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Renda não é tudo: por que somos tão felizes?

As bases científicas de medidas subjetivas de bem-estar estão ficando cada vez mais firmes e, neste contexto, crescem os esforços para compreender seus determinantes e sua distribuição no mundo. Este é o objetivo de um grupo de especialistas em diferentes áreas que, desde 2012, vêm compilando resultados de pesquisas de satisfação feitas em mais de […]

CARNAVAL: o brasileiro é incivilizado, mas isso não parece comprometer nossa felicidade /
DR

Da Redação

Publicado em 19 de setembro de 2016 às 12h37.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h42.

As bases científicas de medidas subjetivas de bem-estar estão ficando cada vez mais firmes e, neste contexto, crescem os esforços para compreender seus determinantes e sua distribuição no mundo. Este é o objetivo de um grupo de especialistas em diferentes áreas que, desde 2012, vêm compilando resultados de pesquisas de satisfação feitas em mais de 150 países. Consultei por acaso o relatório World Happiness Report divulgado em março passado. Estranho que números tão interessantes não tenham merecido destaque maior por aqui.

É usual tratar as mudanças da satisfação com a vida em nível individual como coisas efêmeras, com tendência de retorno ao “normal” na medida em que as pessoas se adaptam às novas realidades. Aumentos súbitos de renda (a partir de um ponto mínimo), encontrar o grande amor, comprar algo que se deseja ou o nascimento de filhos são novidades que, corriqueiramente, não têm efeitos duradouros sobre como as pessoas avaliam suas vidas. Se isso também fosse verdade no agregado, não faria muito sentido buscar políticas que buscassem avanços nessa dimensão – “felicidade”, para simplificar.

Parece que não. As pesquisas têm mostrado que a felicidade depende de circunstâncias mais ou menos objetivas que, em tese, podem ser o propósito de políticas públicas. Se não fosse assim, a percepção de felicidade de imigrantes não seria mais parecida com o padrão existente nos novos países do que o observado em seus países de origem. Esta é uma das evidências disponíveis que sugerem que há aspectos de felicidade que não são predeterminados.

Os estudos sobre o tema partem do acompanhamento de uma nota entre zero e dez que as pessoas dão para a própria vida. O objetivo é avaliar como esta medida de felicidade depende de circunstâncias mensuráveis. O estudo aponta seis fatores: renda, suporte social (existência de alguém a quem recorrer em tempos bicudos), expectativa de vida saudável, liberdade social (viabilidade de fazer escolhas sobre o que fazer com a vida), generosidade (propensão a fazer doações além do que pode ser explicado pela renda) e ausência de corrupção. Todos são estatisticamente relevantes para compreender a distribuição de felicidade no planeta.

Os dados referem-se ao período 2013-15. Observa-se que aproximadamente 75% das diferenças de felicidade entre os países podem ser explicadas por variações no conjunto de circunstâncias listadas acima. As pessoas tendem a ser mais felizes em lugares mais ricos, solidários, saudáveis, livres, generosos e honestos. Isso é interessante, mas não chega a ser uma grande surpresa. O curioso é justamente a fatia de felicidade que não é estatisticamente explicada por estas circunstâncias. Observam-se países parecidos nestas dimensões que têm populações que atribuem notas bem distintas a suas vidas.

O Brasil é um país feliz. Dentre as 157 nações cobertas pelo estudo, somos o 17º, entre Alemanha e Bélgica. Na América Latina, perdemos apenas para a Costa Rica. Somos mais felizes que ingleses, italianos, espanhóis e franceses. A julgar pelos intervalos de confiança apresentados, é bem possível que estejamos entre os 12 países mais felizes do mundo, talvez à frente dos EUA. Convenhamos, estes resultados são muito pouco intuitivos.

O aspecto que mais chama atenção é que nossa felicidade é menos atrelada às circunstâncias de vida do que a dos demais países – não poderia ser diferente. A felicidade brasileira é a menos explicável dentre os 20 lugares mais felizes do mundo. De certa forma, o relatório confirma empiricamente a noção de “cordialidade” do Brasileiro relatada por Sérgio Buarque de Holanda no clássico “Raízes do Brasil” – realçando, neste caso, o que poderia ser um alcance positivo do conceito. O brasileiro é incivilizado, mais isso não parece comprometer nossa felicidade.

