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O índice do medo e a nova crise mundial

Se você quiser saber como anda a temperatura da economia mundial e não tem tempo (ou paciência) para acompanhar o noticiário, basta abrir o Google, digitar a expressão “VIX Index”, e anotar o número que aparece na tela. O índice é relacionado ao intervalo provável de variação da bolsa americana no curto prazo e, por […]

DOW JONES: a fraqueza da economia americana e o risco crescente vindo da China são suficientes para elevar a probabilidade de um cenário de soluços na economia mundial / (Andrew Burton/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 16 de maio de 2016 às 12h17.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h08.

Se você quiser saber como anda a temperatura da economia mundial e não tem tempo (ou paciência) para acompanhar o noticiário, basta abrir o Google, digitar a expressão “VIX Index”, e anotar o número que aparece na tela. O índice é relacionado ao intervalo provável de variação da bolsa americana no curto prazo e, por isso, funciona como uma medida objetiva das incertezas existentes. Recebe também o apelido de “índice do medo”.

Existe uma regra de bolso para interpretar o VIX: se estiver entre 10 e 20, o cenário é suave; entre 20 e 30, o gato está no telhado; acima de 30, a casa pode cair. Naturalmente, o perigo é maior quando o índice permanece mais tempo na zona de risco — e é aí que vale a pena ver também o gráfico. Felizmente, o Google possibilita acompanhar como o VIX tem variado ao longo do tempo (na semana, no mês, em cinco anos, etc.).

A leitura atual revela uma boa notícia e duas más.

A boa é que o índice variou dentro da faixa normal nas últimas semanas, sugerindo que os riscos imediatos estão bem controlados. A primeira má notícia é que, apesar da calmaria, os surtos de nervosismo recentes têm exibido frequência e intensidade que não se viam desde 2012. A segunda má notícia é que, pelo andar da carruagem, estes surtos provavelmente continuarão frequentes, com implicações negativas para o cenário econômico doméstico.

O pano de fundo de um cenário de risco crescente é o fato de que a economia mundial vem patinando há um bom tempo e, desde meados do ano passado, hipóteses pessimistas consideradas remotas — como a de “estagnação secular”, por exemplo — passaram a ser levadas mais a sério.

O cristal quebrou por conta de uma sequência de eventos preocupantes iniciada em julho passado, quando a Grécia, por muito pouco, escapou de ter que abandonar o Euro. Neste momento, a bolsa americana andava mais ou menos de lado, sem sobressaltos, mas também sem força para decolar porque o FED estava para elevar o juro. A China incomodava, mas prevalecia a crença de que o governo controlava a economia. O cenário era medíocre, mas ancorado na fé de que a recuperação americana ganharia força e tiraria o mundo do buraco.

Quando o susto da Grécia parecia controlado, no final de agosto a bolsa americana despencou subitamente mais de 8% em três dias. No dia 24, batizado de “segunda-feira negra”, o VIX superou o patamar de 40, inédito desde o final de 2011. A bolsa chinesa perdeu um quarto do valor em dez dias. Desde então, o tom do cenário global passou de “otimismo cauteloso” para “pessimismo cauteloso”, com risco crescente de ocorrência de mais alguns segura-peruca.

Um dos ingredientes do cenário de maior cautela é a anemia da economia americana. Apesar dos fundamentos relativamente favoráveis que a qualificam como a maior esperança de retomada consistente da economia global, observa-se que a indústria tem enfrentado muita dificuldade de crescer em meio a uma situação de ociosidade ainda elevada, dólar forte e ajuste do setor de energia à realidade de preços mais baixos.

Essas pequenas decepções com a economia americana têm sido potencializadas por uma preocupação crescente com o futuro da economia chinesa. A parte mais saliente do problema é o inchaço da alavancagem financeira e o risco de estouro em conjuntura de menor crescimento. Segundo dados do BIS, o endividamento total supera 250% do PIB na China e, até onde sei, não há precedente de país em desenvolvimento que tenha absorvido um problema desse tamanho sem solavancos.

A parte menos saliente do problema é que já faz um bom tempo que o crescimento chinês não está apoiado em ganhos de produtividade — um elemento essencial para dar sustentabilidade aos investimentos e solidez às dívidas. Como a economia é dirigida pelo partido comunista, faltam mecanismos de correção para alocações ineficientes de capital. Se, de um lado, esta característica possibilita empurrar a conta com a barriga, de outro implica que o buraco tende a crescer bem mais do que o necessário, encarecendo o ajuste.

O governo tem reagido de forma atabalhoada às volatilidades financeiras provocadas pela deterioração do cenário econômico. O partido intui que a solução é deixar o mercado funcionar, mas a determinação desaparece diante dos primeiros sinais de instabilidade. Como resultado, cresce a probabilidade de um ciclo vicioso em que as flutuações inerentes à transição fazem com que os artificialismos aumentem. Cria-se uma bomba-relógio semelhante à que explodiu aqui pelo fracasso da “Nova Matriz”, mas com potencial de causar estragos muito maiores.

Os pressupostos para garantir uma desaceleração suave estão se tornando cada vez menos prováveis. Será difícil expandir o consumo no montante requerido para garantir uma taxa de crescimento do PIB superior a 6% em um cenário em que os investimentos precisam cair. O resultado é uma desaceleração mais forte do crescimento, problema que torna também mais provável uma crise financeira.

