Qual é a chance da reforma da Previdência no Congresso?
Após reagir extraordinariamente ao longo do segundo e do terceiro trimestres do ano passado, a confiança parou de avançar. No patamar em que se encontra, ela costuma ser acompanhada de atividade estagnada. De fato, há evidências de que a queda acabou e o fundo do poço foi atingido na virada do ano. Para que a […]
Publicado em 4 de abril de 2017 às, 07h18.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 17h56.
Após reagir extraordinariamente ao longo do segundo e do terceiro trimestres do ano passado, a confiança parou de avançar. No patamar em que se encontra, ela costuma ser acompanhada de atividade estagnada. De fato, há evidências de que a queda acabou e o fundo do poço foi atingido na virada do ano. Para que a economia volte a crescer consistentemente, no entanto, será preciso que a confiança volte a melhorar.
O principal obstáculo a ser vencido é aprovar a reforma da Previdência. Além de corrigir distorções e injustiças, especialmente em relação às gerações futuras, o Brasil gasta uma fatia da produção demasiadamente elevada com aposentados, apesar da população ser relativamente jovem. Em breve não haverá recursos para bancar o sistema e, se isso ocorrer, a “solução” provavelmente se dará pela via inflacionária. Esta possibilidade inibe os investimentos.
O placar pouco vistoso da votação do projeto que regulamentou a terceirização causa apreensão sobre o futuro da reforma da Previdência, pois ela é mais polêmica e depende de quórum maior. A terceirização passou com 233 votos, bem menos do que os 308 necessários para mudar a Carta Magna. Além disso, 188 deputados rejeitaram a matéria e outros 76 não compareceram à sessão. Haverá apoio para avançar a reforma no congresso?
Antes de argumentar, é preciso fazer um comentário sobre o conteúdo do projeto que irá ao plenário, ainda desconhecido. Certamente ele será mais brando do que o proposto originalmente pelo governo e isso já está embutido nas expectativas. Deveremos conhecer o texto em questão de dias. Parto do pressuposto que não será “para inglês ver”. Se for, obviamente será aprovado com facilidade, porém sem efeito positivo sobre o sentimento econômico, pelo contrário.
Emplacar mudanças previdenciárias é algo muito difícil. Em artigo de meados de fevereiro, comentei brevemente as dificuldades de FHC e Lula para aprovar suas reformas, mesmo contando com níveis de popularidade elevados. Como Temer descascará o abacaxi?
O presidente estruturou o governo de modo a maximizar o apoio congressual. Colhe ônus por aglutinar em seu círculo próximo velhas raposas encrencadas até o último fio de cabelo, mas ganha bônus em termos de adesão aos seus projetos no legislativo. De acordo com os dados do “basômetro” do jornal Estado de São Paulo, o apoio congressual de Temer é de 81%. Lula teve 77% e Dilma 70%. FHC não deve ter sido muito melhor.
Além disso, crises são propícias para criar na sociedade o senso de que é preciso aceitar sacrifícios. Reformas relevantes geralmente avançam em períodos difíceis. O debate recente em torno da Previdência tem ajudado a criar a percepção de que algo precisa ser feito, apesar da proliferação de mitos e da desinformação patrocinada por grupos de interesse. A urgência em avançar a matéria é consensual no mercado financeiro, entre empresários e na mídia.
De resto, cada congressista sabe que a rejeição da reforma significaria o fim do governo Temer, com consequências potencialmente negativas, sobretudo para o contingente avantajado dos que precisam de um novo mandato para enfrentar a justiça com mais conforto. É verdade que decisões coletivas não são necessariamente coerentes com as preferências individuais. Comportamentos oportunistas podem fazer uma matéria impopular, mas de interesse de todos, ser rejeitada em plenário – já vimos esse filme. Ainda assim, acredito que o instinto de preservação dos deputados seja o principal argumento a favor do apoio de Temer no congresso.
É possível também ver os números relativos às votações no congresso sob um prisma favorável. Não é ideal usar o quórum de votações de projetos de lei ordinária para projetar o de votações de emendas constitucionais – os primeiros são naturalmente menores. No caso da terceirização, havia forte convicção na base de apoio do governo de que o projeto seria emplacado, estimulando o comportamento oportunista dos congressistas que teriam mais dificuldade em explicá-lo às bases – há um tabu com relação ao tema.
Façamos então umas contas de padaria um pouco mais sofisticadas para tentar aquilatar o tamanho do desafio de Temer a partir das preferências reveladas pelos congressistas.
Na votação do projeto de terceirização, dentre os governistas, 231 foram a favor, 81 contra, 8 se abstiveram e 75 se ausentaram. Supondo que os 231 do primeiro grupo tendem a apoiar a reforma da Previdência, faltariam 77 votos para alcançar os 308 necessários. Em tese, é mais difícil arregimentar os 81 contrários. No entanto, os 83 nomes que faltaram ou se calaram representam uma oposição mais branda, que deseja apenas um carinho mais especial. Se o governo compungir 80% dos deputados mais inclinados a apreciar o canto da sereia, precisará de menos de 20% dos mais explicitamente “oposicionistas” – difícil, mas factível.
É possível usar lógica semelhante considerando não apenas o projeto da terceirização, mas também duas outras votações cruciais para o governo Temer que exigiram quórum qualificado: a autorização para o Senado iniciar o processo de impedimento de Dilma e o primeiro turno do projeto que estabeleceu um teto para os gastos públicos. Para incrementar a robustez do exercício, dá também para incluir todo o histórico de votações dos deputados pertencentes à base governista após a saída de Dilma, a partir das informações do “basômetro”.
Além dos deputados consistentemente governistas, é possível definir três grupos com níveis crescentes de dissidência. O Grupo I engloba deputados que contrariaram o governo em apenas um dos “projetos cruciais” e cuja taxa de governismo está próxima da média do partido ao qual pertencem segundo o “basômetro”. No Grupo II, entram deputados que também foram contra o governo apenas uma vez nos “projetos cruciais”, mas estão abaixo da taxa média de governismo de seu partido (ao menos um desvio-padrão). No grupo III, estão os que contrariaram o governo mais do que uma vez em ocasiões decisivas, independentemente da posição em relação ao “governismo” do partido.
Os Grupos I e II somam 139 deputados (respectivamente, 131 e 8). O Grupo III tem 57 (38 com “governismo” próximo da média do partido e 19 sistematicamente dissidentes). Supondo que apenas este último grupo é composto de “oposicionistas” intransigentes, há um estoque de 333 deputados governistas ou com bom potencial de sensibilização.
Essa numerologia não prova nada, é claro. Mostra que a margem é apertada, mas também que há espaço para um trabalho de convencimento político competente, ofício que o PMDB domina. O risco de tropeço não é desprezível e pode até ser que ele não esteja totalmente “precificado” pelo mercado. Apesar disso, a aprovação ainda é o desfecho mais provável.
Agradeço a contribuição de Ricardo Ribeiro, cientista político e consultor da MCM Consultores. Naturalmente, todos os equívocos são de minha responsabilidade.