais em massa; (ii) aplicar um tarifaço sobre importações e (iii) eliminar travas que reduzem o dinamismo da economia.
Os economistas encontram dificuldades para antever os efeitos até mesmo de mudanças graduais corriqueiras como as de taxas de juros. No caso de transformações bruscas e potencialmente disruptivas dá para ter, na melhor das hipóteses, uma vaga ideia. Feita a ressalva, façamos umas contas de padaria.
De início, o problema atual dos EUA é falta, não excesso de mão-de-obra. O total de vagas de emprego não preenchidas equivale a cerca de 5% da força de trabalho. A taxa de desemprego, em 4,1%, encontra-se abaixo da condizente com a estabilidade da inflação – estimada em cerca de 4,5%.
A economia americana está voando. O ano de 2024 foi marcado por revisões altistas recorrentes no cenário de crescimento. Os dados conhecidos até o momento sugerem que o PIB passou o réveillon expandindo-se 3% ao ano, devendo manter a toada no primeiro trimestre de 2025.
O ritmo recente de geração de postos de trabalho, cerca de 2 milhões por ano, levará a uma redução da taxa de desemprego da ordem de meio ponto percentual se se mantiver. Portanto, o mercado de trabalho tende a exercer pressões inflacionárias na ausência de ganhos de produtividade.
No ano passado, a produtividade surpreendeu, crescendo expressivamente, mas isso não implica que o ritmo se manterá em 2025. Na verdade, desde 2000 a tendência tem sido de ligeira queda. Por outro lado, há euforia com relação aos benefícios futuros da inteligência artificial.
O fato é que, de um ano para outro, os vaivéns da produtividade são imprevisíveis.
Extrapolando o dinamismo recente do mercado de trabalho para 2025, será preciso que a produtividade cresça 2,2% para absorver o crescimento robusto da demanda sem grandes desequilíbrios – já considerando que o número de horas trabalhadas por cada empregado tem caído desde 2021.
Nada garante esse crescimento, mas não se trata de meta inatingível – a taxa em 2024 foi também 2,2%. Por via das dúvidas, o FED tem cautelosamente se empenhado em esfriar a fervura. Baixou o juro de 5,5% para 4,5%, mas provavelmente pausará a flexibilização, pois sente que há risco inflacionário.
Resumindo, Trump herda uma economia em bom estado. Crescimento vigoroso. Existe uma pressão no mercado de trabalho, mas a produtividade tem aumentado. A inflação vem caindo aos trancos e barrancos. Esperavam-se juros mais baixos, mas a frustração é reflexo de boas notícias.
É claro que um programa de deportação em massa tenderá a perturbar o delicado equilíbrio macroeconômico que, até o momento, tem sido salutar. Diz-se que não se deve mexer em time que está ganhando, especialmente quando a incerteza é grande, mas humildade não é o forte de Trump.
Estima-se que haja algo entre 13 e 13,5 milhões de imigrantes ilegais nos EUA. Destes, aproximadamente 10 milhões estão na força de trabalho. No discurso, o desejo é convidar todos a se retirarem, algo impraticável. Durante a campanha, o vice-presidente soltou o número de 1 milhão de almas para começo dos trabalhos. Não dá para levar muito a sério, mas é o que se tem como ponto de partida. Vamos então imaginar a expulsão de 10% do total, ou 1,3 milhão de pessoas.
O imigrante ilegal não compete com o residente. Executa funções básicas que o gringo não deseja mais fazer. É preciso que um mexicano colha morangos em Ventura para que o maestro de São Francisco produza um milk-shake de USD 40,00. Apesar de receber um salário que representa uma fração pequena do custo da iguaria, o trabalho do imigrante é um insumo essencial da tecnologia de produção.
Dada a baixa substitutibilidade de modo geral, a alternativa aos imigrantes é mecanizar ou importar. A primeira via nem sempre é factível, sobretudo no curto prazo. A segunda eleva o déficit comercial, que confronta a visão mercantilista do novo governo. Assim, o instinto seria tarifar o morango importado. Trocando em miúdos, recessão ou inflação. Ou os dois.
Estima-se que para cada 10 imigrantes deportados, 1 emprego “oficial” é perdido. Supondo que a proporção entre empregados e desempregados se mantenha, expulsar 1,3 milhão de imigrantes implica então encolher a força de trabalho em pelo menos 1,1 milhão de pessoas.
É simples verificar que essa política produziria redução direta de 0,4 ponto percentual na taxa de crescimento do PIB supondo que a produtividade não seja negativamente afetada, o que é improvável dado o caráter essencial do trabalho executado pelo imigrante ilegal. Estudos que se propõem a capturar os efeitos secundários projetam desaceleração de 1 ponto. No mínimo.
E a inflação? A deportação tende a reduzir a força de trabalho, pois não se deve esperar uma fila de americanos buscando os empregos dos imigrantes. Se a oferta de trabalhadores encolher 1,1 milhão de pessoas, tudo mais constante, a taxa de desemprego tenderia a cair também 0,4 ponto percentual (resultado de uma demanda aquecida com menos gente para ocupar as vagas).
A “Curva de Phillips” prevê que quedas na taxa de desemprego de um ponto percentual abaixo da taxa “natural” levam a inflação a subir entre 0,5 e 1,0 ponto percentual em um ano. Fazendo a regra de três, chegamos a uma pressão inflacionária adicional de 0,3 ponto. Não é pouco para os EUA.
Então, podemos usar a chamada “Regra de Taylor” para prever a reação do FED. O juro tende a subir 1,5 a 2,0 vezes mais que a alta da inflação. Em nossa simulação, o FED teria que elevar o juro em cerca de 50 pontos para compensar o impacto inflacionário, frustrando a expectativa atual de queda. O dólar se fortaleceria – outro resultado considerado indesejável pelo novo presidente.
Aí vem o tarifaço, igualmente com impactos inflacionários e recessivos no curto prazo.
Um boom de produtividade poderia ajudar a encontrar a quadratura do círculo. É inegável que o governo atrapalha de forma geral o dinamismo econômico, brasileiros que o digam, mas a economia americana está longe de representar o pior inferno em termos de burocracia, desperdício, ineficiência, corrupção, patrimonialismo etc. É preciso controlar a expectativa com relação à rapidez e significância dos resultados de medidas para atacar essas frentes.
Contas de padaria como essas sugerem haver chance razoável de que as políticas pretendidas por Trump produzirão tensões macroeconômicas relevantes – mesmo em versões desidratadas. Como a economia americana está bem, a melhor alternativa seria não fazer nada. Mas aí mora um dos maiores paradoxos da democracia. Elas patinam não porque os políticos viram as costas para o eleitor como usualmente afirmamos, mas porque eles fazem exatamente o que pedimos que eles façam.