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O dilema do Big Mac: existe preço “justo” para o dólar?

Vira e mexe essa pergunta aparece quando a cotação do dólar varia bastante, especialmente para baixo, diminuindo a geração de caixa dos exportadores. A resposta simples é “sim, presumivelmente o preço atual”. De fato, as moedas são negociadas no mercado mais líquido do mundo, com movimento diário de cerca de cinco trilhões de dólares – […]

Big Mac: campanha comemora 50 anos do sanduíche mais famoso da rede (McDonald's/Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 28 de fevereiro de 2017 às 19h16.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h33.

Vira e mexe essa pergunta aparece quando a cotação do dólar varia bastante, especialmente para baixo, diminuindo a geração de caixa dos exportadores. A resposta simples é “sim, presumivelmente o preço atual”. De fato, as moedas são negociadas no mercado mais líquido do mundo, com movimento diário de cerca de cinco trilhões de dólares – um Brasil a cada 10 horas. Como o dólar e o real fazem parte do grupo de moedas flutuantes, pode-se afirmar que sua paridade é sempre “justa”.

Muitas respostas indubitavelmente corretas deixam a desejar em alguns aspectos – esta é uma delas. O preço atual do dólar influencia a tomada de decisões que rebatem no próprio dólar após um tempo, como um bumerangue. Por exemplo, quando está “barato”, o dólar estimula importações e desestimula exportações, gerando um fluxo negativo de reservas que no futuro terá que ser compensado. Nesse caso, a queda do dólar no presente semeia seu encarecimento no futuro para restaurar o equilíbrio.

O ponto é que os ajustes que ocorrem no “lado real” são lentos, irregulares e sujeitos a defasagens longas por conta de uma série de fricções, como a existência de contratos, ambientes competitivos imperfeitos e dificuldade de encontrar clientes e fornecedores em outros países. Essa lerdeza aumenta a volatilidade nos mercados de ativos, menos imperfeitos. Nesses mercados os preços são sempre “justos”, mas, pelas razões acima, frequentemente descolados dos fundamentos. Os fundamentos prevalecem com o passar do tempo, mas infelizmente o timing e a intensidade são menos previsíveis que o ideal. Com hipóteses pouco restritivas, o saudoso Rudiger Dornbush chegou a esta conclusão em um artigo primoroso publicado em 1976.

Por esta e por outras, quando os economistas mencionam o valor “justo” de uma moeda sabem que o terreno é movediço, mas estão tentando adivinhar seu preço quando houver a correção de desequilíbrios que afetam contemporaneamente a cotação da moeda. Por exemplo, o câmbio tende a mudar quando a economia sai de uma recessão e passa a crescer normalmente, quando a inflação se estabiliza e o Banco Central decide reduzir o juro, quando sai o resultado de uma eleição, quando passa o pânico após um atentado terrorista, etc. Trata-se de tarefa difícil e, para dizer a verdade, frequentemente mal sucedida.

Mas a questão é relevante mesmo assim e, se é difícil prever para onde vai o câmbio, é interessante que se conheça ao menos as razões que poderão fazer o bicho ir para um lado ou outro.

O passo inicial para (tentar) aferir pistas sobre o que deve ser o valor “justo” do real em relação ao dólar é dar uma olhada no estado do dólar contra a maioria. A julgar pela cesta ampla computada pelo FED, a moeda americana encontra-se atualmente apreciada. O valor atual do índice está aproximadamente 15% acima de sua tendência normal. Nos últimos 45 anos, a distância em relação ao valor típico foi menor do que esta em 90% do tempo.

A força atual da moeda americana tem duas explicações. Em primeiro lugar, os EUA estão mais bem posicionados para sair do atoleiro criado pela crise financeira do que seus pares: o desemprego está baixo, a inflação sobe lentamente e o setor bancário está saneado. Segundo, o presidente recém-eleito promete colocar mais lenha na fogueira. Sendo assim, é possível fazer duas inferências com relação ao futuro do dólar. Em um prazo mais longo, quando as demais economias se recuperarem, a tendência é de enfraquecimento. No curto prazo, no entanto, ele tende a continuar forte – talvez até se fortalecer um pouco mais.

O passo seguinte é ver o índice Big Mac, computado pela revista britânica The Economist, para ter uma ideia dos lugares “caros” e “baratos”. A “burgernomics” está ancorada na teoria da Paridade do Poder de Compra (PPC), uma ideia antiga segundo a qual as taxas de câmbio mudam no longo prazo de modo a igualar os preços entre os países, em sua versão mais forte, ou para compensar diferenciais de inflação na versão mais light. Uma das grandes vantagens da comparação de preços do mesmo produto mundo afora é ter uma visão absoluta do custo de vida entre as nações – nem sempre é bom ser light.

