O que explica a crise: causas externas, corrupção ou incompetência? Parte 1
Meu objetivo neste artigo é convencê-lo de que os males que afligem o país não podem ser explicados pela “importação” da crise internacional, como ainda insistem algumas análises. Identificar os efeitos da crise externa sobre o Brasil é uma tarefa pouco complicada porque não estamos sozinhos no mundo. Basta comparar nosso desempenho com o de […]
Da Redação
Publicado em 4 de julho de 2016 às 12h20.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h10.
Meu objetivo neste artigo é convencê-lo de que os males que afligem o país não podem ser explicados pela “importação” da crise internacional, como ainda insistem algumas análises.
Identificar os efeitos da crise externa sobre o Brasil é uma tarefa pouco complicada porque não estamos sozinhos no mundo. Basta comparar nosso desempenho com o de países que também sofreram com as intempéries globais.
O pulo do gato é encontrar um grupo de controle que não enviese as conclusões. Mais precisamente, é preciso selecionar países que costumam ser afetados pelos humores externos como o Brasil.
Um caminho conveniente para esta finalidade é mirar o comportamento das taxas de câmbio que, de certa forma, refletem a cada instante o “valor” relativo dos países. Todas as vias pelas quais o cenário externo interfere em uma economia atuam pelas taxas de câmbio, sejam elas mudanças de percepção de risco, variações de cotações de commodities ou alterações em variáveis macroeconômicas como taxas de juros, inflação e crescimento.
Sendo assim, países cujas moedas flutuam no mesmo sentido que o real podem ser considerados “parecidos” com o Brasil para o nosso propósito. Seguindo esse caminho, cheguei ao seguinte grupo de controle: África do Sul, Austrália, Canadá, Chile, Cingapura, Colômbia, Filipinas, Índia, Indonésia, Malásia, México, Noruega, Peru, Tailândia e Turquia.
O Brasil se assemelha a cada um desses países em um subconjunto de seus atributos – evidentemente não somos idênticos a nenhum. Ainda assim, os pontos de semelhança são suficientemente fortes para tornar nossa moeda ligada às deles.
Por exemplo, somos parecidos com a Austrália pela importância da produção de metais, mas não pelo grau de desenvolvimento. Somos um país emergente e grande como a Índia, mas sofremos mais quando as commodities se depreciam. Compartilhamos algumas fragilidades macroeconômicas com a Turquia, mas crescemos menos – e assim por diante.
O ponto essencial é que os vaivéns do cenário externo afetam o Brasil e esses países de forma parecida e, portanto, eles podem ser usados para identificar até que ponto o colapso da economia é fruto da crise internacional.
A melhor forma de resolver o problema é comparar o crescimento do Brasil real com o de um Brasil imaginário obtido pela combinação do desempenho dos países do grupo de controle por meio de critérios estatísticos consagrados. Para facilitar, batizo esse país imaginário de ‘Brazil’ – usando a letra ‘z’.
Entre 1998 e 2011, o ‘Brazil’ e o Brasil cresceram praticamente o mesmo – 3,5% ao ano em média. Houve discrepâncias de um ano para outro, mas elas desapareceram com o passar do tempo. Por exemplo, o Brasil cresceu menos que o ‘Brazil’ em 1999 porque, neste ano, tivemos que absorver uma mudança de regime cambial. Diga-se, é justamente a diferença de desempenho entre o país real e o imaginário que permite identificar a influência de perturbações particulares (as perturbações genéricas tendem a afetar os dois países).
Uma das bravatas mais cômicas e bem sucedidas do Lula foi a previsão de que a crise mundial seria para o Brasil uma “marolinha”. Não deu outra. Em 2009, a renda por habitante diminuiu apenas 1,2% no Brasil, um terço do tombo observado nos EUA. No país imaginário, a queda foi um pouco maior, mas também pequena. Os dois Brasis balançaram pouco porque adotaram medidas anticíclicas e colheram os benefícios indiretos da política expansionista chinesa.
A partir de 2010, no entanto, o país real e o imaginário seguiram caminhos diferentes. De início, o Brasil cresceu mais porque o governo continuou pisando no acelerador. Em 2012, animado com resultados que pareciam favoráveis, a política econômica foi reorientada. Adotou-se um modelo baseado em maior intervenção estatal e microgerenciamento da economia – a “Nova Matriz Econômica”. Enquanto isso, o ‘Brazil’ continuou tocando a vida sem criatividade.
Entre 2010 e 2015, a renda por habitante cresceu, em média, 1,2% ao ano no país real, e 2,4% no país imaginário. No período em que vigorou a “Nova Matriz”, entre 2012 e 2015, os resultados foram, respectivamente, 0,6% e 1,9%. O Brasil encolheu e o ‘Brazil’ continuou crescendo.
O hiato de produção que se acumulou entre 2012 e 2015 equivale à bagatela de 1,1 trilhão de reais em dinheiro de hoje. Em uma estimativa mais conservadora, que leva em conta o fato de que o ‘Brazil’ não reproduz o Brasil com exatidão, pode-se dizer que a diferença é maior do que 730 bilhões de reais com 75% de probabilidade. Pior, se considerarmos as projeções de consenso até 2021 para os dois países, chegamos a uma diferença acumulada que, com a mesma probabilidade, deve ser maior do que 7,3 trilhões de reais.