Na verdade, o descolamento da satisfação com a vida em relação à realidade parece ser um traço latino-americano. As circunstâncias de vida explicam, no máximo, 50% da felicidade na região. Em uma figura que compara a distribuição de felicidade entre grandes regiões do mundo, a maior participação de notas dez está na América Latina e Caribe. Temos mais notas nove do que Europa, Ásia e África. Vai entender.

O caso do Japão é interessante para fazer o contraste. O país não chega a ser um poço de tristeza, mas ocupa apenas o 53º lugar da lista. O lado interessante é observar que ele estaria entre os 20 primeiros caso o ordenamento ocorresse apenas a partir da parcela explicável da felicidade. O estudo mostra que, apesar de circunstâncias objetivas favoráveis, falta algo ao japonês, a ponto de o país estar atrás de El Salvador quando o tema é satisfação com a vida. Neste país, ocorre justamente o contrário – ele deveria estar ao menos 50 posições abaixo se a felicidade fosse ordenada apenas pelo que pode ser depreendido de condições mensuráveis.

O estudo mostra que renda é importante, mas não é tudo. A comparação entre os dez países mais felizes e os dez menos felizes revela que um pouco mais de um terço da variação explicada de felicidade vem da diferença de renda. Trata-se de parcela certamente significativa, mas que diminui quando se leva em conta que a renda é mais de 25 vezes maior nos países mais felizes.

Os padrões de mudança da felicidade em 2015-13 relativamente a 2005-07 também são interessantes. Não surpreende que esta lista tenda a excluir países já muito felizes porque há um limite para a variável. O Brasil continua bem na foto, ocupando a 22ª posição e, considerando os intervalos de confiança, poderia estar entre os 10 primeiros. Nosso aumento de felicidade no período seria equivalente a um crescimento de renda per capita da ordem de 40% – essa variável aumentou bem menos no período, aproximadamente 18%.

O estudo mostra que a crise econômica teve impactos negativos sobre a felicidade de países afetados, por exemplo, EUA, Japão e os países da periferia europeia. Mas, na Alemanha, a felicidade curiosamente aumentou. Há, por fim, um recado importante para nós: a Venezuela está entre os cinco maiores colapsos de felicidade do período. Bagunça é bom apenas até certo ponto.

celsonovo

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As bases científicas de medidas subjetivas de bem-estar estão ficando cada vez mais firmes e, neste contexto, crescem os esforços para compreender seus determinantes e sua distribuição no mundo. Este é o objetivo de um grupo de especialistas em diferentes áreas que, desde 2012, vêm compilando resultados de pesquisas de satisfação feitas em mais de 150 países. Consultei por acaso o relatório World Happiness Report divulgado em março passado. Estranho que números tão interessantes não tenham merecido destaque maior por aqui.

É usual tratar as mudanças da satisfação com a vida em nível individual como coisas efêmeras, com tendência de retorno ao “normal” na medida em que as pessoas se adaptam às novas realidades. Aumentos súbitos de renda (a partir de um ponto mínimo), encontrar o grande amor, comprar algo que se deseja ou o nascimento de filhos são novidades que, corriqueiramente, não têm efeitos duradouros sobre como as pessoas avaliam suas vidas. Se isso também fosse verdade no agregado, não faria muito sentido buscar políticas que buscassem avanços nessa dimensão – “felicidade”, para simplificar.

Parece que não. As pesquisas têm mostrado que a felicidade depende de circunstâncias mais ou menos objetivas que, em tese, podem ser o propósito de políticas públicas. Se não fosse assim, a percepção de felicidade de imigrantes não seria mais parecida com o padrão existente nos novos países do que o observado em seus países de origem. Esta é uma das evidências disponíveis que sugerem que há aspectos de felicidade que não são predeterminados.

