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O sufoco do crédito não parece ser mortal – mas é grave

A frustração recente com o desempenho da economia vem em má hora. Um fluxo consistente de notícias positivas é essencial para dar continuidade ao suporte político às reformas. Se a esperança fraquejar, a retomada tenderá a ser mais irregular e demorada, dificultando a tramitação dos projetos mais polêmicos – necessários para evitar o caos para […]

MEIRELLES: a sinalização de austeridade é essencial para tirar o Brasil do buraco / Daniela Toviansky
DR

Da Redação

Publicado em 15 de novembro de 2016 às 10h47.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h30.

A frustração recente com o desempenho da economia vem em má hora. Um fluxo consistente de notícias positivas é essencial para dar continuidade ao suporte político às reformas. Se a esperança fraquejar, a retomada tenderá a ser mais irregular e demorada, dificultando a tramitação dos projetos mais polêmicos – necessários para evitar o caos para o qual rumamos a passos largos.

Deve-se frisar que um desempenho fraco no terceiro trimestre estava na conta. É bem possível também que a economia tenha apenas tropeçado em um buraco, sem sair do caminho da normalização. Por outro lado, diante da encrenca razoável construída pelos equívocos do governo passado, não deverá ser tampouco surpreendente se a superação dos obstáculos à frente se mostrar mais difícil do que o inicialmente suposto. Solavancos que seriam normalmente descontados com naturalidade tendem a provocar mais nervosismo em momentos bicudos.

Um dos aspectos complicados da crise atual diz respeito à situação estressada do mercado de crédito. É verdade que o nível de endividamento da economia brasileira não parece crítico quando comparado aos de nossos pares. Ainda assim, a deterioração das condições do mercado é um problema não trivial que, na melhor das hipóteses, continuará retirando oxigênio da recuperação e, na pior, poderá se revelar como sintoma de um bonde que está descarrilando.

Antes mesmo de entrarmos na Trumplândia, alguns colegas estavam preocupados com a situação e consideravam a possibilidade de a crise atual ser uma espécie de recessão mais cabeluda que a usual, fruto do desejo simultâneo de redução de dívidas pelos atores privados – uma “recessão de balanços”. Quando o setor privado como um todo age dessa forma é preciso que o setor público ocupe o espaço, expandindo gastos, sob o risco de a consolidação fiscal agravar o encolhimento da demanda agregada, transformando a recessão em depressão. Essa história, contada pelo economista Richard Koo há uns anos, tem produzido boas previsões sobre a dinâmica das economias avançadas no pós-crise.

O mercado de crédito brasileiro está bastante estressado e, de fato, há sinais de que os agentes estão propensos a reduzir dívidas. Apesar disso, faltam alguns sintomas importantes para caracterizar nossa crise como uma “recessão de balanços”. De início, não houve estouro de preços de ativos. O forte crescimento de preços de imóveis que se estendeu até 2014 deu lugar a flutuações de baixa amplitude em torno de um patamar relativamente constante, coisa bem diferente dos colapsos observados em países que enfrentaram “recessões de balanços”.

Mais importante do que isso, o projeto de consolidação fiscal gradual proposto pelo novo governo foi seguido de redução de prêmios proporcional à queda de expectativas de inflação que estavam desancoradas. Isso não tem nada a ver com a manifestação simultânea de tendências deflacionárias e juros reais negativos observadas no Japão nos anos 90 e em países desenvolvidos após a crise. A sinalização de austeridade, contraproducente nesses lugares, é algo não apenas positivo, mas essencial para tirar o Brasil do buraco.

Se, de um lado, o diagnóstico de “recessão de balanços” pode ser descartado, de outro, não se deve minimizar a seriedade da restrição do crédito. No “Relatório de Estabilidade Financeira” referente ao segundo trimestre, o Banco Central retratou um sistema financeiro que, apesar de solvente e em tese apto a enfrentar mudanças bruscas de cenário, tem emitido sinais de alerta como, por exemplo, aumento de instituições dependendo de recursos de curto prazo para atender compromissos de longo prazo.

Além disso, tem havido elevação do número de operações reestruturadas, especialmente relativas a créditos para empresas médias e pequenas – um problema que tende a sugerir crescimento da inadimplência na ausência de mudança de condições. Outro sinal preocupante diz respeito ao crescimento do número de empresas em recuperação judicial em relação a 2015, ano em que o problema já havia chamado atenção. Em relatório divulgado em agosto, o IBMEC mostrou que praticamente 50% das empresas de uma amostra razoável de companhias abertas e fechadas não têm gerado caixa suficiente para fazer frente às despesas financeiras.

Não surpreende, portanto, que a oferta de crédito para as empresas médias e pequenas está, desde o último trimestre do ano passado, entre a faixa “moderadamente” e “consideravelmente” mais restritiva, de acordo com uma pesquisa qualitativa realizada pelo Banco Central. O indicador que melhor sintetiza este quadro desolador é o prêmio cobrado em operações de crédito para empresas, da ordem de 18% ao ano. Este patamar é evidentemente insustentável no longo prazo e reflete uma situação que ficará de pé apenas se houver uma retomada razoável e minimamente consistente do crescimento econômico. Por essa razão, pequenas frustrações em um dado aqui outro acolá causam calafrios maiores do que os que seriam justificáveis em tempos normais.

