O que comemorar no Réveillon?
A renda dos brasileiros encolheu 9% em relação ao pico de 2013. Nos últimos dois anos, mais ou menos 250.000 pessoas perderam o emprego a cada mês. Além disso, a expectativa de que o crescimento dará uma respirada em 2017 começa a ser disputada. O flagelo parece não ter fim. Apesar disso, dá para temperar […]
Da Redação
Publicado em 26 de dezembro de 2016 às 10h18.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h43.
A renda dos brasileiros encolheu 9% em relação ao pico de 2013. Nos últimos dois anos, mais ou menos 250.000 pessoas perderam o emprego a cada mês. Além disso, a expectativa de que o crescimento dará uma respirada em 2017 começa a ser disputada. O flagelo parece não ter fim. Apesar disso, dá para temperar esta última coluna de 2016 com um pouco de esperança.
A melhor forma é louvar o esforço do governo para endireitar as contas públicas, remando contra uma maré violentíssima – vide o gesto de desprendimento dos vereadores de São Paulo nos segundos finais da última sessão da Câmara Municipal. Em um ano que teve de tudo e mais um pouco, é preciso cautela ao declarar vitória, pois uma nova bomba pode cair a qualquer instante. Feita esta ressalva, a mudança de direção é motivo para celebração no dia 31.
O ano que vem será repleto de obstáculos, mas a recompensa pelo esforço de superá-los é afastar o espectro de um destino verdadeiramente hediondo, retratado emblematicamente pela debacle da Venezuela. Apesar de haver uma distância razoável entre a nossa situação e a do vizinho ao norte, o buraco cavado pelo “Socialismo do Século XXI” demarca o ponto final da trajetória que o país percorria com Dilma.
Refletir sobre a desdita venezuelana ajuda a ver com olhos um pouco melhores a conjuntura difícil e favorece o entendimento de que os desafios à frente representam, na verdade, uma oportunidade oferecida aos brasileiros. Eventuais recuos trarão alívios de curto prazo com custos enormes no longo prazo. No meio do caminho, haja estoicismo para absorver os sopapos desferidos por políticos que por incompetência ou malícia ignoram a gravidade da situação.
Como qualquer país exportador de commodities, a Venezuela vem sofrendo com a desaceleração do crescimento mundial. No entanto, o imbróglio em que o país se encontra foi criado domesticamente pelo uso da cartilha de políticas “desenvolvimentistas” que agradam a intelligentsia latino-americana e vira e mexe são aplicadas, sempre com os mesmos resultados.
As iniciativas de Chávez e Maduro foram radicais na dosagem, mas não diferem qualitativamente do receituário pregado, por exemplo, pela autodenominada “ala progressista” brasileira. Um blog de esquerda que costumo acompanhar soltou a seguinte pérola há poucos dias: “(na) Venezuela, a democracia ainda resiste porque a Suprema Corte e as Forças Armadas repelem o golpismo, respaldadas pela ainda forte mobilização popular do chavismo”. Traduzindo, os protestos em massa diante do caos econômico e da violência só podem ser intrigas da oposição “terrorista”, devidamente encarcerada pelo governo democrático de Maduro.
De acordo com estimativas independentes, a inflação anual venezuelana gira perto de 800%. A despeito da falta de ancoragem da economia, a surreal “Superintendência de Preços Justos” tem forçado comerciantes a reduzirem preços entre 30% e 50%. O valor da moeda é tão baixo que já não se conta mais o dinheiro – os lojistas preferem pesar as pilhas de notas que lhes são entregues, repetindo cenas que foram vistas nas hiperinflações da Alemanha após a Primeira Guerra, da Iugoslávia nos anos 90 e do Zimbabwe mais recentemente.
Além do ato misericordioso de produzir notas novas, cortando ou acrescentando zeros, o governo omite e adultera informações para “resolver” os problemas, na linha proposta pela patota que gostaria de ver um “controle democrático” da mídia por aqui. Para Maduro, a inflação resulta de um “ataque econômico” à moeda local, evidentemente arranjado pelos EUA. Recentemente, as fronteiras com Brasil e Colômbia foram fechadas para coibir a “máfia” que pretende desestabilizar a economia.
Os venezuelanos enfrentam horas de filas para comprar itens básicos de consumo. Legiões de mulheres cruzam a fronteira com a Colômbia para vender seus cabelos e comprar um pouco de comida – ganham pelo “trabalho” cerca de USD 20,00, valor semelhante ao do salário mínimo. A prostituição na região fronteiriça tem disparado. Faltam preservativos, contribuindo para que o país registre a maior taxa de gravidez de adolescentes do continente.
