Por que o dólar encareceu após a eleição do mito?
Talvez os gringos não estejam ainda sentindo muita firmeza com relação à pegada reformista do novo governo, Tomara que estejam errados
Da Redação
Publicado em 10 de dezembro de 2018 às 17h47.
Última atualização em 10 de dezembro de 2018 às 19h03.
Quando comparamos as oscilações do real com as de outras moedas é possível isolar a parte das mudanças devidas às influências globais da parte originada pelo noticiário doméstico. A ideia é trivial. Se o real e um conjunto representativo de moedas perdem simultaneamente valor contra o dólar, a alavanca é o fortalecimento da moeda americana no mercado global. No entanto, quando o real sacode sozinho, a origem do movimento é provavelmente interna.
Para que o exercício seja informativo é essencial escolher um conjunto adequado de moedas para fazer a comparação. Um critério razoável é contrapor os movimentos do real aos de moedas que normalmente balançam de forma semelhante no dia a dia. Os vaivéns do dólar australiano, por exemplo, são capazes de “explicar” quase 90% das mudanças do real contra o dólar. Trata-se, portanto, de um bom candidato a entrar na cesta.
Nossa pauta de exportações é parecida com a dos australianos, que também vendem metais e carne. Como eles são desenvolvidos e nós nem tanto, as moedas flutuam juntas, mas o real é mais nervoso. A África do Sul é outro exemplo, pois, além de exportar commodities, o país tem estágio de desenvolvimento e desafios domésticos parecidos com os nossos. O ponto relevante é que é possível juntar um grupo de moedas capaz de registrar adequadamente as influências do cenário global sobre economias com estrutura semelhante à da economia brasileira.
No momento de redação desse texto o dólar custava R$ 3,90, quase 60 centavos mais caro do que há um ano. Pelas minhas contas, o efeito da valorização internacional do dólar explica mais ou menos a metade desse movimento. De fato, as viagens à Disney não ficaram mais caras apenas para os brasileiros. Os australianos e os sul-africanos também estão desembolsando mais para comprar na Terra do Tio Sam. A outra metade deve-se às novidades do noticiário doméstico, pois, para nós, as viagens para Sydney e para a Cidade do Cabo também ficaram mais caras.
A explicação de cunho doméstico para o real ter perdido brilho na cena global tem a ver com o nervosismo crescente dos estrangeiros com relação à dinâmica da dívida pública. O governo precisa encontrar poupadores dispostos a comprar seus títulos a algum preço para financiar os déficits orçamentários de forma não inflacionária. Para isso, é preciso que haja um mínimo de segurança de que o dinheiro retornará. Se a confiança desaparecer, não há juro capaz de convencer o mercado a financiar o governo e, nesse caso, a única opção de financiamento é rodar a impressora, fazendo a inflação subir e o dinheiro se desvalorizar. Estamos ainda distantes desse final triste, mas o poupador, que não é tonto, tenta se antecipar buscando sinais para a verdadeira disposição do governo de cumprir o que promete.
Por exemplo, ao aprovar a “Lei do Teto”, Michel Temer sinalizou ao mercado que o Brasil passaria a gerir o orçamento como um país civilizado. O avanço provocou fortalecimento do real frente à maioria das moedas, pois é simples ver que o cumprimento à risca da “Lei do Teto” equaciona o orçamento. O próximo problema é que não basta redigir uma lei exigindo responsabilidade se o governo não tiver meios para agir responsavelmente.
Em particular, a “Lei do Teto” requer a reforma da previdência para evitar o arrocho dos investimentos públicos ou o “fechamento” do governo (por falta de papel higiênico nos ministérios, por exemplo). Temer chegou perto de emplacar a reforma, mas a marcha civilizatória foi interrompida após as gravações dos irmãos Batista. O suporte político encolheu, a retomada da economia – que ganhava força – sofreu um abalo, a confiança murchou e a incerteza do cenário eleitoral aumentou. Não demorou a cair a ficha de que a candidatura economicamente mais previsível boiava como um paralelepípedo e, nesse diapasão, o preço do dólar disparou.
Após oscilar acima de R$ 4,00 no final de agosto e durante todo o mês de setembro, no entanto, a moeda americana barateou quase 40 centavos até a véspera das eleições. A ascensão de Bolsonaro e a expectativa de que a política econômica seria gerida de forma convencional pela equipe de Paulo Guedes explicam a queda. Afinal, o guru do presidente tem ideias mais ortodoxas que o rótulo do “Chocolate do Padre”. O mercado teria gostado mais se o eleito fosse alguém moderado, mas diante da possibilidade de vitória do PT, comemorou Bolsonaro com o mesmo entusiasmo de quem descobre que o antibiótico não será injetado no braço – tudo é relativo.
