Para quanto vai o dólar durante a orgia da direita festiva?
O otimismo com Bolsonaro reflete só o alívio pelo despejo do grupo que colocou o país no buraco ou há motivos para acreditar numa nova fase de progresso?
Publicado em 22 de outubro de 2018 às, 17h27.
Última atualização em 22 de outubro de 2018 às, 18h20.
O “mercado” é um ser que ninguém nunca viu, mas que parece um fulano comum, suscetível a alterações súbitas de humor e demais fraquezas e paixões humanas. Daqui uns dias, ele reagirá ao resultado das eleições como todos nós. Se alguém ainda tinha alguma dúvida sobre os dois dígitos de sua preferência, os movimentos mais recentes da Bolsa, Câmbio e Juros não deixam margem a argumentações. Usando um dos jargões que retratam bem os tempos atuais, pode-se afirmar que o mercado “mitou”.
De meados de setembro até sexta passada, o Ibovespa subiu e o dólar barateou ambos em 11% e o juro para janeiro de 2023 despencou dois pontos. É bom lembrar que esses movimentos se deram em um contexto internacional longe de poder ser considerado tranquilo. Pelo contrário, há tensões em todos os cantos. Na Europa, crise italiana. Na China, sinais preocupantes de desaceleração do crescimento. Nos EUA, endurecimento do discurso do FED – a ponto de induzir a Economist a fantasiar sobre a nova recessão. Guerra comercial, Brexit, e por aí vai.
Resumindo, apesar da barafunda que nos rodeia e que costumeiramente tenderia a provocar marolas consideráveis em nossas praias, ganhou dinheiro aquele que apostou no “kit Brasil”.
Não resta dúvida que a farra foi turbinada pelo fortalecimento de Bolsonaro, o capitão pop que, neste momento, é virtualmente o novo presidente. Eleições só acabam quando terminam, é claro, mas será uma surpresa se Haddad virar o jogo, mesmo levando em consideração os toques surreais do certame atual – a julgar pelas pesquisas será uma lavada. Se for assim, interessa saber até que ponto o otimismo recente reflete apenas o compreensível alívio pelo despejo do grupo que colocou o país no buraco ou se, além disso, haveria motivos concretos para acreditar que estamos no início de uma nova fase de progresso.
Os mercados financeiros são impulsionados por forças de duas naturezas. No longo prazo, valem exclusivamente os “fundamentos”, mas, no curto, tudo pode acontecer. Por exemplo, uma empresa tem valor apenas se gerar lucros (agora ou no futuro). Quem compra ações de corporações deficitárias espera que o capim crescerá amanhã ou depois. Se essa expectativa não se confirmar o papel vira pó. Esse é o “fundamento”. Mas, enquanto o futuro não chega, os preços são ditados pelo humor dos investidores, que às vezes é otimista, às vezes não. O problema é que ninguém entende muito bem o mecanismo que rege a formação das expectativas.
Hoje, por exemplo, o preço de uma ação da Amazon equivale a 180 vezes o lucro que a empresa gerou no último ano. Isso significa que, se nada mudar, aquele que decide ser sócio de Jeff Bezos recuperará o investimento daqui umas duas ou três vidas. Por mais pacientes que possam ser os investidores, os que topam entrar no bonde acreditam que o lucro crescerá significativamente ou apostam no surgimento de outros que se disponham a comprar as ações por um preço mais elevado. Sem dúvida há os que olham para esse múltiplo esticado e sintam a pulga beliscando a orelha – será que as coisas não foram longe demais?
De qualquer forma, uma das sabedorias do mercado que normalmente é aprendida dolorosamente é que não basta estar certo nas avaliações. É preciso ter um bom colchão de liquidez e oportunismo para não quebrar antes dos “fundamentos” prevalecerem. Remar contra a maré desafiando as crenças da maioria pode custar caríssimo, pois água morro abaixo, fogo morro acima e a bolsa quando quer subir ninguém segura. Tipicamente é fácil entender os argumentos por trás das euforias, mas de vez em quando elas não parecem ter uma base muito racional. O fracasso épico do fundo LTCM no final dos anos 90 é um bom exemplo, lembrando que ele incluía no conselho dois ícones das finanças ganhadores do prêmio Nobel.
