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Por que o preço do dólar resiste?

Apesar do cenário econômico trágico da Turquia, o real se desvaloriza diante da lira

REAL: A moeda brasileira é a que mais têm perdido valor recentemente entre os países emergentes. Desde as eleições, recuou cerca de 10% contra a referência média de países da nossa liga / Fátima Meira/Futura Press
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Da Redação

Publicado em 15 de abril de 2019 às 16h00.

Última atualização em 17 de abril de 2019 às 10h27.

A Turquia passa por uma crise brava. A economia vem caindo desde o terceiro trimestre do ano passado e o PIB dos três últimos meses acumulou queda anual de 3%. A expectativa é de continuidade da recessão em 2019, pois a confiança anda baixa e o crédito escasso na medida em que aumentam os calotes de dívidas denominadas em moeda estrangeira. A inflação gira ao redor de 20% ao ano a despeito da ressaca da atividade.

Questões políticas, desavenças com os EUA e suspeitas de que o Banco Central não atua com total independência estão na origem dos apuros que foram piorando em 2018 até que, no final do ano, veio a trégua propiciada pela mudança brusca da política monetária americana. Entre mortos e feridos, o dólar chegou a acumular alta de 80% de janeiro a setembro. Quando se pensa em uma economia no bico do corvo, a Turquia é o exemplo que vem à mente com mais naturalidade.

Hoje o nervosismo está um pouco menor. Espera-se que a economia volte a crescer moderadamente no segundo semestre, ganhando mais força em 2020. No entanto, ninguém espera o retorno das taxas robustas de expansão de cerca de 6% verificadas nos últimos anos. A inflação cairá, mas permanecerá elevada, acima de dois dígitos nos próximos anos. E o problema crônico dos “déficits gêmeos” diminuiu, mas continuará presente.

Descrevo sucintamente as agruras da Turquia porque, diante do cenário trágico, seria de se esperar que o real estivesse dando uma surra na lira. Afinal de contas, o martírio brasileiro, além de ter sido bem mais profundo, ficou supostamente para trás. O novo presidente veio com o propósito firme de desamarrar a economia a partir de um banho de liberalismo, certo? Nesse cenário o real teria que se fortalecer contra todo mundo, que dirá contra a moeda de um país que, na melhor das hipóteses, está parando de piorar.

O problema é que o mercado cambial não compra essa “narrativa”. Por incrível que pareça, apesar da escorregada fortíssima da moeda turca nas duas últimas semanas, o brasileiro que deseja sobrevoar a Capadócia de balão pagará atualmente pela lira mais do que pagou antes de digitar 17 e confirmar em outubro passado.

Na verdade, o turista tem poucas opções, pois o real é uma das moedas de países emergentes que mais têm perdido valor recentemente. Desde as eleições, recuou cerca de 10% contra a referência média de países da nossa liga, excetuando-se a Argentina por razões óbvias. Em 2019, o dólar barateou para os chilenos, colombianos, peruanos e mexicanos. No Brasil, virou o réveillon custando quase 10 centavos menos do que agora. O suporte de R$ 3,80 parece ser mais resistente que uma superbactéria.

É difícil entender esse comportamento porque as taxas de juros dos títulos de longo prazo americanos despencaram após o FED descartar novos apertos da política monetária para o ano. Da mesma forma, as condições financeiras tornaram-se mais frouxas no mundo. A volatilidade diminuiu. A China permitiu que sua moeda se fortalecesse contra o dólar, deixando de “exportar” deflação. As cotações das commodities se recuperaram. Esses fatores costumam ser bons para os ativos de risco e para as moedas de países em desenvolvimento.

O mundo emergente está de fato curtindo a festa, menos nós. Como explicar esse desempenho medíocre? Em parte, os juros nunca foram tão baixos no Brasil. Isso ajuda a entender parte da perda de força do real. No entanto, o diferencial de juro projetado para um ano ajustado pelo risco parou de cair e tem até subido um pouquinho nos últimos meses. De resto, se o mercado estivesse “comprando” o Brasil com convicção, os juros mais baixos fariam parte de uma história construtiva envolvendo mais confiança, crédito e crescimento econômico.

Olhando para os determinantes estruturais da taxa de câmbio, nota-se uma deterioração recente dos termos de troca nos últimos meses que poderia ser a causa da fraqueza do real. O poder de compra de cada unidade exportada pelo Brasil encontra-se atualmente cerca de 5% abaixo da média registrada no ano passado. Mantendo-se tudo mais constante, isso deveria implicar em desvalorização da moeda na mesma proporção.

Ok, mas essa explicação também tem problemas. O patamar da taxa de câmbio provavelmente não está no equilíbrio de longo prazo. Usando o critério da paridade do poder de compra, em que se supõe que o câmbio deve oscilar para compensar o diferencial de inflação entre o Brasil e o resto do mundo, o valor “justo” do dólar deveria ser R$ 3,65.