Nesse ponto deu-se o inusitado. É curioso observar que a distensão observada no período imediatamente anterior à eleição não teve prosseguimento após. Na verdade, deu-se o oposto, pois o dólar voltou a encarecer após a vitória do capitão até chegar aos atuais R$ 3,90. Nosso barômetro diz que essa alta não ocorreu porque a verdinha ganhou de todos, pelo contrário. Na verdade, se o valor do real tivesse acompanhado o da cesta poderíamos hoje abraçar o Mickey e o Pateta pagando apenas R$ 3,60 pelo dólar – menos do que na véspera das eleições.
Nasce aí a pergunta incômoda. Não seria razoável supor que o real voltasse a operar na faixa de “normalidade” em relação às moedas que são nossas irmãs após a vitória do mito? Segundo as minhas contas, o preço justo do dólar para um governo reformista deveria ser algo mais próximo de R$ 3,50 – chego a esse valor computando o valor médio do real em relação à cesta ajustando-o para levar em conta a força atual do dólar dada pelas incertezas globais.
Antes de abraçar a explicação de conotação mais pessimista, é preciso reconhecer que parte da resposta deve-se à heterogeneidade dos países que uso nas comparações. Em particular, como a aversão ao risco aumentou no mundo nas últimas semanas, é natural que as moedas de países emergentes tenham sofrido mais do que as de países desenvolvidos. Não surpreende, portanto, que o real tenha perdido para os dólares da Austrália, Nova Zelândia e Canadá, por exemplo.
Mas isso não explica tudo. O peso chileno, por exemplo, ganhou do dólar americano desde outubro. Ok, eles são economicamente melhores do que nós, mas as moedas de Colômbia, Índia, Filipinas, África do Sul e Turquia também ganharam e alguns desses países estão até mais próximos do bico do corvo do que nós. O cético procurará e talvez encontre razões para explicar os movimentos de cada uma das moedas presente em minha cesta favorita, mas não dá para negar que o Brasil empobreceu relativamente a nações que surfam como nós as ondas globais e isso se deu após a materialização de uma notícia que em tese é boa para as nossas perspectivas.
Por que tem sido assim? Difícil saber com certeza, mas talvez os gringos não estejam ainda sentindo muita firmeza com relação à pegada reformista do novo governo. Tomara que essa primeira impressão esteja errada e que, no final, tudo dê certo. A boa notícia é que o futuro melhor depende, por enquanto, apenas de nós mesmos.
Quando comparamos as oscilações do real com as de outras moedas é possível isolar a parte das mudanças devidas às influências globais da parte originada pelo noticiário doméstico. A ideia é trivial. Se o real e um conjunto representativo de moedas perdem simultaneamente valor contra o dólar, a alavanca é o fortalecimento da moeda americana no mercado global. No entanto, quando o real sacode sozinho, a origem do movimento é provavelmente interna.
Para que o exercício seja informativo é essencial escolher um conjunto adequado de moedas para fazer a comparação. Um critério razoável é contrapor os movimentos do real aos de moedas que normalmente balançam de forma semelhante no dia a dia. Os vaivéns do dólar australiano, por exemplo, são capazes de “explicar” quase 90% das mudanças do real contra o dólar. Trata-se, portanto, de um bom candidato a entrar na cesta.
Nossa pauta de exportações é parecida com a dos australianos, que também vendem metais e carne. Como eles são desenvolvidos e nós nem tanto, as moedas flutuam juntas, mas o real é mais nervoso. A África do Sul é outro exemplo, pois, além de exportar commodities, o país tem estágio de desenvolvimento e desafios domésticos parecidos com os nossos. O ponto relevante é que é possível juntar um grupo de moedas capaz de registrar adequadamente as influências do cenário global sobre economias com estrutura semelhante à da economia brasileira.
No momento de redação desse texto o dólar custava R$ 3,90, quase 60 centavos mais caro do que há um ano. Pelas minhas contas, o efeito da valorização internacional do dólar explica mais ou menos a metade desse movimento. De fato, as viagens à Disney não ficaram mais caras apenas para os brasileiros. Os australianos e os sul-africanos também estão desembolsando mais para comprar na Terra do Tio Sam. A outra metade deve-se às novidades do noticiário doméstico, pois, para nós, as viagens para Sydney e para a Cidade do Cabo também ficaram mais caras.
