Por que o Banco Central está jogando pesado?
Escrevi uma história otimista sobre inflação há duas semanas – mais auspiciosa que as previsões de consenso que, por sua vez, também são otimistas. Poucos dias depois, o relato foi contrariado por duas notícias. Primeiro, o Banco Central justificou a manutenção do juro no patamar atual usando uma linguagem “dura”. Revelou desconforto com a permanência […]
Publicado em 1 de agosto de 2016 às, 12h16.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h31.
Escrevi uma história otimista sobre inflação há duas semanas – mais auspiciosa que as previsões de consenso que, por sua vez, também são otimistas. Poucos dias depois, o relato foi contrariado por duas notícias.
Primeiro, o Banco Central justificou a manutenção do juro no patamar atual usando uma linguagem “dura”. Revelou desconforto com a permanência das expectativas de inflação em patamar superior à meta e informou que seu cumprimento não é compatível com as premissas para câmbio e juro adotadas pelo setor privado. Os juros dispararam nos mercados futuros.
Segundo, enquanto se assimilava a ducha de água fria oferecida pelo BC, o IBGE divulgou um IPCA-15 maior do que o esperado. A inflação da primeira quinzena de julho ajudou a nutrir o receio de que o dragão estaria criando “vida própria” – risco também destacado no comunicado do BC.
Como fica minha narrativa rósea diante desses desdobramentos?
Reconhecendo que prudência nunca é demais quando o tema é inflação, creio que dá para sustentar a história por duas razões. Primeiro, a postura carrancuda do novo BC não chega a ser surpreendente – na verdade, ela é o esteio do meu otimismo na frente inflacionária. Segundo, a surpresa do IPCA-15 fica menos feia se analisada no contexto do que parece ser o novo modus operandi do BC (e do governo).
A arte da política monetária é coordenar expectativas sem perder graus de liberdade. O desafio é convencer a torcida a acreditar na meta sem, por exemplo, se amarrar a uma trajetória do juro prefixada. O ofício é desempenhado mais facilmente quando o BC é percebido como organismo intolerante à inflação, que reage previsivelmente às novidades.
A vida seria menos complicada se a interação entre o BC e a sociedade não fosse marcada por assimetrias de informação e incentivos conflitantes. Por esses motivos, quando há desconfiança de que a autoridade monetária é condescendente com a inflação, não adianta tentar mudar a percepção por meio de conversa fiada. É preciso adotar sinalização “custosa”, que tem mais chance de ser interpretada seriamente. Parece óbvio, mas a formalização dessas noções valeu um prêmio Nobel para o economista Michael Spence.
O serviço mais importante do novo BC é tornar crível a meta de inflação, rompendo o ciclo prolongado de promessas não cumpridas. A forma “custosa” de dar a dica é praticar uma política monetária “dura”, indicando claramente o critério adotado para decidir se a dosagem passou do ponto. Outra forma “custosa” é propor independência do BC.
No último comunicado, o BC mostrou que não está para brincadeira. Não aprova expectativas de inflação distantes da meta. Em português mais claro, falou que enquanto o setor privado não acreditar na meta escolhida pelo governo e agir de acordo, terá que conviver com juro “alto”.
Essa história tem uma implicação interessante. Se o BC for bem sucedido na construção da imagem de que combaterá a inflação de forma inclemente, o esforço necessário para cumprir o objetivo será menor do que o exigido com prolongamento da reputação de “frouxo”. Se os agentes acreditarem no novo perfil da autoridade monetária, escolherão preços com parcimônia, diminuindo o vínculo da inflação corrente com o passado – isso faz uma tremenda diferença.
Evidentemente há riscos. Se a agenda de reformas empacar, a fala dura do BC será inócua. Felizmente, as últimas semanas mostram que o setor privado está conferindo o benefício da dúvida ao governo interino, permitindo que Temer arme a estratégia para emplacar seu projeto em clima de doce lua de mel. Neste ambiente, há espaço para continuidade do recuo das expectativas de inflação. O câmbio, que reage mais rapidamente às novidades, vem caindo como um tijolo no vácuo.
No tocante ao IPCA-15, a surpresa desagradável deveu-se à alta de preços do feijão e do leite por questões relativas à oferta desses produtos. Ao BC, cabe evitar que “choques” como esse sejam transmitidos com facilidade ao longo da cadeia. Quando tem reputação de ser complacente, a tarefa é difícil, quase impossível. Em ambiente de intolerância à inflação, é fácil. Por exemplo, o encanador tende a pensar duas vezes antes de repassar a alta do feijão em seus orçamentos porque a chance de seu concorrente fazer o mesmo é maior. A mudança pode demorar um tempo, mas aparece cedo ou tarde.
É possível estimar concretamente o tamanho do benefício de uma redução da inércia inflacionária em uma economia artificial que reproduz razoavelmente as características brasileiras – participação elevada de preços “voláteis” sujeitos a choques com distribuição assimétrica e inércia elevada. Sem aborrecer o leitor com detalhes, é simples mostrar que a probabilidade de rompimento do teto da meta cai mais do que proporcionalmente a uma redução da inércia dos choques. Essa conclusão não depende de hipóteses muito restritivas.
O benefício de ser “durão” é elevado se houver coordenação de objetivos entre as políticas do governo. Se aprovar as reformas de longo prazo, o governo interino prolongará sua lua de mel e a esculhambação fiscal em curso terá saído barato. Estou preocupado com o futuro, mas há espaço para a inflação cair bastante no curto prazo mesmo que tudo dê errado lá na frente.