Juntando as peças – diferenciais de crescimento, de inflação e a relação de troca – e admitindo heroicamente que o passado pode ser considerado um bom guia, é simples constatar que o dólar poderia custar menos de R$ 3,50 para produzir um déficit nas transações com o exterior semelhante ao projetado atualmente para a Turquia.

Almoçando na sexta-feira com um colega veterano do mercado financeiro, chegamos à conclusão que o câmbio parece ser hoje o preço mais fora do lugar no Brasil. Por razão difícil de identificar, o mercado cambial resiste em “comprar” o otimismo que ainda se vê nos mercados de juros e bolsa. O que se diz é que o gringo está com as barbas de molho com relação às perspectivas para o Brasil. Seríamos o primeiro da fila em um cenário de eventual diluição mais consistente da aversão ao risco, mas faltaria uma reação mais forte do crescimento para apertar o gatilho. Vai saber.

Seja qual for a razão da cautela, é fato que o governo não parece 100% focado em fazer o que é preciso para dar confiança aos empreendedores. Algumas alas não se dão conta que uma coisa é falar besteira quando a economia vai bem, como fez o Trump – suas barbaridades causam prejuízos no longo prazo. Outra coisa é prejudicar as exportações do país com asneiras que só agradam uma parcela menos relevante da sociedade em um momento em que é preciso desesperadamente restaurar a fé no crescimento.

O historiador Carlo Cipolla definiu elegantemente o ato estúpido como aquele que prejudica os demais sem trazer benefícios ao agente. Nessa doutrina, o governo vem sabotando a própria estreia, que tinha tudo para ser tranquila na parte econômica, com burrices inacreditáveis. A popularidade do presidente cai com força na medida em que a lua de mel se acaba. A ingerência recente sobre as escolhas da Petrobras foi uma escorregada épica digna da “Nova Matriz Econômica”. O ato, de uma sinceridade desconcertante, prenuncia novos deslizes para o futuro.

Nesse ritmo a incerteza permanecerá elevada e a economia não deslanchará. Se for assim, será desagradável constatar daqui um tempo que, ao contrário do que eu e meu colega concluímos no almoço de sexta, o dólar é na verdade o único preço certo na economia brasileira. O rabo balançará o cachorro e a bolsa e os juros se acomodarão ao câmbio fraco se o governo continuar pisando desnecessariamente na bola como vem fazendo. Ao ver o bom trabalho do time econômico, ainda dá vontade de continuar torcendo. Mas como ensinou Schiller, contra a estupidez até os deuses lutam em vão.

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A Turquia passa por uma crise brava. A economia vem caindo desde o terceiro trimestre do ano passado e o PIB dos três últimos meses acumulou queda anual de 3%. A expectativa é de continuidade da recessão em 2019, pois a confiança anda baixa e o crédito escasso na medida em que aumentam os calotes de dívidas denominadas em moeda estrangeira. A inflação gira ao redor de 20% ao ano a despeito da ressaca da atividade.

Questões políticas, desavenças com os EUA e suspeitas de que o Banco Central não atua com total independência estão na origem dos apuros que foram piorando em 2018 até que, no final do ano, veio a trégua propiciada pela mudança brusca da política monetária americana. Entre mortos e feridos, o dólar chegou a acumular alta de 80% de janeiro a setembro. Quando se pensa em uma economia no bico do corvo, a Turquia é o exemplo que vem à mente com mais naturalidade.

Hoje o nervosismo está um pouco menor. Espera-se que a economia volte a crescer moderadamente no segundo semestre, ganhando mais força em 2020. No entanto, ninguém espera o retorno das taxas robustas de expansão de cerca de 6% verificadas nos últimos anos. A inflação cairá, mas permanecerá elevada, acima de dois dígitos nos próximos anos. E o problema crônico dos “déficits gêmeos” diminuiu, mas continuará presente.

Descrevo sucintamente as agruras da Turquia porque, diante do cenário trágico, seria de se esperar que o real estivesse dando uma surra na lira. Afinal de contas, o martírio brasileiro, além de ter sido bem mais profundo, ficou supostamente para trás. O novo presidente veio com o propósito firme de desamarrar a economia a partir de um banho de liberalismo, certo? Nesse cenário o real teria que se fortalecer contra todo mundo, que dirá contra a moeda de um país que, na melhor das hipóteses, está parando de piorar.

O problema é que o mercado cambial não compra essa “narrativa”. Por incrível que pareça, apesar da escorregada fortíssima da moeda turca nas duas últimas semanas, o brasileiro que deseja sobrevoar a Capadócia de balão pagará atualmente pela lira mais do que pagou antes de digitar 17 e confirmar em outubro passado.