A explicação de cunho doméstico para o real ter perdido brilho na cena global tem a ver com o nervosismo crescente dos estrangeiros com relação à dinâmica da dívida pública. O governo precisa encontrar poupadores dispostos a comprar seus títulos a algum preço para financiar os déficits orçamentários de forma não inflacionária. Para isso, é preciso que haja um mínimo de segurança de que o dinheiro retornará. Se a confiança desaparecer, não há juro capaz de convencer o mercado a financiar o governo e, nesse caso, a única opção de financiamento é rodar a impressora, fazendo a inflação subir e o dinheiro se desvalorizar. Estamos ainda distantes desse final triste, mas o poupador, que não é tonto, tenta se antecipar buscando sinais para a verdadeira disposição do governo de cumprir o que promete.
Por exemplo, ao aprovar a “Lei do Teto”, Michel Temer sinalizou ao mercado que o Brasil passaria a gerir o orçamento como um país civilizado. O avanço provocou fortalecimento do real frente à maioria das moedas, pois é simples ver que o cumprimento à risca da “Lei do Teto” equaciona o orçamento. O próximo problema é que não basta redigir uma lei exigindo responsabilidade se o governo não tiver meios para agir responsavelmente.
Em particular, a “Lei do Teto” requer a reforma da previdência para evitar o arrocho dos investimentos públicos ou o “fechamento” do governo (por falta de papel higiênico nos ministérios, por exemplo). Temer chegou perto de emplacar a reforma, mas a marcha civilizatória foi interrompida após as gravações dos irmãos Batista. O suporte político encolheu, a retomada da economia – que ganhava força – sofreu um abalo, a confiança murchou e a incerteza do cenário eleitoral aumentou. Não demorou a cair a ficha de que a candidatura economicamente mais previsível boiava como um paralelepípedo e, nesse diapasão, o preço do dólar disparou.
Após oscilar acima de R$ 4,00 no final de agosto e durante todo o mês de setembro, no entanto, a moeda americana barateou quase 40 centavos até a véspera das eleições. A ascensão de Bolsonaro e a expectativa de que a política econômica seria gerida de forma convencional pela equipe de Paulo Guedes explicam a queda. Afinal, o guru do presidente tem ideias mais ortodoxas que o rótulo do “Chocolate do Padre”. O mercado teria gostado mais se o eleito fosse alguém moderado, mas diante da possibilidade de vitória do PT, comemorou Bolsonaro com o mesmo entusiasmo de quem descobre que o antibiótico não será injetado no braço – tudo é relativo.
Nesse ponto deu-se o inusitado. É curioso observar que a distensão observada no período imediatamente anterior à eleição não teve prosseguimento após. Na verdade, deu-se o oposto, pois o dólar voltou a encarecer após a vitória do capitão até chegar aos atuais R$ 3,90. Nosso barômetro diz que essa alta não ocorreu porque a verdinha ganhou de todos, pelo contrário. Na verdade, se o valor do real tivesse acompanhado o da cesta poderíamos hoje abraçar o Mickey e o Pateta pagando apenas R$ 3,60 pelo dólar – menos do que na véspera das eleições.
Nasce aí a pergunta incômoda. Não seria razoável supor que o real voltasse a operar na faixa de “normalidade” em relação às moedas que são nossas irmãs após a vitória do mito? Segundo as minhas contas, o preço justo do dólar para um governo reformista deveria ser algo mais próximo de R$ 3,50 – chego a esse valor computando o valor médio do real em relação à cesta ajustando-o para levar em conta a força atual do dólar dada pelas incertezas globais.
Antes de abraçar a explicação de conotação mais pessimista, é preciso reconhecer que parte da resposta deve-se à heterogeneidade dos países que uso nas comparações. Em particular, como a aversão ao risco aumentou no mundo nas últimas semanas, é natural que as moedas de países emergentes tenham sofrido mais do que as de países desenvolvidos. Não surpreende, portanto, que o real tenha perdido para os dólares da Austrália, Nova Zelândia e Canadá, por exemplo.
Mas isso não explica tudo. O peso chileno, por exemplo, ganhou do dólar americano desde outubro. Ok, eles são economicamente melhores do que nós, mas as moedas de Colômbia, Índia, Filipinas, África do Sul e Turquia também ganharam e alguns desses países estão até mais próximos do bico do corvo do que nós. O cético procurará e talvez encontre razões para explicar os movimentos de cada uma das moedas presente em minha cesta favorita, mas não dá para negar que o Brasil empobreceu relativamente a nações que surfam como nós as ondas globais e isso se deu após a materialização de uma notícia que em tese é boa para as nossas perspectivas.
Por que tem sido assim? Difícil saber com certeza, mas talvez os gringos não estejam ainda sentindo muita firmeza com relação à pegada reformista do novo governo. Tomara que essa primeira impressão esteja errada e que, no final, tudo dê certo. A boa notícia é que o futuro melhor depende, por enquanto, apenas de nós mesmos.