Pelo andar da carruagem juro deixará de ser uma jabuticaba
Em outubro passado, as projeções de inflação para 2017 caíam consistentemente e estavam perto de romper o “piso” de 5,0%. Os economistas acreditavam no cumprimento da meta a partir de 2018. Apesar disso e do estado deplorável da economia, o Banco Central inaugurou o atual ciclo de afrouxamento da política monetária com bastante cautela, reduzindo […]
Da Redação
Publicado em 7 de fevereiro de 2017 às 12h39.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h02.
Em outubro passado, as projeções de inflação para 2017 caíam consistentemente e estavam perto de romper o “piso” de 5,0%. Os economistas acreditavam no cumprimento da meta a partir de 2018. Apesar disso e do estado deplorável da economia, o Banco Central inaugurou o atual ciclo de afrouxamento da política monetária com bastante cautela, reduzindo a Selic em apenas 25 pontos. Surpreendeu a maioria ao reiterar o conservadorismo na reunião de dezembro.
Mais recentemente, na reunião de janeiro, diante de um cenário econômico qualitativamente semelhante, os analistas foram confundidos para o outro lado. O BC ajustou o juro em 75 pontos e deu a entender que este é o novo ritmo. Na esteira da novidade, os economistas baixaram projeções para o juro no final de 2017 para algo em torno de 9,50% ao ano, significativamente menos do que a expectativa de algumas semanas atrás.
Como analisar estes fatos e que pistas eles dão para os rumos da política monetária?
Uma forma de interpretar as mudanças recentes – tanto das expectativas de inflação quanto da conduta do BC – é imaginar que o conservadorismo inicial da autoridade monetária diante de condições que poderiam ser consideradas adequadas a ajustes mais agressivos teve o objetivo de recuperar uma parte da credibilidade perdida pela tolerância inflacionária da gestão anterior.
Com credibilidade restaurada, o BC ganhou graus de liberdade para conduzir uma política monetária mais agressiva sem incorrer no risco de ser mal interpretado. Na verdade, a política econômica como um todo está sendo premiada pelo mercado, haja vista o comportamento benigno da percepção de risco atribuído ao país. O prêmio do CDS do Brasil em relação a pares relevantes chegou a ser negativo há alguns anos, na época de vacas gordas, atingiu 300 pontos no final do ano passado no auge do estresse e, atualmente, oscila entre 100 e 150 pontos.
Uma das questões mais exploradas no delineamento do papel do BC refere-se à dosagem da margem de manobra para a instituição calibrar discricionariamente a política monetária diante de circunstâncias que mudam frequentemente. Até que ponto pode-se usar o “bom senso” para evitar os efeitos recessivos resultantes de, digamos, elevações abruptas do preço do petróleo permitindo que a inflação suba temporariamente?
No Brasil, o BC deve perseguir a meta de inflação definida pelo executivo, mas possui uma margem de tolerância folgada para absorver choques de preços relativos que bombardeiam a economia o tempo todo. Diante desses choques, a autoridade monetária pode escolher ser mais ou menos flexível na aplicação das medidas corretivas. O importante é garantir a convergência da inflação em um “horizonte relevante”, tipicamente definido como algo entre um e dois anos.
Como se pode ver, as mãos dos gestores da política monetária não estão amarradas no Brasil. Além disso, a cúpula do BC pode ser defenestrada pelo Presidente da República a qualquer momento – informação que, evidentemente é usada na formação de expectativas para a inflação.
A grande desvantagem de arranjos que conferem mais flexibilidade ao BC reside na perda de credibilidade de suas promessas – o que inevitavelmente condena a sociedade a viver com inflação maior do que a desejável. O problema é agravado quando a instituição não é independente das vontades do presidente. Esses resultados foram formalizados no final dos anos 70 e renderam o Nobel para os economistas Finn Kydland e Edward Prescott.
Em tese, há mecanismos para contrapesar a tentação de pegar leve com a inflação. Por exemplo, exige-se que a autoridade monetária informe previamente o setor privado sobre sua estratégia e, a posteriori, que seja transparente na explicação das escolhas. Se tudo der errado, o presidente do BC tem que passar pelo constrangimento de redigir uma carta explicando os motivos pelos quais não cumpriu a missão.
Na prática, no entanto, esses paliativos passam longe de substituir o efeito estabilizador de um compromisso rígido. Em economia, é possível explicar qualquer coisa e, para complicar, a linguagem usada nos comunicados oficiais é suficientemente vaga para acomodar políticas distintas, preservando a discricionariedade do BC. Em que outro contexto as pessoas passam horas discutindo o significado da expressão “neste momento”?
