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O dólar continuará forte e é a menor ameaça à economia americana

O dólar foi homenageado por Donald Trump em entrevista recente ao Wall Street Journal. A força da moeda americana estaria “matando” a economia, particularmente no que diz respeito à competição com a China – uma “manipuladora cambial”. A declaração foi reiterada por assessores mais afinados com o que se passa no mundo real como, por […]

DÓLAR: o PIB americano perde terreno, mas a moeda americana segue inabalável como reserva cambial   / iStock / Getty Images (iStock/Getty Images)
DÓLAR: o PIB americano perde terreno, mas a moeda americana segue inabalável como reserva cambial / iStock / Getty Images (iStock/Getty Images)
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Celso Toledo

Publicado em 30 de janeiro de 2017 às, 11h02.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h09.

O dólar foi homenageado por Donald Trump em entrevista recente ao Wall Street Journal. A força da moeda americana estaria “matando” a economia, particularmente no que diz respeito à competição com a China – uma “manipuladora cambial”.

A declaração foi reiterada por assessores mais afinados com o que se passa no mundo real como, por exemplo, o Secretário do Tesouro. Talvez por esta razão, ao invés de ser interpretada como uma nova leviandade do presidente, a fala tenha marcado a inflexão no comportamento do dólar, invertendo-se o ciclo de alta iniciado após a eleição.

Será o começo do fim da trajetória de fortalecimento do dólar que se iniciou há dois anos? Creio que não, mesmo diante dos estrebuchamentos do novo mandatário.

Cumpre notar de início que o temperamento do presidente não é inócuo. Dentre os inúmeros vieses que distorcem a capacidade cognitiva das pessoas, o excesso de confiança é um dos que mais prejudicam a qualidade das decisões. O magnata despreza com orgulho o saber estabelecido e é particularmente susceptível a acreditar na própria habilidade, controle e chance de sucesso.

Como presidentes têm muito poder, o estrago encomendado por sua assertividade não será trivial, sobretudo no tocante ao comércio internacional, matéria em que as políticas que intuitivamente parecem fazer sentido são as mais deletérias na prática.

Sendo assim, se a aposta fosse para o longo prazo, quando estaremos mortos, meu palpite é que o republicano presta um desserviço à moeda de seu país.

No curto prazo, no entanto, o dólar forte está aí para ficar. A tendência de alta se iniciou em 2014 não como resultado de manipulações, mas na esteira da recuperação da economia americana. Diante das dificuldades enfrentadas pela Europa, Japão, China e emergentes em geral, os agentes começaram a antecipar uma ampliação da divergência entre a política do FED relativamente às dos demais bancos centrais.

É simples verificar isso por meio de uma comparação entre a trajetória de qualquer índice que meça o valor do dólar e o diferencial de juros para prazos relativamente curtos entre EUA e pares, naturalmente descontando-se prêmios de risco. O futuro da moeda americana no curto prazo dependerá, portanto, da evolução de expectativas para taxas de juros.

As cartas serão dadas basicamente pelo FED porque as demais economias avançadas estão adormecidas e as emergentes perdendo fôlego. Antes de Trump, prevalecia a tese de que a divergência dos últimos anos provavelmente continuaria aumentando por um tempo antes de voltar ao normal no médio prazo. Após a tragédia, a probabilidade desse cenário aumentou.

A taxa de desemprego encontra-se próxima de seu patamar de equilíbrio nos EUA. Apesar da ociosidade menor, a economia avança em ritmo igual ou ligeiramente superior ao potencial de longo prazo. A confiança média dos agentes retornou ao patamar pré-crise. A taxa de inflação e o custo do trabalho estão evoluindo, ainda que lentamente.

Diante da normalização das variáveis macroeconômicas, o juro também tem que retornar para casa. Ninguém sabe exatamente o seu valor “normal”, como lembrou a presidente do FED há alguns dias. Muito provavelmente ele é menor do que costumava ser, mas bem maior do que está.

Há indícios de que a farta liquidez global começa a acordar a inflação não apenas nos EUA. O ciclo de baixa de cotações de commodities mudou, atenuando sensivelmente a deflação de preços ao produtor em diversos países. No G20, a inflação mediana no último trimestre do ano passado, ainda baixa, deve ter sido a mais alta desde o final de 2014. Nada para arrepiar o cabelo, mas uma mudança relevante em relação à norma dos últimos anos.

Neste contexto em geral mais propenso a elevações de preços, o novo presidente promete adotar uma política fiscal fortemente expansionista. Como ele tem cumprido até as promessas mais bizarras, seria estranho que justamente esta não avançasse. O FED evidentemente não ficará de braços cruzados e, para a desgraça de Trump, ele não poderá tratar Janet Yellen como uma participante de “The Apprentice” – pelo menos por dois anos.

É possível que tudo já “esteja no preço”. De fato, o mercado prevê quatro aumentos do juro até o final de 2018 – supondo que o FED adotará passos de 25 pontos de porcentagem. O cenário sinalizado pelo FED é, no entanto, mais agressivo que o implícito nos contratos futuros. No passado recente, a cautela do mercado prevaleceu sobre as indicações do FED. Mas isso não significa que o padrão se repetirá e, de resto, o dólar tenderá a ficar onde está se mercado estiver certo e a apreciar se o FED prevalecer – como acho que irá.

Há ainda outro efeito favorável ao dólar, mais sutil, mas igualmente poderoso. A proposta republicana de isentar exportações e tributar importações conhecida como “ajuste de fronteira”, e aplicada mundo afora, é uma espécie de ovo de Colombo. A medida é capaz de arrecadar bastante dinheiro porque a economia americana é deficitária, particularmente contra o México (que, por isso, “pagaria o muro”); agrada o establishment do partido que defende a ideia há bastante tempo; e tem a vantagem de não irritar demasiadamente os liberais porque, em equilíbrio, a medida tende a ser neutra do ponto de vista econômico – não é “protecionismo”.

A pegadinha é que o dólar tem que se apreciar proporcionalmente ao novo imposto para garantir a neutralidade – na verdade, um pouquinho mais. A alíquota que está em discussão é de 20%. Se for isso, a teoria econômica prevê que o dólar tem que apreciar uns 25% ou 30% no novo equilíbrio. Ou seja, ninguém segura a verdinha. A tendência do dólar é para cima com ou sem Trump. Um presidente vaidoso, mas sensato, evitaria comentar o assunto e, se o fizesse, seria em tom de comemoração. Mas Trump é Trump e vice-versa.

celsonovo