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PIB mundial: 3% ao ano é frustrante? Ou é o novo normal?

Tem crescido o apelo de teses pessimistas que projetam para o mundo um futuro medíocre parecido com o que o Japão tem registrado desde o início dos anos 90. Uns falam em “novo normal”. Outros em “estagnação secular”. Faz sentido? O que está ocorrendo? Para analisar a questão sob um prisma adequado é interessante fazer […]

SIDERÚRGICA NA CHINA: se, a partir de 2018, a China passar a crescer 4% ao ano ao invés dos cerca de 6% projetados pela maioria, o PIB mundial deverá ser ser 3,3 trilhões de dólares menor / Kevin Frayer/ GettyImages
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Da Redação

Publicado em 30 de maio de 2016 às 10h09.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h54.

Tem crescido o apelo de teses pessimistas que projetam para o mundo um futuro medíocre parecido com o que o Japão tem registrado desde o início dos anos 90. Uns falam em “novo normal”. Outros em “estagnação secular”. Faz sentido? O que está ocorrendo? Para analisar a questão sob um prisma adequado é interessante fazer um tour pela história econômica dos últimos dois séculos.

O PIB mundial cresceu 1,5% ao ano entre 1820 e 1950. Neste período marcado por crises e conflitos mundiais, mas de grande progresso tecnológico dado pela Revolução Industrial, a renda média de cada habitante do planeta passou de 1.200 dólares para 3.500 em dólares de hoje.

Os anos que se seguiram foram relativamente pacíficos e pontuados por uma onda de otimismo e prosperidade. Entre 1950 e 1973, o PIB mundial multiplicou-se por três, crescendo quase 5% ao ano. Por pouco a população deixou de repetir nestes anos o mesmo crescimento registrado nos 130 anos do período anterior. A renda per capita subiu para cerca de 7.000 dólares.

Em 1973, tensões no oriente médio resultaram em elevação do preço do barril do petróleo de 400%. Inaugurou-se uma fase de volatilidades para o mundo. De 1973 a 2002, a taxa anual de crescimento da economia global desacelerou para 3,3%. A renda média do terráqueo aumentou para aproximadamente 11.000 dólares atuais.

No final de 2001, a economia americana estava se recuperando da crise provocada pelo estouro da “bolha” das empresas de tecnologia e absorvendo o trauma dos atentados do dia 9/11. Em dezembro do mesmo ano, a China assinava a entrada para a Organização Mundial do Comércio.

O aprofundamento dos vínculos comerciais da China com os Estados Unidos e o resto do mundo mudou a feição da economia global. Entre 2002 e 2008, viveu-se período de bonança quase tão intenso quanto o dos anos 50 e 60. O PIB mundial cresceu 4,5% ao ano, elevando a renda média dos homens e mulheres sapiens para 13.500 dólares.

Os países exportadores de matérias primas, como o Brasil, surfaram a onda e também exibiram taxas elevadas de expansão. De fato, enquanto as economias emergentes cresceram 3,7% ao ano de 1980 a 2002, o ritmo saltou para 7,0% ao ano de 2002 a 2008. Em 2001, a renda média de um habitante em país menos desenvolvido equivalia a 16% da de um residente em país avançado. Em 2008, a fatia havia crescido para 21%.

Durante esta fase de animação, os líderes dos países ricos comemoravam o que parecia ser um milagre. Impulsionadas pelos ganhos de produtividade gerados pela tecnologia da informação e pela globalização, as economias pareciam não ter limites para crescer. Os países emergentes não deixavam por menos e também alardeavam um futuro próspero.

Reformas estruturais custosas e impopulares foram deixadas para depois.

No auge do boom criado pela dobradinha EUA-China, previa-se que o progresso acelerado duraria, se não para sempre, quem sabe por uns 20 anos, como se viu no pós-guerra. Nutria-se a expectativa de que o crescimento potencial da economia global girava em torno de 4,5% ao ano. Confesso que cheguei a elaborar cenários de longo prazo projetando crescimento anual médio em torno de 4% para o Brasil.

