Exame Logo

Os rentistas somos nós, honestos e trabalhadores

Este é o último artigo da minissérie sobre o diagnóstico e as soluções da “ala progressista” para a crise econômica, particularmente a ideia de que o maior culpado pela miséria nacional seria o “mecanismo rentista”. Para conhecer a história completa, recomendo a leitura do documento dos economistas do PT com propostas para tirar o Brasil […]

(Caixa/Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 9 de maio de 2016 às 10h44.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h16.

Este é o último artigo da minissérie sobre o diagnóstico e as soluções da “ala progressista” para a crise econômica, particularmente a ideia de que o maior culpado pela miséria nacional seria o “mecanismo rentista”.

Para conhecer a história completa, recomendo a leitura do documento dos economistas do PT com propostas para tirar o Brasil do buraco. Lá se encontra, entre outras, a fábula segundo a qual o “capital rentista”, por intermédio de uma espécie de chantagem, obriga o governo a praticar juros abusivos, forçando-o a entregar fatias cada vez mais gordas do orçamento público – dinheiro que poderia ser usado para promover o desenvolvimento.

Mostrei que o “rentista” tem trocado seis por meia dúzia nos últimos anos por conta da inflação elevada. Contrariando a sugestão dos petistas, a crescimento recente da parcela de recursos destinada ao pagamento da dívida pública deriva principalmente do gasto de quase 5% do PIB com finalidade “desenvolvimentista” que, por diversos canais, contribuiu para a maior recessão desde a industrialização.

Falta, no entanto, caracterizar quem seriam os tais “rentistas”. A leitura da teoria conspiratória do PT remete àquele vídeo com engravatados retirando o prato de comida de uma família humilde. Os títulos públicos em poder do público estariam nas mãos de parasitas interessados em chantagear o governo à custa do trabalhador.

Faltam dados para detalhar o perfil dos agentes que carregam a dívida. Ainda assim, é possível fazer inferências com as informações disponíveis.

O Tesouro Direto é uma modalidade de investimento em que o poupador compra diretamente os títulos do governo por intermédio de uma corretora de valores, ou seja, um canal direto entre o Tesouro Nacional e os “rentistas”.

É interessante a forma com que o governo se dirige ao inimigo, propagandeando o Tesouro Direto: “ao comprar um título público, você empresta dinheiro para o governo brasileiro (…) dessa maneira, com o Tesouro Direto, você não somente se beneficia de uma alternativa de aplicação financeira segura e rentável, como também ajuda o país a promover seus investimentos em saúde, educação, infraestrutura”.

No ano passado, cerca de um terço das aplicações mensais no Tesouro Direto envolveram valores pequenos, entre 30 e 1.000 reais. Mais da metade até 2.000 reais. Apesar de simples, essa modalidade requer que o cliente tenha conta em uma corretora de valores e familiaridade com as particularidades dos títulos. Por esta razão, pode-se admitir com alguma segurança que uma parcela igualmente expressiva das compras de títulos públicos por meio de fundos de investimento esteja concentrada na faixa de “rentistas” relativamente humildes.

Cerca de 40% do total da dívida pública encontra-se em poder dos fundos de investimento e aproximadamente a metade dos clientes desses fundos aplica em fundos DI, destinados ao varejão. Não resta dúvida que o universo de “rentistas” inclui professores, secretárias, sindicalistas, padeiros, vendedores, cozinheiros, militantes do PT, nossas mães, tias, avós e assim por diante. Todos que poupam um pouquinho para complementar a aposentadoria são “rentistas”. É provável que todos os autores do documento do PT também o sejam.

É certo que a distribuição da riqueza financeira é concentrada e seria melhor que fosse diferente – não é este o ponto. A questão é que não há nada de especial no Brasil que justifique a teoria conspiratória do PT. De acordo com dados e critérios do banco Credit Suisse referentes a 2015, a fatia da riqueza financeira mantida pela “classe média” é de 31% no Brasil, muito parecida com o parâmetro da média da América Latina (35%) e entre o que se vê na América do Norte (21%) e na Europa (41%).