O comportamento do mercado com Bolsonaro é um desses fenômenos interessantes gerados pela capacidade infinita de nossa imaginação. De um lado, é fácil entender que a população, incluindo o mercado, esteja feliz com a que talvez seja a principal mensagem produzida por essas eleições: como pau que bate em Chico bate também em Francisco, partidos que usam e abusam de mentiras e manipulações podem, cedo ou tarde, experimentar o próprio remédio amargo. Haddad, um sujeito que certamente é “do bem”, está para sofrer a segunda derrota humilhante da carreira para um adversário que provavelmente perderia para todos os demais. Será que essa lição trará debates melhores e mais elegantes no futuro?
Mas, de outro lado, o alívio propiciado pela derrota das fake News de um lado para as fake News do outro não é suficiente para apostar em um cenário econômico promissor porque o governo que está para assumir e seu entorno não inspiram muita confiança – para dizer o mínimo. O mercado apoia-se na crença de que as políticas de Bolsonaro trarão mais negócios, mas não se sabe exatamente a razão objetiva dessa crença porque dizer que faltam detalhes com relação ao plano estratégico para tirar a economia do buraco é um eufemismo gigantesco (sobretudo quando se leva em conta o retrocesso civilizatório simbolizado pela eleição do militar).
Diante da dificuldade de saber o que o novo governo fará é forçoso concluir que de concreto mesmo existe apenas a anestesia coletiva diante da perspectiva de que os responsáveis pela crise histórica em que o país está metido serão ejetados. De fato, muita gente de perfil moderado curte no íntimo essa onda de falsidades que prejudica a candidatura Haddad.
Confesso que se a realidade não fosse tão trágica, estaria também tomando umas para comemorar o lado burlesco de ver o PT ser engolido por baixarias do mesmo quilate das que o partido usou e abusou no passado, por exemplo, naquele vídeo em que banqueiros tiravam a comida de uma família pobre, mensagens sobre o fim do Bolsa Família e coisas do gênero. Diga-se, a campanha de Haddad tem que levantar as mãos aos céus por ser alvo de fake News. Isso desvia um pouco o foco sobre as true News que, como se sabe, são muito piores.
Mais do que a esperança de um cenário melhor, a derrota do PT em si é a base da alegria da “direita festiva” e do otimismo que tem empurrado a bolsa para cima e o dólar e os juros para baixo. Só Deus sabe se essa onda estará viva na passagem de 2019 para 2020 – desconfio que não. Mas, certamente, ainda estará forte no próximo réveillon. Não é recomendável, portanto, peitar o movimento avassalador. Bolsonaro curtirá uma lua de mel que deverá durar pelo menos uns seis meses antes do samba começar a rolar quadrado. Durante esse período o “kit Brasil” reinará.
Olhando para o dólar, seus movimentos envolvem componentes ditados tanto pelo cenário internacional quanto pelo doméstico. Supondo que a parte externa não ajude nem atrapalhe, para onde pode ir a cotação se a euforia continuar? Um ponto de partida razoável para se chegar a um número é supor que o valor do real contra as moedas que se parecem com ele poderá voltar ao patamar em que esteve nos melhores momentos do governo Temer, quando também havia a expectativa de que as coisas iriam andar para frente.
Se este for de fato um bom parâmetro, não será surpresa se o preço da verdinha cair abaixo de R$ 3,50, especialmente se o capitão lograr algum avanço reformista logo de cara, talvez com ajuda do atual governo. A loucura só não será maior porque muitos aproveitarão a onda otimista para se protegerem porque sabem que o Brasil não dará certo no grito. Não adianta apenas defenestrar um governo incompetente. Bolsonaro terá que provar que tem um plano consistente para governar o país e fazer as reformas sem agredir as instituições – é aí que mora o perigo.