Aí veio a crise financeira. Desde então, quando parece que as coisas estão para melhorar ocorre algo que piora o cenário. De 2008 a 2015, o crescimento médio anual do produto mundial desacelerou para 3,3% (e a trajetória tem sido declinante). Há vários anos as projeções econômicas de consenso têm sido sistematicamente frustradas para pior. Ainda assim, a renda média dos humanos subiu para 15.650 dólares.

Como escrevi em um artigo neste espaço há duas semanas, apesar de não se vislumbrar um grande risco no futuro próximo, a tensão tem aumentado. A economia americana, que está indo relativamente bem, não tem sido capaz de puxar o resto do mundo em um cenário em que a estabilidade da China está cada vez mais ameaçada.

O mundo está menos propenso ao crescimento após 2008 por algumas razões. Os excessos que levaram à crise deram lugar a mais intervenções governamentais, especialmente nos sistemas financeiros. Não é trivial saber exatamente o ponto em que as intervenções tornam-se menos producentes, diminuindo demasiadamente a flexibilidade e coibindo a criatividade. Exageros são comuns.

Há liquidez de sobra gerada pelas políticas de acomodação praticadas pelos governos de países desenvolvidos. Mas falta apetite para gastar. As empresas preferem reter os lucros a investir em países emergentes frágeis e arriscados. Há capacidade ociosa em seus países de origem. Os governos endividados não têm apoio para inaugurar programas pró-crescimento, por exemplo, de ampliação da infraestrutura produtiva.

O desemprego prolongado deprecia o estoque de capital humano. Isto e o empoçamento da poupança contribuem para aumento das desigualdades. Este contexto é propício ao surgimento de movimentos políticos populistas contrários à globalização, à inovação tecnológica, a reformas pró-crescimento e à imigração – não apenas nas regiões mais suscetíveis, mas também nos países desenvolvidos.

Tudo isso torna improvável que o mundo volte a crescer de forma sustentável 4% ou mais no futuro. Na verdade, a história mostra que isso seria um “novo normal”. Crescer entre 3% e 3,5% não é necessariamente ruim. Este é o cenário se as tendências recentes de declínio de produtividade dos países desenvolvidos e de convergência dos países emergentes à fronteira se mantiverem (levando em conta as perspectivas existentes de crescimento populacional).

Pode até ser um pouco menos. Mas, nos 195 anos de história cobertos acima, o crescimento anual médio foi de 2,3%. E a renda média subiu mais de 10 vezes. Frustração de expectativas não é bom. Mas o “velho” normal é mais do que suficiente para quem fizer a lição de casa.

celsonovo

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Tem crescido o apelo de teses pessimistas que projetam para o mundo um futuro medíocre parecido com o que o Japão tem registrado desde o início dos anos 90. Uns falam em “novo normal”. Outros em “estagnação secular”. Faz sentido? O que está ocorrendo? Para analisar a questão sob um prisma adequado é interessante fazer um tour pela história econômica dos últimos dois séculos.

O PIB mundial cresceu 1,5% ao ano entre 1820 e 1950. Neste período marcado por crises e conflitos mundiais, mas de grande progresso tecnológico dado pela Revolução Industrial, a renda média de cada habitante do planeta passou de 1.200 dólares para 3.500 em dólares de hoje.

Os anos que se seguiram foram relativamente pacíficos e pontuados por uma onda de otimismo e prosperidade. Entre 1950 e 1973, o PIB mundial multiplicou-se por três, crescendo quase 5% ao ano. Por pouco a população deixou de repetir nestes anos o mesmo crescimento registrado nos 130 anos do período anterior. A renda per capita subiu para cerca de 7.000 dólares.

Em 1973, tensões no oriente médio resultaram em elevação do preço do barril do petróleo de 400%. Inaugurou-se uma fase de volatilidades para o mundo. De 1973 a 2002, a taxa anual de crescimento da economia global desacelerou para 3,3%. A renda média do terráqueo aumentou para aproximadamente 11.000 dólares atuais.

No final de 2001, a economia americana estava se recuperando da crise provocada pelo estouro da “bolha” das empresas de tecnologia e absorvendo o trauma dos atentados do dia 9/11. Em dezembro do mesmo ano, a China assinava a entrada para a Organização Mundial do Comércio.