As refinarias de petróleo têm operado com menos de metade de sua capacidade. As vendas de automóveis caíram cerca de 80% no mês passado. No terceiro trimestre, 17% das indústrias interromperam operações por falta de insumos. A pesca na região de Sucre despencou para um terço do que foi em 2004. Gangues de pescadores desempregados assaltam os que ainda se aventuram, executando as vítimas. As prisões estão abarrotadas e os presos são tratados de forma ominosa. Os direitos humanos, a livre expressão e o império da lei foram suprimidos.
O sistema educacional colapsou e a degradação das universidades é alarmante. Há notícias de assaltos e estupros em escolas e de roubo de comida destinada a alunos por professores que também passam fome. Os biólogos Jaime Requena e Carlo Caputo reportam que a Venezuela perdeu 15% de seus cientistas, responsáveis por um terço das publicações no país, desde que o chavismo assumiu o poder.
Em entrevista à revista Nature publicada em julho passado, o químico Claudio Bifano, professor da Universidade Central da Venezuela (UCV) e presidente da Academia de Ciências da América Latina, falou sobre a seriedade dos problemas que afligem as escolas e universidades do país. Segundo Bifano, 80% de seus alunos pretendem deixar a Venezuela. Ele é um professor titular com PhD pela Universidade da Califórnia em San Diego. Trabalha há 50 anos na UCV e está no posto mais alto que se pode atingir na instituição. Seu salário mensal é de 40 dólares.
Nem tudo é ruim para os venezuelanos, no entanto. Em 2019, o país deverá finalizar a construção da fábrica de rifles de assalto Kalashnikov AK-103 em parceria com a Rússia. Além disso, a população conta com o precioso apoio do Ministério da Suprema Felicidade Social sem falar, é claro, da solidariedade da esquerda festiva latino-americana, especialmente a galerinha que curte a vida sem riscos e responsabilidades, mamando nas tetas dos estados quebrados.
A desgraça alheia não é motivo de comemoração, muito pelo contrário. Os brasileiros se entristecem com o calvário de nossos irmãos – certamente a vasta maioria que se cansou da incompetência e foi às ruas apoiar o “golpe” para que evitássemos o mesmo caminho. Torçamos por uma mudança para melhor na Venezuela, pelo avanço das reformas no Brasil e por um ano melhor do que o atualmente encomendado. Boas festas e até 2017.
A renda dos brasileiros encolheu 9% em relação ao pico de 2013. Nos últimos dois anos, mais ou menos 250.000 pessoas perderam o emprego a cada mês. Além disso, a expectativa de que o crescimento dará uma respirada em 2017 começa a ser disputada. O flagelo parece não ter fim. Apesar disso, dá para temperar esta última coluna de 2016 com um pouco de esperança.
A melhor forma é louvar o esforço do governo para endireitar as contas públicas, remando contra uma maré violentíssima – vide o gesto de desprendimento dos vereadores de São Paulo nos segundos finais da última sessão da Câmara Municipal. Em um ano que teve de tudo e mais um pouco, é preciso cautela ao declarar vitória, pois uma nova bomba pode cair a qualquer instante. Feita esta ressalva, a mudança de direção é motivo para celebração no dia 31.
O ano que vem será repleto de obstáculos, mas a recompensa pelo esforço de superá-los é afastar o espectro de um destino verdadeiramente hediondo, retratado emblematicamente pela debacle da Venezuela. Apesar de haver uma distância razoável entre a nossa situação e a do vizinho ao norte, o buraco cavado pelo “Socialismo do Século XXI” demarca o ponto final da trajetória que o país percorria com Dilma.
Refletir sobre a desdita venezuelana ajuda a ver com olhos um pouco melhores a conjuntura difícil e favorece o entendimento de que os desafios à frente representam, na verdade, uma oportunidade oferecida aos brasileiros. Eventuais recuos trarão alívios de curto prazo com custos enormes no longo prazo. No meio do caminho, haja estoicismo para absorver os sopapos desferidos por políticos que por incompetência ou malícia ignoram a gravidade da situação.
Como qualquer país exportador de commodities, a Venezuela vem sofrendo com a desaceleração do crescimento mundial. No entanto, o imbróglio em que o país se encontra foi criado domesticamente pelo uso da cartilha de políticas “desenvolvimentistas” que agradam a intelligentsia latino-americana e vira e mexe são aplicadas, sempre com os mesmos resultados.
