Razões para ser pessimista com a bolsa
Cenário no mercado de bolsas não é calmo, e até empresários bem-sucedidos estão preocupados
Da Redação
Publicado em 5 de março de 2018 às 11h42.
O valor da bolsa americana não deveria destoar muito do fluxo dos lucros das empresas trazido a valor presente pelo juro dos títulos públicos acrescido de um “prêmio”. Alimentei na semana passada essa equação com três premissas razoáveis e cheguei à conclusão de que o índice S&P 500 estaria sobrevalorizado em 10%.
De fato, se os lucros crescerem de acordo com as projeções oficiais para o PIB, se o mercado estiver projetando os juros corretamente e se o prêmio de risco for equivalente ao que prevaleceu no passado, cedo ou tarde haverá outra “correção” como a de fevereiro.
Os pessimistas partem desse enredo e acrescentam a ele alguns temperos amargos. Os otimistas veem um futuro descolado do passado, com crescimento duradouro, lucratividade maior, pouca inflação e baixa volatilidade. Quem está certo?
As duas versões são plausíveis. É recomendável, portanto, conhecê-las melhor antes de tomar decisões. Acreditar em conselhos sem um mínimo de suspeição é o mesmo que entrar numa roda de pôquer sem saber quem é o pato. Conto agora a história pessimista e deixo a otimista para a semana que vem.
Os céticos partem do baixo crescimento da produtividade da economia americana. Quando ela tropeça, a taxa de investimentos cai e não há crescimento econômico. O investidor Warren Buffett, por exemplo, relatou que tem sido difícil encontrar negócios com preços razoáveis para investir a montanha de recursos que ele tem disponível (FT, 24 de Fevereiro).
Não que o mercado esteja parado, muito pelo contrário. Condições financeiras favoráveis têm possibilitado uma verdadeira febre de fusões e aquisições. O volume de transações de 2018 é 20% maior do que a média dos últimos cinco anos e recorde desde a bolha dos 2000.
Buffett, que não costuma meter a mão em cumbuca, reclama que a oferta quase infinita de dinheiro “extraordinariamente barato” tem sido usada para bancar transações em que o preço parece ser algo irrelevante para um “exército de compradores otimistas”.
Se a maré baixar e o risco aumentar, como sói ocorrer de tempos em tempos, os cenários róseos que hoje dão sustentação às operações bilionárias serão frustrados, gerando prejuízos elevados, calotes e, potencialmente, um novo buraco negro no mercado de crédito.
É verdade que a economia cresce, há otimismo, o desemprego está baixo e a inflação controlada. No entanto, não houve recessão na história que não tivesse sido precedida por condições auspiciosas – as pessoas às vezes se esquecem dessa platitude.
O segredo é identificar indícios de reversão quando tudo parece bem. Um sinal amarelo é o discurso cada vez mais confiante do FED. O otimista dirá, com razão, que a animação do FED é algo bom. Verdade, mas a missão da autoridade monetária é desligar os aparelhos de um paciente que ficou quase dez anos na UTI – não há receita de bolo para isso.
Quando não sabemos ao certo o que estamos fazendo, às vezes a melhor coisa é não fazer nada e essa tem sido a escolha dos principais bancos centrais desde que decidiram emitir dinheiro para comprar títulos públicos e privados. O problema é que o espaço para cruzar os braços está acabando nos EUA e não demorará a acabar também na Europa e quiçá no Japão.
O desemprego está muito baixo e surgem aqui e acolá sinais de que a inflação está subindo. As taxas de juros de longo prazo têm subido rapidamente em antecipação à normalização das condições de liquidez. Para complicar, faz tempo que a política fiscal não é tão expansionista.
Quem garante que o FED terá a finesse necessária para frear o trem evitando que ele descarrile? Dá para confiar que agora será diferente e dormir tranquilo quando gente esperta e bem assessorada como Warren Buffett está com as barbas de molho? Não custa lembrar que várias recessões do passado começaram por causa da mão pesada do FED.
Outro sintoma é o fato de que a inclinação da estrutura a termo das taxas de juros está na beira de ficar invertida. Este é um dos indicadores antecedentes de recessões mais poderosos – não houve início de ressaca nos EUA que não tivesse sido precedida em alguns meses por achatamento e inversão da curva de juros. Não chegamos lá, mas estamos bem perto.
Assusta também o fato de que este é um dos maiores ciclos de expansão da história da economia americana. Como se sabe, a memória do mercado é curta e seletiva. Quem passa o dia acompanhando o noticiário econômico pode ser desculpado por achar que a última recessão ocorreu em outra era. Com dinheiro a rodo, como ter certeza de que não há complacência?
Segundo Buffett, uma vez que um CEO de empresa começa a namorar um negócio, não faltam análises e projeções para suportá-lo por mais surreal que seja o preço. Buffett obviamente não tem uma bola de cristal, mas é um dos empresários mais bem sucedidos da história dos EUA. De onde vem o cheiro de enxofre que ele está farejando? No ano passado ele praticamente não bateu o martelo em nenhum negócio por causa dos preços.
Por fim, há uma aquarela de riscos que estão no radar de todos, mas que tendem a ficar em segundo plano porque o mundo está crescendo: as tendências protecionistas, recentemente reforçadas por Trump, os problemas estruturais europeus, avivados pelo resultado das eleições italianas, o endividamento da economia chinesa e os riscos geopolíticos. Se o crescimento der uma fraquejada …
Apesar de tudo isso há quem compre ações. Semana que vem conto a história.