O grupo dos “rentistas” espalhados pelo mundo inclui o vasto contingente de pessoas honestas e trabalhadoras que guardam um dinheirinho para dias chuvosos. A tese do PT é uma falácia formulada por desonestos para ludibriar desinformados. Tem o lado burlesco, mas não é inofensiva.

celosnovo

Veja também

Este é o último artigo da minissérie sobre o diagnóstico e as soluções da “ala progressista” para a crise econômica, particularmente a ideia de que o maior culpado pela miséria nacional seria o “mecanismo rentista”.

Para conhecer a história completa, recomendo a leitura do documento dos economistas do PT com propostas para tirar o Brasil do buraco. Lá se encontra, entre outras, a fábula segundo a qual o “capital rentista”, por intermédio de uma espécie de chantagem, obriga o governo a praticar juros abusivos, forçando-o a entregar fatias cada vez mais gordas do orçamento público – dinheiro que poderia ser usado para promover o desenvolvimento.

Mostrei que o “rentista” tem trocado seis por meia dúzia nos últimos anos por conta da inflação elevada. Contrariando a sugestão dos petistas, a crescimento recente da parcela de recursos destinada ao pagamento da dívida pública deriva principalmente do gasto de quase 5% do PIB com finalidade “desenvolvimentista” que, por diversos canais, contribuiu para a maior recessão desde a industrialização.

Falta, no entanto, caracterizar quem seriam os tais “rentistas”. A leitura da teoria conspiratória do PT remete àquele vídeo com engravatados retirando o prato de comida de uma família humilde. Os títulos públicos em poder do público estariam nas mãos de parasitas interessados em chantagear o governo à custa do trabalhador.

Faltam dados para detalhar o perfil dos agentes que carregam a dívida. Ainda assim, é possível fazer inferências com as informações disponíveis.

O Tesouro Direto é uma modalidade de investimento em que o poupador compra diretamente os títulos do governo por intermédio de uma corretora de valores, ou seja, um canal direto entre o Tesouro Nacional e os “rentistas”.

É interessante a forma com que o governo se dirige ao inimigo, propagandeando o Tesouro Direto: “ao comprar um título público, você empresta dinheiro para o governo brasileiro (…) dessa maneira, com o Tesouro Direto, você não somente se beneficia de uma alternativa de aplicação financeira segura e rentável, como também ajuda o país a promover seus investimentos em saúde, educação, infraestrutura”.

No ano passado, cerca de um terço das aplicações mensais no Tesouro Direto envolveram valores pequenos, entre 30 e 1.000 reais. Mais da metade até 2.000 reais. Apesar de simples, essa modalidade requer que o cliente tenha conta em uma corretora de valores e familiaridade com as particularidades dos títulos. Por esta razão, pode-se admitir com alguma segurança que uma parcela igualmente expressiva das compras de títulos públicos por meio de fundos de investimento esteja concentrada na faixa de “rentistas” relativamente humildes.

Cerca de 40% do total da dívida pública encontra-se em poder dos fundos de investimento e aproximadamente a metade dos clientes desses fundos aplica em fundos DI, destinados ao varejão. Não resta dúvida que o universo de “rentistas” inclui professores, secretárias, sindicalistas, padeiros, vendedores, cozinheiros, militantes do PT, nossas mães, tias, avós e assim por diante. Todos que poupam um pouquinho para complementar a aposentadoria são “rentistas”. É provável que todos os autores do documento do PT também o sejam.

É certo que a distribuição da riqueza financeira é concentrada e seria melhor que fosse diferente – não é este o ponto. A questão é que não há nada de especial no Brasil que justifique a teoria conspiratória do PT. De acordo com dados e critérios do banco Credit Suisse referentes a 2015, a fatia da riqueza financeira mantida pela “classe média” é de 31% no Brasil, muito parecida com o parâmetro da média da América Latina (35%) e entre o que se vê na América do Norte (21%) e na Europa (41%).

O grupo dos “rentistas” espalhados pelo mundo inclui o vasto contingente de pessoas honestas e trabalhadoras que guardam um dinheirinho para dias chuvosos. A tese do PT é uma falácia formulada por desonestos para ludibriar desinformados. Tem o lado burlesco, mas não é inofensiva.

celosnovo

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se