Exame Logo

Quanto dura a lua de mel?

Faltam notícias boas na arena internacional. Na vanguarda doméstica, há grande expectativa em torno de reformas que, se concretizadas, poderão evitar o descontrole da dívida pública. No entanto, não houve avanços concretos nesta agenda. Pelo contrário, os passos dados até o momento vão de encontro ao objetivo de controlar as contas públicas – tudo em […]

MICHEL TEMER: se for confirmado na presidência, ele não terá muito tempo a perder em três pontos fundamentais / Getty Images
DR

Da Redação

Publicado em 25 de julho de 2016 às 13h22.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h41.

Faltam notícias boas na arena internacional. Na vanguarda doméstica, há grande expectativa em torno de reformas que, se concretizadas, poderão evitar o descontrole da dívida pública. No entanto, não houve avanços concretos nesta agenda. Pelo contrário, os passos dados até o momento vão de encontro ao objetivo de controlar as contas públicas – tudo em nome da “pacificação”.

Apesar das nuvens carregadas, o sentimento vem melhorando. Pesquisas mostram que a população está ficando mais esperançosa com o futuro, com reflexos favoráveis para a popularidade do governo. Os barômetros de expectativas de consumidores e empresários recuperaram parte relevante do tombo que ajudou a explicar o colapso da economia. O real acumula valorização de 20% frente ao dólar no ano. A bolsa subiu 30%. O que está ocorrendo?

Não dá para supor que o Brasil seja povoado por indivíduos panglossianos que, iludidos por uma imprensa golpista, premiam por afinidade ideológica um governo inoperante. Por incrível que possa parecer, teses assim têm sido aventadas em espaços nobres – não estou inventando um espantalho para desmantelá-lo com facilidade. Ao lado do mito de que a Nova Matriz não existiu, a história de que se “pega leve” com o Temer tem sido uma das narrativas para tentar livrar a cara dos responsáveis pelo falhanço dos últimos anos.

Dito isso, é necessário dar a César o que é de César. Os “progressistas” têm um ponto quando se espantam com o tamanho do otimismo nos dias de hoje, ainda que pela razão errada. A reversão de expectativas está racionalmente apoiada na fé de que a insensatez ficou para trás. O risco agora é o “já ganhou”. Se o novo governo entregar menos do que se espera, provocará tombo tão espetacular quanto esta recuperação em curso. Expectativas movem montanhas, mas precisam ser confirmadas – para passar do céu ao inferno é um pulinho.

Os preços de ativos são empurrados por forças de três naturezas: pela atração ao “valor justo”, pela taxa relativa de retorno e pela inércia. Atualmente, papéis brasileiros estão se valorizando por conta dos três motivos. É justamente em situações assim, quando nada é capaz de atenuar os movimentos, que surgem os exageros.

A expectativa de que a política econômica será consistente no futuro é razão suficiente para transformar o Brasil em uma barganha e dissolver o risco que retirava a atratividade dos juros. É verdade que o governo interino está propondo fazer essencialmente o mesmo que o governo impedido tentou quando decidiu abandonar o populismo que o elegeu. Mas há um detalhe que faz toda diferença: apesar de não ser franciscano, Temer tem um estoque de credibilidade. Se não fizer como o menino pastor e usá-lo com sabedoria, poderá usufruir uma lua de mel prolongada.

Se Dilma tivesse perseguido o objetivo de ajustar as contas públicas com determinação e pragmatismo, seguindo o criador, certamente não estaria amargando os tormentos atuais. O país chegou a experimentar um módico otimismo quando, assegurada a eleição, a presidente acenou que faria uma política econômica ajuizada.

No entanto, o exagero das mentiras durante a campanha, a dificuldade de convencer a torcida de que havia mudado de opinião, uma incompetência política colossal e o infortúnio de ter um temperamento caracterizado por excesso de confiança e aversão ao diálogo condenaram-na ao isolamento, propiciando esse almoço grátis à alcateia peemedebista.

Engole-se o Temer não porque ele é coxinha ou emprega magistralmente as mesóclises, mas porque, até prova em contrário, supõe-se que ele, como qualquer cidadão razoável, acredita na aritmética desagradável das restrições orçamentárias. Cercado por gente que sabe tocar o presidencialismo de coalizão, o governo semeou a esperança de correção de rumo simplesmente propondo o óbvio. O mercado está com ele do mesmo modo que esteve com Lula, com peronistas na Argentina e com Evo Morales na Bolívia.

Não há como não se admirar com o aspecto mágico do que estamos vivenciando. Ativos que não valiam um centavo com a perspectiva bolivariana passaram a pechinchas pelo afastamento de quem insistia em cavar o buraco. Existe hoje uma correria para aproveitar a festa do Brasil barato que paga bem. É nesta inércia que mora o perigo.

O terceiro fator que normalmente explica a movimentação de ativos financeiros é a propensão dos preços continuarem a variar no mesmo sentido até que algo faça a perspectiva mudar. Ondas de otimismo como esta em que o Brasil está surfando podem se prolongar quando o governo entrega o que promete, mas usualmente acabam, seja por complacência, seja por incapacidade de entrega. Não devemos esquecer que, até agora, Temer não fez nada muito difícil. Controlou o Congresso, é verdade, mas a um custo indecente. Colhe frutos mais pelo despreparo da antecessora do que pela qualidade de suas proezas.