Na verdade, o turista tem poucas opções, pois o real é uma das moedas de países emergentes que mais têm perdido valor recentemente. Desde as eleições, recuou cerca de 10% contra a referência média de países da nossa liga, excetuando-se a Argentina por razões óbvias. Em 2019, o dólar barateou para os chilenos, colombianos, peruanos e mexicanos. No Brasil, virou o réveillon custando quase 10 centavos menos do que agora. O suporte de R$ 3,80 parece ser mais resistente que uma superbactéria.

É difícil entender esse comportamento porque as taxas de juros dos títulos de longo prazo americanos despencaram após o FED descartar novos apertos da política monetária para o ano. Da mesma forma, as condições financeiras tornaram-se mais frouxas no mundo. A volatilidade diminuiu. A China permitiu que sua moeda se fortalecesse contra o dólar, deixando de “exportar” deflação. As cotações das commodities se recuperaram. Esses fatores costumam ser bons para os ativos de risco e para as moedas de países em desenvolvimento.

O mundo emergente está de fato curtindo a festa, menos nós. Como explicar esse desempenho medíocre? Em parte, os juros nunca foram tão baixos no Brasil. Isso ajuda a entender parte da perda de força do real. No entanto, o diferencial de juro projetado para um ano ajustado pelo risco parou de cair e tem até subido um pouquinho nos últimos meses. De resto, se o mercado estivesse “comprando” o Brasil com convicção, os juros mais baixos fariam parte de uma história construtiva envolvendo mais confiança, crédito e crescimento econômico.

Olhando para os determinantes estruturais da taxa de câmbio, nota-se uma deterioração recente dos termos de troca nos últimos meses que poderia ser a causa da fraqueza do real. O poder de compra de cada unidade exportada pelo Brasil encontra-se atualmente cerca de 5% abaixo da média registrada no ano passado. Mantendo-se tudo mais constante, isso deveria implicar em desvalorização da moeda na mesma proporção.

Ok, mas essa explicação também tem problemas. O patamar da taxa de câmbio provavelmente não está no equilíbrio de longo prazo. Usando o critério da paridade do poder de compra, em que se supõe que o câmbio deve oscilar para compensar o diferencial de inflação entre o Brasil e o resto do mundo, o valor “justo” do dólar deveria ser R$ 3,65.

Juntando as peças – diferenciais de crescimento, de inflação e a relação de troca – e admitindo heroicamente que o passado pode ser considerado um bom guia, é simples constatar que o dólar poderia custar menos de R$ 3,50 para produzir um déficit nas transações com o exterior semelhante ao projetado atualmente para a Turquia.

Almoçando na sexta-feira com um colega veterano do mercado financeiro, chegamos à conclusão que o câmbio parece ser hoje o preço mais fora do lugar no Brasil. Por razão difícil de identificar, o mercado cambial resiste em “comprar” o otimismo que ainda se vê nos mercados de juros e bolsa. O que se diz é que o gringo está com as barbas de molho com relação às perspectivas para o Brasil. Seríamos o primeiro da fila em um cenário de eventual diluição mais consistente da aversão ao risco, mas faltaria uma reação mais forte do crescimento para apertar o gatilho. Vai saber.

Seja qual for a razão da cautela, é fato que o governo não parece 100% focado em fazer o que é preciso para dar confiança aos empreendedores. Algumas alas não se dão conta que uma coisa é falar besteira quando a economia vai bem, como fez o Trump – suas barbaridades causam prejuízos no longo prazo. Outra coisa é prejudicar as exportações do país com asneiras que só agradam uma parcela menos relevante da sociedade em um momento em que é preciso desesperadamente restaurar a fé no crescimento.

O historiador Carlo Cipolla definiu elegantemente o ato estúpido como aquele que prejudica os demais sem trazer benefícios ao agente. Nessa doutrina, o governo vem sabotando a própria estreia, que tinha tudo para ser tranquila na parte econômica, com burrices inacreditáveis. A popularidade do presidente cai com força na medida em que a lua de mel se acaba. A ingerência recente sobre as escolhas da Petrobras foi uma escorregada épica digna da “Nova Matriz Econômica”. O ato, de uma sinceridade desconcertante, prenuncia novos deslizes para o futuro.

Nesse ritmo a incerteza permanecerá elevada e a economia não deslanchará. Se for assim, será desagradável constatar daqui um tempo que, ao contrário do que eu e meu colega concluímos no almoço de sexta, o dólar é na verdade o único preço certo na economia brasileira. O rabo balançará o cachorro e a bolsa e os juros se acomodarão ao câmbio fraco se o governo continuar pisando desnecessariamente na bola como vem fazendo. Ao ver o bom trabalho do time econômico, ainda dá vontade de continuar torcendo. Mas como ensinou Schiller, contra a estupidez até os deuses lutam em vão.

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