O aprofundamento dos vínculos comerciais da China com os Estados Unidos e o resto do mundo mudou a feição da economia global. Entre 2002 e 2008, viveu-se período de bonança quase tão intenso quanto o dos anos 50 e 60. O PIB mundial cresceu 4,5% ao ano, elevando a renda média dos homens e mulheres sapiens para 13.500 dólares.

Os países exportadores de matérias primas, como o Brasil, surfaram a onda e também exibiram taxas elevadas de expansão. De fato, enquanto as economias emergentes cresceram 3,7% ao ano de 1980 a 2002, o ritmo saltou para 7,0% ao ano de 2002 a 2008. Em 2001, a renda média de um habitante em país menos desenvolvido equivalia a 16% da de um residente em país avançado. Em 2008, a fatia havia crescido para 21%.

Durante esta fase de animação, os líderes dos países ricos comemoravam o que parecia ser um milagre. Impulsionadas pelos ganhos de produtividade gerados pela tecnologia da informação e pela globalização, as economias pareciam não ter limites para crescer. Os países emergentes não deixavam por menos e também alardeavam um futuro próspero.

Reformas estruturais custosas e impopulares foram deixadas para depois.

No auge do boom criado pela dobradinha EUA-China, previa-se que o progresso acelerado duraria, se não para sempre, quem sabe por uns 20 anos, como se viu no pós-guerra. Nutria-se a expectativa de que o crescimento potencial da economia global girava em torno de 4,5% ao ano. Confesso que cheguei a elaborar cenários de longo prazo projetando crescimento anual médio em torno de 4% para o Brasil.

Aí veio a crise financeira. Desde então, quando parece que as coisas estão para melhorar ocorre algo que piora o cenário. De 2008 a 2015, o crescimento médio anual do produto mundial desacelerou para 3,3% (e a trajetória tem sido declinante). Há vários anos as projeções econômicas de consenso têm sido sistematicamente frustradas para pior. Ainda assim, a renda média dos humanos subiu para 15.650 dólares.

Como escrevi em um artigo neste espaço há duas semanas, apesar de não se vislumbrar um grande risco no futuro próximo, a tensão tem aumentado. A economia americana, que está indo relativamente bem, não tem sido capaz de puxar o resto do mundo em um cenário em que a estabilidade da China está cada vez mais ameaçada.

O mundo está menos propenso ao crescimento após 2008 por algumas razões. Os excessos que levaram à crise deram lugar a mais intervenções governamentais, especialmente nos sistemas financeiros. Não é trivial saber exatamente o ponto em que as intervenções tornam-se menos producentes, diminuindo demasiadamente a flexibilidade e coibindo a criatividade. Exageros são comuns.

Há liquidez de sobra gerada pelas políticas de acomodação praticadas pelos governos de países desenvolvidos. Mas falta apetite para gastar. As empresas preferem reter os lucros a investir em países emergentes frágeis e arriscados. Há capacidade ociosa em seus países de origem. Os governos endividados não têm apoio para inaugurar programas pró-crescimento, por exemplo, de ampliação da infraestrutura produtiva.

O desemprego prolongado deprecia o estoque de capital humano. Isto e o empoçamento da poupança contribuem para aumento das desigualdades. Este contexto é propício ao surgimento de movimentos políticos populistas contrários à globalização, à inovação tecnológica, a reformas pró-crescimento e à imigração – não apenas nas regiões mais suscetíveis, mas também nos países desenvolvidos.

Tudo isso torna improvável que o mundo volte a crescer de forma sustentável 4% ou mais no futuro. Na verdade, a história mostra que isso seria um “novo normal”. Crescer entre 3% e 3,5% não é necessariamente ruim. Este é o cenário se as tendências recentes de declínio de produtividade dos países desenvolvidos e de convergência dos países emergentes à fronteira se mantiverem (levando em conta as perspectivas existentes de crescimento populacional).

Pode até ser um pouco menos. Mas, nos 195 anos de história cobertos acima, o crescimento anual médio foi de 2,3%. E a renda média subiu mais de 10 vezes. Frustração de expectativas não é bom. Mas o “velho” normal é mais do que suficiente para quem fizer a lição de casa.

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