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Os EUA são o novo Japão?

Os juros têm voado baixo nos EUA em parte porque o FED, o banco central americano, vem praticando uma política expansionista e isso pesa no curto prazo. Para isolar este efeito em particular e vislumbrar o longo prazo, é conveniente focar em um período supostamente livre da influência da política monetária. Uma escolha usual é […]

NOVA YORK: A economia americana provavelmente voltará a crescer mais do que tem crescido cedo ou tarde / Eduardo Munoz/ Reuters
NOVA YORK: A economia americana provavelmente voltará a crescer mais do que tem crescido cedo ou tarde / Eduardo Munoz/ Reuters
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Celso Toledo

Publicado em 11 de julho de 2017 às, 13h06.

Os juros têm voado baixo nos EUA em parte porque o FED, o banco central americano, vem praticando uma política expansionista e isso pesa no curto prazo. Para isolar este efeito em particular e vislumbrar o longo prazo, é conveniente focar em um período supostamente livre da influência da política monetária. Uma escolha usual é isolar o trecho da estrutura a termo correspondente ao juro de cinco anos esperado para daqui cinco anos, comumente chamado de juro 5Y5Y. Teoricamente, o que o FED faz hoje afeta a economia por dois, talvez três anos, seguramente não mais do que cinco.

Antes da crise, entre 2003 e 2007, o juro 5Y5Y oscilou em torno de 5% ao ano. Cálculos do FED mostram que esses 5% resultaram de expectativas na casa de 2,5% tanto para o juro real quanto para a inflação. Os economistas costumam remeter a este padrão quando idealizam um cenário de normalização para a economia americana. Imaginam que com a poeira no chão, a inflação girará em torno de 2,5% e os juros ao redor de 5,0% – talvez um pouco menos, mas não muito.

Desde a crise financeira, os juros nos trechos longos da estrutura a termo têm caído sistematicamente. Chegamos em 2017 com a taxa 5Y5Y gravitando em torno de 2,9% ao ano – correspondendo a 1,9% de inflação esperada e 1,0% de juro real. Não se trata aqui apenas de uma curiosidade. Estes números retratam o consenso produzido pelos donos do dinheiro com relação à projeção econômica que possivelmente define a cara do cenário econômico global em um mercado que movimenta um Brasil a cada quatro dias.

Reza a Teoria Econômica que a taxa de juro real de equilíbrio é proporcional ao crescimento econômico potencial, especialmente em um país desenvolvido e relativamente fechado como os EUA. Cálculos de Thomas Laubach e John Williams em artigo célebre publicado em 2003 na Review of Economics and Statistics mostram que, de fato, o juro real de longo prazo não costuma destoar significativamente do crescimento potencial na terra do Tio Sam.

Estimativas de variáveis não observáveis não devem ser levadas a ferro e fogo. Ainda assim, a associação entre juro e crescimento é tão enraizada e popular que é razoável admitir que ela seja considerada de alguma forma pelo mercado. É lícito conjeturar, portanto, que os preços praticados provavelmente baseiam-se em um cenário de crescimento medíocre para a maior economia do mundo no longo prazo, de aproximadamente 1% ao ano – talvez menos se o mercado exigir um “prêmio de alongamento”.

Os economistas não gostam muito de achar que “dessa vez será diferente”. Ponderam o passado e tipicamente apostam no retorno à média – mais ou menos rápido, dependendo das circunstâncias. Sendo assim, esperam que o crescimento, a inflação e os juros subirão mais do que está na curva. Na última edição do World Economic Outlook, por exemplo, o FMI emplacou projeção anual média de crescimento para a economia americana ligeiramente acima de 2% no quinquênio 2017-2022.

Em sondagem recente do Wall Street Journal, a expectativa para o triênio 2017-2019 é de crescimento médio de 2,2%. A OCDE e a Survey of Professional Forecasters projetam expansão de 2,3%, respectivamente para 2017-2018 e 2017-2020. O Congressional Budget Office (CBO), um pouco mais sóbrio, estima crescimento potencial de 1,8% até 2027. A característica comum desses chutes dados pelos melhores economistas é que eles são bem maiores do que a projeção que parece dar suporte aos juros praticados pelo mercado.

Chegamos assim à pergunta feita no início, que pode ser fraseada da seguinte forma: como se resolverá o descompasso entre o que os economistas projetam e os traders praticam?

Digamos que o mercado esteja certo. Se for isso, o dinamismo da economia americana estaria de fato ficando mais parecido com o da japonesa. Neste caso, o crescimento futuro será diminuto e os juros atualmente baixos deverão permanecer neste estado, configurando-se um novo normal (os economistas continuariam superestimando os juros por mais algumas décadas). Ótimo, mas com um estorvo: este cenário implica que haverá decepções sistemáticas com o crescimento. Será que as bolsas, atualmente em patamar recordista, permanecerão valorizadas em um cenário de liquidez folgada, mas com pouco crescimento?

Alternativamente, pode ser que o mercado esteja errado, que tudo será como antes, que os preços se aproximarão das velhas médias. Neste caso, os juros subirão mais do que se espera, provocando deslocamentos importantes na estrutura a termo e solavancos emocionantes nos mercados em geral. Por incrível que pareça, este é um cenário que pode ser considerado mais “otimista” do que a alternativa, mas que, durante a transição, trará turbulências, especialmente para países emergentes.

Um ponto de referência para o banzé potencial neste caso é o que se deu em meados de 2013 quando o então presidente do FED, Ben Bernanke, sugeriu que o início da retirada de estímulos monetários poderia ocorrer em futuro próximo. Em poucos meses, o juro de 10 anos disparou mais de 100 pontos, causando, entre outros ajustes, depreciação do real que chegou a acumular mais de 20%. Este episódio é conhecido por “Taper Tantrum”.

Como saber em “tempo real” o lado para o qual penderá a escolha das fiandeiras? Em tese, a melhor forma é olhar para o desempenho da inflação, mas, na prática, a tarefa não é tão simples. A média das principais medidas do “núcleo” da inflação acusou aumento sistemático de meados de 2015 até o início de 2017, distanciando os EUA do Japão. Desde então, no entanto, o aumento de preços perdeu força com rapidez, jogando água no moinho da “japanização”.

A história que mais gosto é a de que a liquidez abundante tem facilitado a transmissão de variações do preço do petróleo aos demais, elevando a correlação de medidas do “núcleo” da inflação com as mudanças dos preços mais voláteis (como os de commodities). Se isso for verdade, o enfraquecimento recente do núcleo da inflação americana pode refletir uma queda temporária na cotação do petróleo. Além disso, a variação do custo do trabalho tem se acelerado, ainda que gradualmente, em um contexto em que, como se sabe, a taxa de desemprego está baixa e não tem como cair muito mais. Parece cedo para apostar que os EUA são o novo Japão.

A economia americana provavelmente voltará a crescer mais do que tem crescido cedo ou tarde, puxando os juros acima das referências embutidas nos contratos negociados no mercado. Se este cenário de contornos otimistas estiver certo, é bom manter um pouquinho de dólares na carteira. A alternativa é fingir que tudo está bem com os anestésicos de liquidez e estar preparado para o dia em que cairá a ficha de que o mundo não para de pé sem crescimento.