O lado bom é que, ao menos por enquanto, o problema pode ser atenuado pela redução das taxas de juros – impossível quando o país está mergulhado em uma “recessão de balanços”. O Banco Central tem mantido uma postura cautelosa na condução da política monetária, mas, diante de um quadro propício ao amortecimento da inflação, a cautela deverá dar lugar a uma postura mais agressiva no futuro próximo. Isso se o Trump não tiver fechado a janela, mas este é outro tema.

celsonovo

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A frustração recente com o desempenho da economia vem em má hora. Um fluxo consistente de notícias positivas é essencial para dar continuidade ao suporte político às reformas. Se a esperança fraquejar, a retomada tenderá a ser mais irregular e demorada, dificultando a tramitação dos projetos mais polêmicos – necessários para evitar o caos para o qual rumamos a passos largos.

Deve-se frisar que um desempenho fraco no terceiro trimestre estava na conta. É bem possível também que a economia tenha apenas tropeçado em um buraco, sem sair do caminho da normalização. Por outro lado, diante da encrenca razoável construída pelos equívocos do governo passado, não deverá ser tampouco surpreendente se a superação dos obstáculos à frente se mostrar mais difícil do que o inicialmente suposto. Solavancos que seriam normalmente descontados com naturalidade tendem a provocar mais nervosismo em momentos bicudos.

Um dos aspectos complicados da crise atual diz respeito à situação estressada do mercado de crédito. É verdade que o nível de endividamento da economia brasileira não parece crítico quando comparado aos de nossos pares. Ainda assim, a deterioração das condições do mercado é um problema não trivial que, na melhor das hipóteses, continuará retirando oxigênio da recuperação e, na pior, poderá se revelar como sintoma de um bonde que está descarrilando.

Antes mesmo de entrarmos na Trumplândia, alguns colegas estavam preocupados com a situação e consideravam a possibilidade de a crise atual ser uma espécie de recessão mais cabeluda que a usual, fruto do desejo simultâneo de redução de dívidas pelos atores privados – uma “recessão de balanços”. Quando o setor privado como um todo age dessa forma é preciso que o setor público ocupe o espaço, expandindo gastos, sob o risco de a consolidação fiscal agravar o encolhimento da demanda agregada, transformando a recessão em depressão. Essa história, contada pelo economista Richard Koo há uns anos, tem produzido boas previsões sobre a dinâmica das economias avançadas no pós-crise.

O mercado de crédito brasileiro está bastante estressado e, de fato, há sinais de que os agentes estão propensos a reduzir dívidas. Apesar disso, faltam alguns sintomas importantes para caracterizar nossa crise como uma “recessão de balanços”. De início, não houve estouro de preços de ativos. O forte crescimento de preços de imóveis que se estendeu até 2014 deu lugar a flutuações de baixa amplitude em torno de um patamar relativamente constante, coisa bem diferente dos colapsos observados em países que enfrentaram “recessões de balanços”.

Mais importante do que isso, o projeto de consolidação fiscal gradual proposto pelo novo governo foi seguido de redução de prêmios proporcional à queda de expectativas de inflação que estavam desancoradas. Isso não tem nada a ver com a manifestação simultânea de tendências deflacionárias e juros reais negativos observadas no Japão nos anos 90 e em países desenvolvidos após a crise. A sinalização de austeridade, contraproducente nesses lugares, é algo não apenas positivo, mas essencial para tirar o Brasil do buraco.

Se, de um lado, o diagnóstico de “recessão de balanços” pode ser descartado, de outro, não se deve minimizar a seriedade da restrição do crédito. No “Relatório de Estabilidade Financeira” referente ao segundo trimestre, o Banco Central retratou um sistema financeiro que, apesar de solvente e em tese apto a enfrentar mudanças bruscas de cenário, tem emitido sinais de alerta como, por exemplo, aumento de instituições dependendo de recursos de curto prazo para atender compromissos de longo prazo.

Além disso, tem havido elevação do número de operações reestruturadas, especialmente relativas a créditos para empresas médias e pequenas – um problema que tende a sugerir crescimento da inadimplência na ausência de mudança de condições. Outro sinal preocupante diz respeito ao crescimento do número de empresas em recuperação judicial em relação a 2015, ano em que o problema já havia chamado atenção. Em relatório divulgado em agosto, o IBMEC mostrou que praticamente 50% das empresas de uma amostra razoável de companhias abertas e fechadas não têm gerado caixa suficiente para fazer frente às despesas financeiras.

Não surpreende, portanto, que a oferta de crédito para as empresas médias e pequenas está, desde o último trimestre do ano passado, entre a faixa “moderadamente” e “consideravelmente” mais restritiva, de acordo com uma pesquisa qualitativa realizada pelo Banco Central. O indicador que melhor sintetiza este quadro desolador é o prêmio cobrado em operações de crédito para empresas, da ordem de 18% ao ano. Este patamar é evidentemente insustentável no longo prazo e reflete uma situação que ficará de pé apenas se houver uma retomada razoável e minimamente consistente do crescimento econômico. Por essa razão, pequenas frustrações em um dado aqui outro acolá causam calafrios maiores do que os que seriam justificáveis em tempos normais.

O lado bom é que, ao menos por enquanto, o problema pode ser atenuado pela redução das taxas de juros – impossível quando o país está mergulhado em uma “recessão de balanços”. O Banco Central tem mantido uma postura cautelosa na condução da política monetária, mas, diante de um quadro propício ao amortecimento da inflação, a cautela deverá dar lugar a uma postura mais agressiva no futuro próximo. Isso se o Trump não tiver fechado a janela, mas este é outro tema.

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