Além de riscos que podem vir de um cenário externo para lá de complicado, o governo não tem muito tempo para aprovar reformas que, para serem efetivas, deverão ser muito duras. Sem falar da Lava-Jato que, a qualquer momento, pode recair sobre uma das peças chave do atual quebra-cabeça. Ninguém espera aprovações em prazo curto, mas serão necessários sinais concretos de avanço para alimentar o jogo de expectativas. A confirmação do impedimento será um passo a mais na direção correta e, se isso ocorrer, a onda favorável deverá rolar um pouco mais. Depois, a areia começará a escoar e o governo terá poucos meses para mostrar a que veio.

celsonovo

Veja também

Faltam notícias boas na arena internacional. Na vanguarda doméstica, há grande expectativa em torno de reformas que, se concretizadas, poderão evitar o descontrole da dívida pública. No entanto, não houve avanços concretos nesta agenda. Pelo contrário, os passos dados até o momento vão de encontro ao objetivo de controlar as contas públicas – tudo em nome da “pacificação”.

Apesar das nuvens carregadas, o sentimento vem melhorando. Pesquisas mostram que a população está ficando mais esperançosa com o futuro, com reflexos favoráveis para a popularidade do governo. Os barômetros de expectativas de consumidores e empresários recuperaram parte relevante do tombo que ajudou a explicar o colapso da economia. O real acumula valorização de 20% frente ao dólar no ano. A bolsa subiu 30%. O que está ocorrendo?

Não dá para supor que o Brasil seja povoado por indivíduos panglossianos que, iludidos por uma imprensa golpista, premiam por afinidade ideológica um governo inoperante. Por incrível que possa parecer, teses assim têm sido aventadas em espaços nobres – não estou inventando um espantalho para desmantelá-lo com facilidade. Ao lado do mito de que a Nova Matriz não existiu, a história de que se “pega leve” com o Temer tem sido uma das narrativas para tentar livrar a cara dos responsáveis pelo falhanço dos últimos anos.

Dito isso, é necessário dar a César o que é de César. Os “progressistas” têm um ponto quando se espantam com o tamanho do otimismo nos dias de hoje, ainda que pela razão errada. A reversão de expectativas está racionalmente apoiada na fé de que a insensatez ficou para trás. O risco agora é o “já ganhou”. Se o novo governo entregar menos do que se espera, provocará tombo tão espetacular quanto esta recuperação em curso. Expectativas movem montanhas, mas precisam ser confirmadas – para passar do céu ao inferno é um pulinho.

Os preços de ativos são empurrados por forças de três naturezas: pela atração ao “valor justo”, pela taxa relativa de retorno e pela inércia. Atualmente, papéis brasileiros estão se valorizando por conta dos três motivos. É justamente em situações assim, quando nada é capaz de atenuar os movimentos, que surgem os exageros.

A expectativa de que a política econômica será consistente no futuro é razão suficiente para transformar o Brasil em uma barganha e dissolver o risco que retirava a atratividade dos juros. É verdade que o governo interino está propondo fazer essencialmente o mesmo que o governo impedido tentou quando decidiu abandonar o populismo que o elegeu. Mas há um detalhe que faz toda diferença: apesar de não ser franciscano, Temer tem um estoque de credibilidade. Se não fizer como o menino pastor e usá-lo com sabedoria, poderá usufruir uma lua de mel prolongada.

Se Dilma tivesse perseguido o objetivo de ajustar as contas públicas com determinação e pragmatismo, seguindo o criador, certamente não estaria amargando os tormentos atuais. O país chegou a experimentar um módico otimismo quando, assegurada a eleição, a presidente acenou que faria uma política econômica ajuizada.

No entanto, o exagero das mentiras durante a campanha, a dificuldade de convencer a torcida de que havia mudado de opinião, uma incompetência política colossal e o infortúnio de ter um temperamento caracterizado por excesso de confiança e aversão ao diálogo condenaram-na ao isolamento, propiciando esse almoço grátis à alcateia peemedebista.

Engole-se o Temer não porque ele é coxinha ou emprega magistralmente as mesóclises, mas porque, até prova em contrário, supõe-se que ele, como qualquer cidadão razoável, acredita na aritmética desagradável das restrições orçamentárias. Cercado por gente que sabe tocar o presidencialismo de coalizão, o governo semeou a esperança de correção de rumo simplesmente propondo o óbvio. O mercado está com ele do mesmo modo que esteve com Lula, com peronistas na Argentina e com Evo Morales na Bolívia.

Não há como não se admirar com o aspecto mágico do que estamos vivenciando. Ativos que não valiam um centavo com a perspectiva bolivariana passaram a pechinchas pelo afastamento de quem insistia em cavar o buraco. Existe hoje uma correria para aproveitar a festa do Brasil barato que paga bem. É nesta inércia que mora o perigo.

O terceiro fator que normalmente explica a movimentação de ativos financeiros é a propensão dos preços continuarem a variar no mesmo sentido até que algo faça a perspectiva mudar. Ondas de otimismo como esta em que o Brasil está surfando podem se prolongar quando o governo entrega o que promete, mas usualmente acabam, seja por complacência, seja por incapacidade de entrega. Não devemos esquecer que, até agora, Temer não fez nada muito difícil. Controlou o Congresso, é verdade, mas a um custo indecente. Colhe frutos mais pelo despreparo da antecessora do que pela qualidade de suas proezas.

Além de riscos que podem vir de um cenário externo para lá de complicado, o governo não tem muito tempo para aprovar reformas que, para serem efetivas, deverão ser muito duras. Sem falar da Lava-Jato que, a qualquer momento, pode recair sobre uma das peças chave do atual quebra-cabeça. Ninguém espera aprovações em prazo curto, mas serão necessários sinais concretos de avanço para alimentar o jogo de expectativas. A confirmação do impedimento será um passo a mais na direção correta e, se isso ocorrer, a onda favorável deverá rolar um pouco mais. Depois, a areia começará a escoar e o governo terá poucos meses para mostrar a que veio.

celsonovo

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se