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O dragão inflacionário não morreu, mas está desanimado

Apesar de não estar batendo um bolão, a economia encontra-se bem melhor do que há poucos meses. Aumentam as evidências de que batemos no fundo do poço e, lá na frente, ainda fraquinha, começa a brilhar uma luz. Apesar da lista de motivos para ficar cabisbaixo, o comportamento bastante favorável da inflação é a principal […]

COMPRAS: aumentam as evidências de que batemos no fundo do poço e, lá na frente, ainda fraquinha, começa a brilhar uma luz / Ricardo Matsukawa / VEJA (Ricardo Matsukawa/VEJA)
COMPRAS: aumentam as evidências de que batemos no fundo do poço e, lá na frente, ainda fraquinha, começa a brilhar uma luz / Ricardo Matsukawa / VEJA (Ricardo Matsukawa/VEJA)
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Celso Toledo

Publicado em 20 de março de 2017 às, 10h50.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h13.

Apesar de não estar batendo um bolão, a economia encontra-se bem melhor do que há poucos meses. Aumentam as evidências de que batemos no fundo do poço e, lá na frente, ainda fraquinha, começa a brilhar uma luz. Apesar da lista de motivos para ficar cabisbaixo, o comportamento bastante favorável da inflação é a principal razão ter esperança. Não dá para afirmar que o dragão esteja liquidado, mas ele esmoreceu e, pelo jeitão, vai demorar a recuperar o ânimo. Entrementes, abre-se espaço para um relaxamento expressivo (e responsável) da política monetária, capaz de colocar a economia novamente nos trilhos.

Para não perder o hábito, comecemos com o lado meio vazio do copo. Em prazos mais longos, a inflação está intimamente ligada à responsabilidade do governo no manejo de seu orçamento. Quando o setor público insiste em gastar mais do que pode e esgota a capacidade de empurrar a conta com a barriga elevando a dívida, a “solução” é dar um calote. Ao invés do cano explícito, custoso politicamente, os governantes preferem deixar a inflação voar, pois sempre é possível atribuir a alta dos preços a algum bode expiatório, tipicamente a ganância dos empresários e dos rentistas – vide a Venezuela. Neste sentido ainda não dá para declarar vitória.

A ligação entre sustentabilidade fiscal e inflação está praticamente fora do debate na maioria dos países desenvolvidos, onde os governos colhem os frutos de uma reputação construída a duras penas. Os EUA e o Reino Unido nunca deram calote em seus credores externos. O último aplicado pelo governo francês ocorreu na época das guerras napoleônicas. A Alemanha reestruturou passivos após a grande depressão, mas limpou o nome e paga o carnê em dia desde 1954. O Japão, que entrou em default na Segunda Guerra, está com o cadastro normalizado desde 1953. Isso garante crédito em boas condições. Todos estes países também não expropriaram credores domésticos nos últimos duzentos anos.

Abrindo parênteses, o histórico de estabilidade de preços é algo tão enraizado fora dos trópicos que a profissão tem se dedicado a entender as variações da inflação em torno de patamares baixos, com resultados surpreendentes, que desafiam as prescrições do manual. Um trabalho recentíssimo conduzido por acadêmicos e profissionais acima de qualquer suspeita está pondo em xeque a importância de medidas de ociosidade no mercado de trabalho e das expectativas na determinação da trajetória da inflação – algo bem revolucionário. Aposto que, em breve, teremos o aborrecimento de ver a “ala progressista” denunciando a maldade de nosso Banco Central a partir desse trabalho – que foi citado em matéria do Wall Street Journal com o título “tudo que o mercado pensa sobre inflação pode estar errado”. Fechando parênteses.

No nosso mundinho, o modelo consagrado continua válido, em qualquer prazo. A América Latina tem uma longa tradição de inflação alta e rompimentos de contratos. Em 80% do tempo desde 1800, pelo menos um dos 18 principais países da região teve o nome sujo. Nos anos 30, 80 e 90 houve momentos em que nada menos do que 15 companheiros regionais tinham problemas com credores estrangeiros. O último ano com todos adimplentes não está tão distante: foi em 1973. Isso sem falar dos “calotes” internos, geralmente pela via inflacionária, como os que tivemos aqui em 1986, 87 e 90. O Brasil regularizou plenamente sua situação apenas em 1994. Com essa capivara, é natural que os “rentistas” fiquem com a pulga atrás da orelha quando observam os governantes detonando as contas públicas.

Chegamos a achar que a questão estivesse superada no Brasil com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000. Infelizmente, no entanto, retrocedemos desde 2012 e a situação voltou a ser crítica. Sem a aprovação de reformas que viabilizem o cumprimento da PEC do teto, o dispêndio público caminhará rapidamente para mais de 40% do PIB em um horizonte inferior a dez anos. Não há como financiar gastos deste tamanho sem sufocar a economia. Apenas para referência, a carga tributária média em países emergentes, que concorrem conosco, é de 26,7% do PIB. Aprovar reformas impopulares no meio de uma recessão sem precedentes será tarefa dificílima, sujeita a imprevistos. Enquanto o nó não for desatado, não dá para falar em superação definitiva do risco inflacionário.

Dito isso, a dinâmica dos preços no curto prazo tem sido muito favorável. A variação em 12 meses da inflação foi inferior a 5% em fevereiro, devendo chegar muito próxima da meta de 4,5% em março, a julgar pelas expectativas de consenso. A última vez que o Brasil registrou inflação abaixo de 5% de forma sustentada foi antes da crise financeira. A tendência de desinflação é confirmada pelo comportamento dos componentes do IPCA menos sensíveis ao ciclo econômico e a oscilações idiossincráticas. A inflação de serviços, mais resistente, caiu de 8% para 6%. As medidas de “núcleo da inflação”, que excluem os componentes erráticos, sugerem os preços podem já estar subindo em ritmo coerente com a meta de 4,5%.

Com a inflação domada no curto prazo, o Banco Central tem espaço para ser mais agressivo na condução da política monetária – especialmente se usar a margem de manobra que possui para adotar uma visão, digamos, mais holística dos determinantes das expectativas inflacionárias. A nova diretoria tem cacife para correr o risco e, a julgar pela ata da última reunião, o Copom não descarta acelerar o passo da redução do juro. Na verdade, é possível argumentar que, com a inflação gravitando próxima da meta, faz sentido chegar mais rapidamente ao “juro neutro” – compatível com manutenção da inflação.

É verdade que ninguém conhece esse valor, mas muito provavelmente ele é bem inferior aos 12,25% atuais. Uma conta de padaria é tomar o juro real de equilíbrio no mundo desenvolvido (cerca de 2%), adicionar o risco Brasil (também cerca de 2%) e a meta de inflação (4,5%). Esta conta dá 8,5%. Portanto, se o BC topar reduzir a Selic em passos de 100 pontos, o “juro neutro” seria atingido após quatro reuniões, com o ajuste derradeiro de 75 pontos, havendo tempo de sobra para reavaliar a estratégia se as condições exigirem. No momento em que este texto foi redigido, no final da semana passada, o mercado financeiro atribuía probabilidade de cerca de 60% para uma aceleração do ritmo de queda da Selic de 75 para 100 pontos. Acho que a probabilidade é maior do que essa.

A queda do juro deverá fazer muita diferença, especialmente no alívio do estresse de crédito para as empresas, fundamental para dar suporte à confiança e ao crescimento.

celsonovo