Se a diferença não é explicada pela influência da crise externa, que prejudicou de forma semelhante tanto o Brasil quanto o ‘Brazil’, o motivo pela provação à qual os brasileiros têm sido submetidos tem origem doméstica. Há duas possíveis explicações: (i) o Brasil parou por conta da corrupção e de efeitos colaterais da operação Lava-Jato, e/ou (ii), a “Nova Matriz Econômica” foi a barbeiragem do século. Ataco essa questão na segunda parte do artigo.
Meu objetivo neste artigo é convencê-lo de que os males que afligem o país não podem ser explicados pela “importação” da crise internacional, como ainda insistem algumas análises.
Identificar os efeitos da crise externa sobre o Brasil é uma tarefa pouco complicada porque não estamos sozinhos no mundo. Basta comparar nosso desempenho com o de países que também sofreram com as intempéries globais.
O pulo do gato é encontrar um grupo de controle que não enviese as conclusões. Mais precisamente, é preciso selecionar países que costumam ser afetados pelos humores externos como o Brasil.
Um caminho conveniente para esta finalidade é mirar o comportamento das taxas de câmbio que, de certa forma, refletem a cada instante o “valor” relativo dos países. Todas as vias pelas quais o cenário externo interfere em uma economia atuam pelas taxas de câmbio, sejam elas mudanças de percepção de risco, variações de cotações de commodities ou alterações em variáveis macroeconômicas como taxas de juros, inflação e crescimento.
Sendo assim, países cujas moedas flutuam no mesmo sentido que o real podem ser considerados “parecidos” com o Brasil para o nosso propósito. Seguindo esse caminho, cheguei ao seguinte grupo de controle: África do Sul, Austrália, Canadá, Chile, Cingapura, Colômbia, Filipinas, Índia, Indonésia, Malásia, México, Noruega, Peru, Tailândia e Turquia.
O Brasil se assemelha a cada um desses países em um subconjunto de seus atributos – evidentemente não somos idênticos a nenhum. Ainda assim, os pontos de semelhança são suficientemente fortes para tornar nossa moeda ligada às deles.
Por exemplo, somos parecidos com a Austrália pela importância da produção de metais, mas não pelo grau de desenvolvimento. Somos um país emergente e grande como a Índia, mas sofremos mais quando as commodities se depreciam. Compartilhamos algumas fragilidades macroeconômicas com a Turquia, mas crescemos menos – e assim por diante.
O ponto essencial é que os vaivéns do cenário externo afetam o Brasil e esses países de forma parecida e, portanto, eles podem ser usados para identificar até que ponto o colapso da economia é fruto da crise internacional.
A melhor forma de resolver o problema é comparar o crescimento do Brasil real com o de um Brasil imaginário obtido pela combinação do desempenho dos países do grupo de controle por meio de critérios estatísticos consagrados. Para facilitar, batizo esse país imaginário de ‘Brazil’ – usando a letra ‘z’.
Entre 1998 e 2011, o ‘Brazil’ e o Brasil cresceram praticamente o mesmo – 3,5% ao ano em média. Houve discrepâncias de um ano para outro, mas elas desapareceram com o passar do tempo. Por exemplo, o Brasil cresceu menos que o ‘Brazil’ em 1999 porque, neste ano, tivemos que absorver uma mudança de regime cambial. Diga-se, é justamente a diferença de desempenho entre o país real e o imaginário que permite identificar a influência de perturbações particulares (as perturbações genéricas tendem a afetar os dois países).
Uma das bravatas mais cômicas e bem sucedidas do Lula foi a previsão de que a crise mundial seria para o Brasil uma “marolinha”. Não deu outra. Em 2009, a renda por habitante diminuiu apenas 1,2% no Brasil, um terço do tombo observado nos EUA. No país imaginário, a queda foi um pouco maior, mas também pequena. Os dois Brasis balançaram pouco porque adotaram medidas anticíclicas e colheram os benefícios indiretos da política expansionista chinesa.
A partir de 2010, no entanto, o país real e o imaginário seguiram caminhos diferentes. De início, o Brasil cresceu mais porque o governo continuou pisando no acelerador. Em 2012, animado com resultados que pareciam favoráveis, a política econômica foi reorientada. Adotou-se um modelo baseado em maior intervenção estatal e microgerenciamento da economia – a “Nova Matriz Econômica”. Enquanto isso, o ‘Brazil’ continuou tocando a vida sem criatividade.
Entre 2010 e 2015, a renda por habitante cresceu, em média, 1,2% ao ano no país real, e 2,4% no país imaginário. No período em que vigorou a “Nova Matriz”, entre 2012 e 2015, os resultados foram, respectivamente, 0,6% e 1,9%. O Brasil encolheu e o ‘Brazil’ continuou crescendo.
O hiato de produção que se acumulou entre 2012 e 2015 equivale à bagatela de 1,1 trilhão de reais em dinheiro de hoje. Em uma estimativa mais conservadora, que leva em conta o fato de que o ‘Brazil’ não reproduz o Brasil com exatidão, pode-se dizer que a diferença é maior do que 730 bilhões de reais com 75% de probabilidade. Pior, se considerarmos as projeções de consenso até 2021 para os dois países, chegamos a uma diferença acumulada que, com a mesma probabilidade, deve ser maior do que 7,3 trilhões de reais.
Se a diferença não é explicada pela influência da crise externa, que prejudicou de forma semelhante tanto o Brasil quanto o ‘Brazil’, o motivo pela provação à qual os brasileiros têm sido submetidos tem origem doméstica. Há duas possíveis explicações: (i) o Brasil parou por conta da corrupção e de efeitos colaterais da operação Lava-Jato, e/ou (ii), a “Nova Matriz Econômica” foi a barbeiragem do século. Ataco essa questão na segunda parte do artigo.