Por que ninguém se aventura a prever 3,5% de crescimento?
A economia está entrando nos trilhos. Consequentemente, os economistas encontram-se “otimistas” em relação à época em que era preciso contabilizar a chance de Dilma manter o mandato. A probabilidade dessa desventura caiu com o passar do tempo, mas tornou-se zero apenas no último dia de agosto. Sendo assim, o surto recente de positividade é algo […]
Publicado em 24 de outubro de 2016 às, 15h22.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h02.
A economia está entrando nos trilhos. Consequentemente, os economistas encontram-se “otimistas” em relação à época em que era preciso contabilizar a chance de Dilma manter o mandato. A probabilidade dessa desventura caiu com o passar do tempo, mas tornou-se zero apenas no último dia de agosto. Sendo assim, o surto recente de positividade é algo que não chega a ser surpreendente pelo simples fato de que não é confortável ter uma tragédia no radar, mesmo que claramente improvável, sobretudo em tempos em que o impossível tem acontecido.
A retomada da economia é questão de tempo. A presença de ociosidades faz com que o único pré-requisito para a materialização de um cenário melhor seja uma recuperação consistente da confiança que, conforme antecipado pela grande maioria, seria decorrente da substituição do governo antigo por um que reconhece a existência de restrições orçamentárias e que acredita em mercados. Os dados mostram que os termômetros de esperança quanto ao futuro têm melhorado expressivamente. Se o passado for um bom guia, a recuperação efetiva do crescimento e do emprego será o corolário.
Muito bem. Se a economia tem gordura para crescer sem restrições, se os agentes estão cada vez mais confiantes e se o governo segue uma linha pró-mercado e tem ampla base de suporte, porque os economistas projetam crescimento tão medíocre para 2017?
Abrindo parênteses, quando faço a pergunta, não me refiro à disputa burlesca que se dá dentro da profissão, em que um economista que se diz otimista e projeta crescimento de, digamos, 1,5% se contrapõe ao “pessimismo” do colega que projeta 1,2%. Neste domínio meio descolado da realidade, quando a economia acaba crescendo, sei lá, 2,0%, o primeiro comemora o fato de ter “acertado” e, curiosamente, o segundo também. Trata-se de um mundo em que todos falam mais ou menos o mesmo, acertam e erram juntos, e o afã de negar a homogeneidade dos cenários leva às vezes à tentativa de elevar o status de diferenças insignificantes.
Para que o leitor conheça a dimensão verdadeira do que se dá na prática, o erro absoluto médio de previsão para o crescimento do PIB um ano à frente foi de quase dois pontos percentuais entre 2009 e 2015. Como se sabe, os equívocos cometidos no passado são o melhor ponto de partida para aquilatar as incertezas para o futuro. O desempenho dos últimos anos sugere que, diante de uma projeção consensual de crescimento de 1,3%, como é o caso, o usuário não deverá ficar espantado se, após um ano, o desempenho real tiver sido qualquer coisa entre -0,7% e 3,3%. Na verdade, ele deve presumir um intervalo ainda mais elástico para dar conta de todas as possibilidades concebíveis, mesmo as mais remotas. Fechando parênteses.
Voltando à pergunta, por que diante de uma narrativa tão favorável e consensual ninguém se aventura a prever, por exemplo, crescimento de 3,5% no ano que vem? Por que os supostamente mais animados chutam números bem menores, preferindo lançar o truísmo “não será surpresa se for mais”. Como se sabe, a economia acumula queda de cerca de 8% desde o início de 2014 e isto abre espaço significativo para crescer na ausência de restrições. Apenas para ilustrar, se tomássemos como dada a estimativa consensual para o terceiro trimestre e imaginássemos que o “hiato” acumulado desde 2014 fosse preenchido até o final do ano que vem, o PIB deveria crescer 5,5% em 2017. Os “otimistas” não chegam nem à metade dessa projeção. Por quê?
A explicação para o quebra-cabeça é que há uma série de riscos capazes de entornar o caldo que são de alguma forma fatorados na hora de fazer os palpites, mas “esquecidos” na elaboração das narrativas. O mercado sabe que a aposta correta é no sentido “otimista”, quer ficar “otimista”, deve ficar “otimista”, mas corretamente mantém um pé atrás – mesmo os que arriscam números um pouquinho melhores do que os consensuais, plantando uma semente para, se tudo der certo, comemorarem o “acerto”, mas sem comprometimento excessivo. A maior projeção de crescimento para o ano que vem é de 2,7%.
Quais são os riscos? Primeiro, a economia mundial está doente. Faz cinco anos que o FMI tem revisado para baixo o potencial global de longo prazo. Para que se tenha ideia, se a economia tivesse hoje o tamanho projetado em 2011, haveria uma China a mais no mundo (de quebra, uma Bélgica também). Projetos que estão maturando atualmente foram concebidos com esta visão. Não surpreende, portanto, o excesso de capacidade e a tendência deflacionária nos países desenvolvidos (que, de resto, é exacerbada pela revolução tecnológica). Este estado de coisas dificulta ajustes e dá margem a surtos de populismo protecionista.
Segundo, a economia americana, melhorzinha, não está uma Brastemp. Os dados de crescimento têm frustrado há um tempo, mas como a inflação parece voltar gradualmente ao normal, o FED está preocupado em não comprometer a credibilidade de suas diretrizes e, provavelmente, promoverá novo aumento do juro até o final do ano – apesar das diferentes visões dentro do colegiado. Além dos vaivens que decorrem da indefinição, cresce o risco de uma contração cíclica. De acordo com pesquisa do Wall Street Journal, os economistas atribuem hoje probabilidade maior do que a normal para uma nova recessão nos próximos 12 meses. Nada muito alarmante, até porque os juros continuarão baixos, mas poderíamos passar sem o ruído.
Terceiro, a situação do crédito na China está para lá de complicada. Há quem espere um “pouso forçado” no curto prazo. Não é preciso dizer o que uma desaceleração brusca na China significaria para o mundo e para o Brasil. Pretendo falar sobre este assunto no próximo artigo.
Quarto, a estratégia do nosso governo requer que a recuperação da economia não demore demais ao menos por duas razões. A primeira é que existe uma enorme restrição de crédito na economia e as empresas precisam respirar sob o risco de começarem a aparecer uns cadáveres. A segunda é que o apoio político à agenda impopular está baseado na crença de que o remédio amargo arrumará a economia. Pelo andar da carruagem, o PIB do terceiro trimestre virá pior do que se esperava há pouco tempo. Oxalá não ocorra decepção semelhante no final do ano.
Quinto, não resta a menor dúvida de que o governo está adotando medidas necessárias e na direção correta. Mas, do ponto de vista social, elas são duras e, talvez, sejam insuficientes para fazer frente ao enorme estrago causado pelos governos petistas. Ou seja, é possível que já seja tarde demais e que bastará uma gota d’água para a ficha cair. Seria o pior dos mundos.
Finalmente, a Lava Jato está aí.
Não é agradável encarnar o Urubulino em um momento em que a sociedade respira aliviada por ter se livrado das maldades de um dos governos mais incompetentes da história. Também estou feliz por isso. Mas o dano causado foi tão grande que, talvez, o esforço para corrigi-lo sem inflação (no médio prazo) seja insuportável politicamente, especialmente se uma “surpresa” de fora atrapalhar a recuperação. Conforme a fábula do Javali e da Raposa, quem não teme o perigo é duplamente imprudente. É por isso que “otimistas” e “pessimistas” formulam projeções um tanto pessimistas apesar de narrativas que soam mais ou menos favoráveis.