Os estudos sobre o tema partem do acompanhamento de uma nota entre zero e dez que as pessoas dão para a própria vida. O objetivo é avaliar como esta medida de felicidade depende de circunstâncias mensuráveis. O estudo aponta seis fatores: renda, suporte social (existência de alguém a quem recorrer em tempos bicudos), expectativa de vida saudável, liberdade social (viabilidade de fazer escolhas sobre o que fazer com a vida), generosidade (propensão a fazer doações além do que pode ser explicado pela renda) e ausência de corrupção. Todos são estatisticamente relevantes para compreender a distribuição de felicidade no planeta.

Os dados referem-se ao período 2013-15. Observa-se que aproximadamente 75% das diferenças de felicidade entre os países podem ser explicadas por variações no conjunto de circunstâncias listadas acima. As pessoas tendem a ser mais felizes em lugares mais ricos, solidários, saudáveis, livres, generosos e honestos. Isso é interessante, mas não chega a ser uma grande surpresa. O curioso é justamente a fatia de felicidade que não é estatisticamente explicada por estas circunstâncias. Observam-se países parecidos nestas dimensões que têm populações que atribuem notas bem distintas a suas vidas.

O Brasil é um país feliz. Dentre as 157 nações cobertas pelo estudo, somos o 17º, entre Alemanha e Bélgica. Na América Latina, perdemos apenas para a Costa Rica. Somos mais felizes que ingleses, italianos, espanhóis e franceses. A julgar pelos intervalos de confiança apresentados, é bem possível que estejamos entre os 12 países mais felizes do mundo, talvez à frente dos EUA. Convenhamos, estes resultados são muito pouco intuitivos.

O aspecto que mais chama atenção é que nossa felicidade é menos atrelada às circunstâncias de vida do que a dos demais países – não poderia ser diferente. A felicidade brasileira é a menos explicável dentre os 20 lugares mais felizes do mundo. De certa forma, o relatório confirma empiricamente a noção de “cordialidade” do Brasileiro relatada por Sérgio Buarque de Holanda no clássico “Raízes do Brasil” – realçando, neste caso, o que poderia ser um alcance positivo do conceito. O brasileiro é incivilizado, mais isso não parece comprometer nossa felicidade.

Na verdade, o descolamento da satisfação com a vida em relação à realidade parece ser um traço latino-americano. As circunstâncias de vida explicam, no máximo, 50% da felicidade na região. Em uma figura que compara a distribuição de felicidade entre grandes regiões do mundo, a maior participação de notas dez está na América Latina e Caribe. Temos mais notas nove do que Europa, Ásia e África. Vai entender.

O caso do Japão é interessante para fazer o contraste. O país não chega a ser um poço de tristeza, mas ocupa apenas o 53º lugar da lista. O lado interessante é observar que ele estaria entre os 20 primeiros caso o ordenamento ocorresse apenas a partir da parcela explicável da felicidade. O estudo mostra que, apesar de circunstâncias objetivas favoráveis, falta algo ao japonês, a ponto de o país estar atrás de El Salvador quando o tema é satisfação com a vida. Neste país, ocorre justamente o contrário – ele deveria estar ao menos 50 posições abaixo se a felicidade fosse ordenada apenas pelo que pode ser depreendido de condições mensuráveis.

O estudo mostra que renda é importante, mas não é tudo. A comparação entre os dez países mais felizes e os dez menos felizes revela que um pouco mais de um terço da variação explicada de felicidade vem da diferença de renda. Trata-se de parcela certamente significativa, mas que diminui quando se leva em conta que a renda é mais de 25 vezes maior nos países mais felizes.

Os padrões de mudança da felicidade em 2015-13 relativamente a 2005-07 também são interessantes. Não surpreende que esta lista tenda a excluir países já muito felizes porque há um limite para a variável. O Brasil continua bem na foto, ocupando a 22ª posição e, considerando os intervalos de confiança, poderia estar entre os 10 primeiros. Nosso aumento de felicidade no período seria equivalente a um crescimento de renda per capita da ordem de 40% – essa variável aumentou bem menos no período, aproximadamente 18%.

O estudo mostra que a crise econômica teve impactos negativos sobre a felicidade de países afetados, por exemplo, EUA, Japão e os países da periferia europeia. Mas, na Alemanha, a felicidade curiosamente aumentou. Há, por fim, um recado importante para nós: a Venezuela está entre os cinco maiores colapsos de felicidade do período. Bagunça é bom apenas até certo ponto.

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