A maioria dos experimentos conduzidos em laboratório para simular o “jogo” entre Banco Central e setor privado mostra que “conversa fiada” e transparência ajudam pouco – ou quase nada. Vide o óbvio descompasso entre o que o BC anterior falava e fazia e a inutilidade de suas promessas – com os resultados esperados em termos de descoordenação de expectativas e perda de ancoragem da inflação.
Na ausência de substitutos perfeitos a uma regra de conduta inflexível (que também tem suas desvantagens), a melhor alternativa é a construção de uma boa reputação. Se o Banco Central conseguir incutir no setor privado a confiança de que a meta de inflação será perseguida com determinação, o arranjo se aproxima da situação ideal. Alguns experimentos confirmam a ideia de que uma boa dose de reputação atenua os efeitos deletérios de políticas discricionárias.
A melhor forma de construir reputação é adotar medidas custosas que revelem de cara a intenção do agente, sem margem para dúvidas. Imagine um juiz de futebol que no primeiro minuto de uma partida dá um cartão amarelo “preventivo” para todos os jogadores. Trata-se de um sinal de intolerância à violência que tem mais chance de ser bem compreendido do que o tradicional bate papo envolvendo os capitães.
Se os esforços recentes de recuperação de credibilidade patrocinados pelo governo em geral e pelo BC em particular continuarem a produzir dividendos no ritmo verificado nos últimos 30 dias, poderemos ver o CDS brasileiro eliminar mais uma parte do hiato aberto em relação à média de países de nossa liga (África do Sul, Chile, Colômbia, Indonésia, Malásia, Peru, Rússia, entre outros).
Façamos então uma conta de padaria. Se o juro “correto” no Brasil for igual ao juro real de equilíbrio americano (aproximadamente 2%), acrescido de nosso CDS (aproximadamente 2,5%) e da meta de inflação (4,5%), o juro nominal convergirá para 9,0% – mais ou menos conforme as expectativas atuais. Digamos, no entanto, que o governo continue marcando gols e que o hiato do risco se reduza pela metade. Pelas minhas contas, o CDS pode cair algo entre 50 e 75 pontos, baixando o juro de equilíbrio para 8,25% ou 8,50%. Evidentemente há uma série de pedras no sapato que podem voltar a incomodar, mas ninguém está a fim de prestar atenção nelas.
Em outubro passado, as projeções de inflação para 2017 caíam consistentemente e estavam perto de romper o “piso” de 5,0%. Os economistas acreditavam no cumprimento da meta a partir de 2018. Apesar disso e do estado deplorável da economia, o Banco Central inaugurou o atual ciclo de afrouxamento da política monetária com bastante cautela, reduzindo a Selic em apenas 25 pontos. Surpreendeu a maioria ao reiterar o conservadorismo na reunião de dezembro.
Mais recentemente, na reunião de janeiro, diante de um cenário econômico qualitativamente semelhante, os analistas foram confundidos para o outro lado. O BC ajustou o juro em 75 pontos e deu a entender que este é o novo ritmo. Na esteira da novidade, os economistas baixaram projeções para o juro no final de 2017 para algo em torno de 9,50% ao ano, significativamente menos do que a expectativa de algumas semanas atrás.
Como analisar estes fatos e que pistas eles dão para os rumos da política monetária?
Uma forma de interpretar as mudanças recentes – tanto das expectativas de inflação quanto da conduta do BC – é imaginar que o conservadorismo inicial da autoridade monetária diante de condições que poderiam ser consideradas adequadas a ajustes mais agressivos teve o objetivo de recuperar uma parte da credibilidade perdida pela tolerância inflacionária da gestão anterior.
Com credibilidade restaurada, o BC ganhou graus de liberdade para conduzir uma política monetária mais agressiva sem incorrer no risco de ser mal interpretado. Na verdade, a política econômica como um todo está sendo premiada pelo mercado, haja vista o comportamento benigno da percepção de risco atribuído ao país. O prêmio do CDS do Brasil em relação a pares relevantes chegou a ser negativo há alguns anos, na época de vacas gordas, atingiu 300 pontos no final do ano passado no auge do estresse e, atualmente, oscila entre 100 e 150 pontos.