As iniciativas de Chávez e Maduro foram radicais na dosagem, mas não diferem qualitativamente do receituário pregado, por exemplo, pela autodenominada “ala progressista” brasileira. Um blog de esquerda que costumo acompanhar soltou a seguinte pérola há poucos dias: “(na) Venezuela, a democracia ainda resiste porque a Suprema Corte e as Forças Armadas repelem o golpismo, respaldadas pela ainda forte mobilização popular do chavismo”. Traduzindo, os protestos em massa diante do caos econômico e da violência só podem ser intrigas da oposição “terrorista”, devidamente encarcerada pelo governo democrático de Maduro.
De acordo com estimativas independentes, a inflação anual venezuelana gira perto de 800%. A despeito da falta de ancoragem da economia, a surreal “Superintendência de Preços Justos” tem forçado comerciantes a reduzirem preços entre 30% e 50%. O valor da moeda é tão baixo que já não se conta mais o dinheiro – os lojistas preferem pesar as pilhas de notas que lhes são entregues, repetindo cenas que foram vistas nas hiperinflações da Alemanha após a Primeira Guerra, da Iugoslávia nos anos 90 e do Zimbabwe mais recentemente.
Além do ato misericordioso de produzir notas novas, cortando ou acrescentando zeros, o governo omite e adultera informações para “resolver” os problemas, na linha proposta pela patota que gostaria de ver um “controle democrático” da mídia por aqui. Para Maduro, a inflação resulta de um “ataque econômico” à moeda local, evidentemente arranjado pelos EUA. Recentemente, as fronteiras com Brasil e Colômbia foram fechadas para coibir a “máfia” que pretende desestabilizar a economia.
Os venezuelanos enfrentam horas de filas para comprar itens básicos de consumo. Legiões de mulheres cruzam a fronteira com a Colômbia para vender seus cabelos e comprar um pouco de comida – ganham pelo “trabalho” cerca de USD 20,00, valor semelhante ao do salário mínimo. A prostituição na região fronteiriça tem disparado. Faltam preservativos, contribuindo para que o país registre a maior taxa de gravidez de adolescentes do continente.
As refinarias de petróleo têm operado com menos de metade de sua capacidade. As vendas de automóveis caíram cerca de 80% no mês passado. No terceiro trimestre, 17% das indústrias interromperam operações por falta de insumos. A pesca na região de Sucre despencou para um terço do que foi em 2004. Gangues de pescadores desempregados assaltam os que ainda se aventuram, executando as vítimas. As prisões estão abarrotadas e os presos são tratados de forma ominosa. Os direitos humanos, a livre expressão e o império da lei foram suprimidos.
O sistema educacional colapsou e a degradação das universidades é alarmante. Há notícias de assaltos e estupros em escolas e de roubo de comida destinada a alunos por professores que também passam fome. Os biólogos Jaime Requena e Carlo Caputo reportam que a Venezuela perdeu 15% de seus cientistas, responsáveis por um terço das publicações no país, desde que o chavismo assumiu o poder.
Em entrevista à revista Nature publicada em julho passado, o químico Claudio Bifano, professor da Universidade Central da Venezuela (UCV) e presidente da Academia de Ciências da América Latina, falou sobre a seriedade dos problemas que afligem as escolas e universidades do país. Segundo Bifano, 80% de seus alunos pretendem deixar a Venezuela. Ele é um professor titular com PhD pela Universidade da Califórnia em San Diego. Trabalha há 50 anos na UCV e está no posto mais alto que se pode atingir na instituição. Seu salário mensal é de 40 dólares.
Nem tudo é ruim para os venezuelanos, no entanto. Em 2019, o país deverá finalizar a construção da fábrica de rifles de assalto Kalashnikov AK-103 em parceria com a Rússia. Além disso, a população conta com o precioso apoio do Ministério da Suprema Felicidade Social sem falar, é claro, da solidariedade da esquerda festiva latino-americana, especialmente a galerinha que curte a vida sem riscos e responsabilidades, mamando nas tetas dos estados quebrados.
A desgraça alheia não é motivo de comemoração, muito pelo contrário. Os brasileiros se entristecem com o calvário de nossos irmãos – certamente a vasta maioria que se cansou da incompetência e foi às ruas apoiar o “golpe” para que evitássemos o mesmo caminho. Torçamos por uma mudança para melhor na Venezuela, pelo avanço das reformas no Brasil e por um ano melhor do que o atualmente encomendado. Boas festas e até 2017.