A fraqueza da economia americana e o risco crescente vindo da China são fatores suficientes para elevar a probabilidade de um cenário de soluços consideráveis na economia mundial nos próximos anos, talvez nos próximos semestres. Por isso, é bom acompanhar diariamente a evolução do “índice do medo”, torcer para que ele continue adormecido, e para que o governo interino seja rápido na reconstrução das defesas da economia brasileira.

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Se você quiser saber como anda a temperatura da economia mundial e não tem tempo (ou paciência) para acompanhar o noticiário, basta abrir o Google, digitar a expressão “VIX Index”, e anotar o número que aparece na tela. O índice é relacionado ao intervalo provável de variação da bolsa americana no curto prazo e, por isso, funciona como uma medida objetiva das incertezas existentes. Recebe também o apelido de “índice do medo”.

Existe uma regra de bolso para interpretar o VIX: se estiver entre 10 e 20, o cenário é suave; entre 20 e 30, o gato está no telhado; acima de 30, a casa pode cair. Naturalmente, o perigo é maior quando o índice permanece mais tempo na zona de risco — e é aí que vale a pena ver também o gráfico. Felizmente, o Google possibilita acompanhar como o VIX tem variado ao longo do tempo (na semana, no mês, em cinco anos, etc.).

A leitura atual revela uma boa notícia e duas más.

A boa é que o índice variou dentro da faixa normal nas últimas semanas, sugerindo que os riscos imediatos estão bem controlados. A primeira má notícia é que, apesar da calmaria, os surtos de nervosismo recentes têm exibido frequência e intensidade que não se viam desde 2012. A segunda má notícia é que, pelo andar da carruagem, estes surtos provavelmente continuarão frequentes, com implicações negativas para o cenário econômico doméstico.

O pano de fundo de um cenário de risco crescente é o fato de que a economia mundial vem patinando há um bom tempo e, desde meados do ano passado, hipóteses pessimistas consideradas remotas — como a de “estagnação secular”, por exemplo — passaram a ser levadas mais a sério.

O cristal quebrou por conta de uma sequência de eventos preocupantes iniciada em julho passado, quando a Grécia, por muito pouco, escapou de ter que abandonar o Euro. Neste momento, a bolsa americana andava mais ou menos de lado, sem sobressaltos, mas também sem força para decolar porque o FED estava para elevar o juro. A China incomodava, mas prevalecia a crença de que o governo controlava a economia. O cenário era medíocre, mas ancorado na fé de que a recuperação americana ganharia força e tiraria o mundo do buraco.

Quando o susto da Grécia parecia controlado, no final de agosto a bolsa americana despencou subitamente mais de 8% em três dias. No dia 24, batizado de “segunda-feira negra”, o VIX superou o patamar de 40, inédito desde o final de 2011. A bolsa chinesa perdeu um quarto do valor em dez dias. Desde então, o tom do cenário global passou de “otimismo cauteloso” para “pessimismo cauteloso”, com risco crescente de ocorrência de mais alguns segura-peruca.

Um dos ingredientes do cenário de maior cautela é a anemia da economia americana. Apesar dos fundamentos relativamente favoráveis que a qualificam como a maior esperança de retomada consistente da economia global, observa-se que a indústria tem enfrentado muita dificuldade de crescer em meio a uma situação de ociosidade ainda elevada, dólar forte e ajuste do setor de energia à realidade de preços mais baixos.

Essas pequenas decepções com a economia americana têm sido potencializadas por uma preocupação crescente com o futuro da economia chinesa. A parte mais saliente do problema é o inchaço da alavancagem financeira e o risco de estouro em conjuntura de menor crescimento. Segundo dados do BIS, o endividamento total supera 250% do PIB na China e, até onde sei, não há precedente de país em desenvolvimento que tenha absorvido um problema desse tamanho sem solavancos.

A parte menos saliente do problema é que já faz um bom tempo que o crescimento chinês não está apoiado em ganhos de produtividade — um elemento essencial para dar sustentabilidade aos investimentos e solidez às dívidas. Como a economia é dirigida pelo partido comunista, faltam mecanismos de correção para alocações ineficientes de capital. Se, de um lado, esta característica possibilita empurrar a conta com a barriga, de outro implica que o buraco tende a crescer bem mais do que o necessário, encarecendo o ajuste.

O governo tem reagido de forma atabalhoada às volatilidades financeiras provocadas pela deterioração do cenário econômico. O partido intui que a solução é deixar o mercado funcionar, mas a determinação desaparece diante dos primeiros sinais de instabilidade. Como resultado, cresce a probabilidade de um ciclo vicioso em que as flutuações inerentes à transição fazem com que os artificialismos aumentem. Cria-se uma bomba-relógio semelhante à que explodiu aqui pelo fracasso da “Nova Matriz”, mas com potencial de causar estragos muito maiores.

Os pressupostos para garantir uma desaceleração suave estão se tornando cada vez menos prováveis. Será difícil expandir o consumo no montante requerido para garantir uma taxa de crescimento do PIB superior a 6% em um cenário em que os investimentos precisam cair. O resultado é uma desaceleração mais forte do crescimento, problema que torna também mais provável uma crise financeira.

A fraqueza da economia americana e o risco crescente vindo da China são fatores suficientes para elevar a probabilidade de um cenário de soluços consideráveis na economia mundial nos próximos anos, talvez nos próximos semestres. Por isso, é bom acompanhar diariamente a evolução do “índice do medo”, torcer para que ele continue adormecido, e para que o governo interino seja rápido na reconstrução das defesas da economia brasileira.

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