Uma das questões mais exploradas no delineamento do papel do BC refere-se à dosagem da margem de manobra para a instituição calibrar discricionariamente a política monetária diante de circunstâncias que mudam frequentemente. Até que ponto pode-se usar o “bom senso” para evitar os efeitos recessivos resultantes de, digamos, elevações abruptas do preço do petróleo permitindo que a inflação suba temporariamente?
No Brasil, o BC deve perseguir a meta de inflação definida pelo executivo, mas possui uma margem de tolerância folgada para absorver choques de preços relativos que bombardeiam a economia o tempo todo. Diante desses choques, a autoridade monetária pode escolher ser mais ou menos flexível na aplicação das medidas corretivas. O importante é garantir a convergência da inflação em um “horizonte relevante”, tipicamente definido como algo entre um e dois anos.
Como se pode ver, as mãos dos gestores da política monetária não estão amarradas no Brasil. Além disso, a cúpula do BC pode ser defenestrada pelo Presidente da República a qualquer momento – informação que, evidentemente é usada na formação de expectativas para a inflação.
A grande desvantagem de arranjos que conferem mais flexibilidade ao BC reside na perda de credibilidade de suas promessas – o que inevitavelmente condena a sociedade a viver com inflação maior do que a desejável. O problema é agravado quando a instituição não é independente das vontades do presidente. Esses resultados foram formalizados no final dos anos 70 e renderam o Nobel para os economistas Finn Kydland e Edward Prescott.
Em tese, há mecanismos para contrapesar a tentação de pegar leve com a inflação. Por exemplo, exige-se que a autoridade monetária informe previamente o setor privado sobre sua estratégia e, a posteriori, que seja transparente na explicação das escolhas. Se tudo der errado, o presidente do BC tem que passar pelo constrangimento de redigir uma carta explicando os motivos pelos quais não cumpriu a missão.
Na prática, no entanto, esses paliativos passam longe de substituir o efeito estabilizador de um compromisso rígido. Em economia, é possível explicar qualquer coisa e, para complicar, a linguagem usada nos comunicados oficiais é suficientemente vaga para acomodar políticas distintas, preservando a discricionariedade do BC. Em que outro contexto as pessoas passam horas discutindo o significado da expressão “neste momento”?
A maioria dos experimentos conduzidos em laboratório para simular o “jogo” entre Banco Central e setor privado mostra que “conversa fiada” e transparência ajudam pouco – ou quase nada. Vide o óbvio descompasso entre o que o BC anterior falava e fazia e a inutilidade de suas promessas – com os resultados esperados em termos de descoordenação de expectativas e perda de ancoragem da inflação.
Na ausência de substitutos perfeitos a uma regra de conduta inflexível (que também tem suas desvantagens), a melhor alternativa é a construção de uma boa reputação. Se o Banco Central conseguir incutir no setor privado a confiança de que a meta de inflação será perseguida com determinação, o arranjo se aproxima da situação ideal. Alguns experimentos confirmam a ideia de que uma boa dose de reputação atenua os efeitos deletérios de políticas discricionárias.
A melhor forma de construir reputação é adotar medidas custosas que revelem de cara a intenção do agente, sem margem para dúvidas. Imagine um juiz de futebol que no primeiro minuto de uma partida dá um cartão amarelo “preventivo” para todos os jogadores. Trata-se de um sinal de intolerância à violência que tem mais chance de ser bem compreendido do que o tradicional bate papo envolvendo os capitães.
Se os esforços recentes de recuperação de credibilidade patrocinados pelo governo em geral e pelo BC em particular continuarem a produzir dividendos no ritmo verificado nos últimos 30 dias, poderemos ver o CDS brasileiro eliminar mais uma parte do hiato aberto em relação à média de países de nossa liga (África do Sul, Chile, Colômbia, Indonésia, Malásia, Peru, Rússia, entre outros).
Façamos então uma conta de padaria. Se o juro “correto” no Brasil for igual ao juro real de equilíbrio americano (aproximadamente 2%), acrescido de nosso CDS (aproximadamente 2,5%) e da meta de inflação (4,5%), o juro nominal convergirá para 9,0% – mais ou menos conforme as expectativas atuais. Digamos, no entanto, que o governo continue marcando gols e que o hiato do risco se reduza pela metade. Pelas minhas contas, o CDS pode cair algo entre 50 e 75 pontos, baixando o juro de equilíbrio para 8,25% ou 8,50%. Evidentemente há uma série de pedras no sapato que podem voltar a incomodar, mas ninguém está a fim de prestar atenção nelas.