O valor da bolsa americana não deveria destoar muito do fluxo dos lucros das empresas trazido a valor presente pelo juro dos títulos públicos acrescido de um “prêmio”. Alimentei na semana passada essa equação com três premissas razoáveis e cheguei à conclusão de que o índice S&P 500 estaria sobrevalorizado em 10%.
De fato, se os lucros crescerem de acordo com as projeções oficiais para o PIB, se o mercado estiver projetando os juros corretamente e se o prêmio de risco for equivalente ao que prevaleceu no passado, cedo ou tarde haverá outra “correção” como a de fevereiro.
Os pessimistas partem desse enredo e acrescentam a ele alguns temperos amargos. Os otimistas veem um futuro descolado do passado, com crescimento duradouro, lucratividade maior, pouca inflação e baixa volatilidade. Quem está certo?
As duas versões são plausíveis. É recomendável, portanto, conhecê-las melhor antes de tomar decisões. Acreditar em conselhos sem um mínimo de suspeição é o mesmo que entrar numa roda de pôquer sem saber quem é o pato. Conto agora a história pessimista e deixo a otimista para a semana que vem.
Os céticos partem do baixo crescimento da produtividade da economia americana. Quando ela tropeça, a taxa de investimentos cai e não há crescimento econômico. O investidor Warren Buffett, por exemplo, relatou que tem sido difícil encontrar negócios com preços razoáveis para investir a montanha de recursos que ele tem disponível (FT, 24 de Fevereiro).
Não que o mercado esteja parado, muito pelo contrário. Condições financeiras favoráveis têm possibilitado uma verdadeira febre de fusões e aquisições. O volume de transações de 2018 é 20% maior do que a média dos últimos cinco anos e recorde desde a bolha dos 2000.
Buffett, que não costuma meter a mão em cumbuca, reclama que a oferta quase infinita de dinheiro “extraordinariamente barato” tem sido usada para bancar transações em que o preço parece ser algo irrelevante para um “exército de compradores otimistas”.
Se a maré baixar e o risco aumentar, como sói ocorrer de tempos em tempos, os cenários róseos que hoje dão sustentação às operações bilionárias serão frustrados, gerando prejuízos elevados, calotes e, potencialmente, um novo buraco negro no mercado de crédito.
É verdade que a economia cresce, há otimismo, o desemprego está baixo e a inflação controlada. No entanto, não houve recessão na história que não tivesse sido precedida por condições auspiciosas – as pessoas às vezes se esquecem dessa platitude.
O segredo é identificar indícios de reversão quando tudo parece bem. Um sinal amarelo é o discurso cada vez mais confiante do FED. O otimista dirá, com razão, que a animação do FED é algo bom. Verdade, mas a missão da autoridade monetária é desligar os aparelhos de um paciente que ficou quase dez anos na UTI – não há receita de bolo para isso.
Quando não sabemos ao certo o que estamos fazendo, às vezes a melhor coisa é não fazer nada e essa tem sido a escolha dos principais bancos centrais desde que decidiram emitir dinheiro para comprar títulos públicos e privados. O problema é que o espaço para cruzar os braços está acabando nos EUA e não demorará a acabar também na Europa e quiçá no Japão.
O desemprego está muito baixo e surgem aqui e acolá sinais de que a inflação está subindo. As taxas de juros de longo prazo têm subido rapidamente em antecipação à normalização das condições de liquidez. Para complicar, faz tempo que a política fiscal não é tão expansionista.
Quem garante que o FED terá a finesse necessária para frear o trem evitando que ele descarrile? Dá para confiar que agora será diferente e dormir tranquilo quando gente esperta e bem assessorada como Warren Buffett está com as barbas de molho? Não custa lembrar que várias recessões do passado começaram por causa da mão pesada do FED.
Outro sintoma é o fato de que a inclinação da estrutura a termo das taxas de juros está na beira de ficar invertida. Este é um dos indicadores antecedentes de recessões mais poderosos – não houve início de ressaca nos EUA que não tivesse sido precedida em alguns meses por achatamento e inversão da curva de juros. Não chegamos lá, mas estamos bem perto.
Assusta também o fato de que este é um dos maiores ciclos de expansão da história da economia americana. Como se sabe, a memória do mercado é curta e seletiva. Quem passa o dia acompanhando o noticiário econômico pode ser desculpado por achar que a última recessão ocorreu em outra era. Com dinheiro a rodo, como ter certeza de que não há complacência?
Segundo Buffett, uma vez que um CEO de empresa começa a namorar um negócio, não faltam análises e projeções para suportá-lo por mais surreal que seja o preço. Buffett obviamente não tem uma bola de cristal, mas é um dos empresários mais bem sucedidos da história dos EUA. De onde vem o cheiro de enxofre que ele está farejando? No ano passado ele praticamente não bateu o martelo em nenhum negócio por causa dos preços.
Por fim, há uma aquarela de riscos que estão no radar de todos, mas que tendem a ficar em segundo plano porque o mundo está crescendo: as tendências protecionistas, recentemente reforçadas por Trump, os problemas estruturais europeus, avivados pelo resultado das eleições italianas, o endividamento da economia chinesa e os riscos geopolíticos. Se o crescimento der uma fraquejada …
Apesar de tudo isso há quem compre ações. Semana que vem conto a história.