Apesar de ser extremamente simples e de ter começado quase como uma brincadeira, o índice Big Mac deve ser respeitado. Ele tem registrado vitórias importantes desde que surgiu em 1986, algumas contra as opiniões dos mais respeitados economistas especializados em macroeconomia internacional. A reputação do sanduíche só não é mais elevada que seu teor calórico: o índice foi objeto de pesquisa séria publicada, por exemplo, no “Economics Bulletin”, “Economics Letters”, “Economic Journal” e “International Journal of Finance and Economics”.

O número 1 custava 5,06 dólares e 16,50 reais nos EUA e Brasil, respectivamente, em janeiro de 2017. Ao câmbio médio atual de R$/US$ 3,10, nosso hambúrguer sai por 5,32 dólares, 5% a mais do que o comprado pelos americanos. Como vimos acima, os gringos não estão pagando pouco pelo almoço, a ponto de seu presidente espernear, acusando meio mundo de “manipular moedas”. Sob a métrica do hambúrguer, o Brasil só não é mais caro que Suíça, Noruega e Suécia. Perdemos também da Venezuela, mas por outros motivos.

Olhando este fundamento, o dólar teria que valer 4,50 reais para o Big Mac custar aqui o que custa em média nos países latino-americanos. Este é também aproximadamente o valor do câmbio “justo” obtido por metodologia semelhante à da “burgernomics”, baseada na PPC light, mas que utiliza os índices amplos de preços de Brasil e EUA. Neste caso, o dólar real médio é de 4,80 dólares, desde 1947, e R$ 4,20 dólares, desde a estabilização da inflação em 1994 e também desde a flutuação do câmbio em 1999.

Usando algumas versões da “lei do preço único”, portanto, o dólar está barato demais por aqui e se o passado serve de guia, deverá encarecer mais cedo ou mais tarde. Mas a história não acaba aí. Outros fatores devem ser levados em consideração. Um em particular é capaz de mudar radicalmente a conclusão. Volto ao tema quando a folia acabar.

celsonovo

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Vira e mexe essa pergunta aparece quando a cotação do dólar varia bastante, especialmente para baixo, diminuindo a geração de caixa dos exportadores. A resposta simples é “sim, presumivelmente o preço atual”. De fato, as moedas são negociadas no mercado mais líquido do mundo, com movimento diário de cerca de cinco trilhões de dólares – um Brasil a cada 10 horas. Como o dólar e o real fazem parte do grupo de moedas flutuantes, pode-se afirmar que sua paridade é sempre “justa”.

Muitas respostas indubitavelmente corretas deixam a desejar em alguns aspectos – esta é uma delas. O preço atual do dólar influencia a tomada de decisões que rebatem no próprio dólar após um tempo, como um bumerangue. Por exemplo, quando está “barato”, o dólar estimula importações e desestimula exportações, gerando um fluxo negativo de reservas que no futuro terá que ser compensado. Nesse caso, a queda do dólar no presente semeia seu encarecimento no futuro para restaurar o equilíbrio.

O ponto é que os ajustes que ocorrem no “lado real” são lentos, irregulares e sujeitos a defasagens longas por conta de uma série de fricções, como a existência de contratos, ambientes competitivos imperfeitos e dificuldade de encontrar clientes e fornecedores em outros países. Essa lerdeza aumenta a volatilidade nos mercados de ativos, menos imperfeitos. Nesses mercados os preços são sempre “justos”, mas, pelas razões acima, frequentemente descolados dos fundamentos. Os fundamentos prevalecem com o passar do tempo, mas infelizmente o timing e a intensidade são menos previsíveis que o ideal. Com hipóteses pouco restritivas, o saudoso Rudiger Dornbush chegou a esta conclusão em um artigo primoroso publicado em 1976.

Por esta e por outras, quando os economistas mencionam o valor “justo” de uma moeda sabem que o terreno é movediço, mas estão tentando adivinhar seu preço quando houver a correção de desequilíbrios que afetam contemporaneamente a cotação da moeda. Por exemplo, o câmbio tende a mudar quando a economia sai de uma recessão e passa a crescer normalmente, quando a inflação se estabiliza e o Banco Central decide reduzir o juro, quando sai o resultado de uma eleição, quando passa o pânico após um atentado terrorista, etc. Trata-se de tarefa difícil e, para dizer a verdade, frequentemente mal sucedida.

Mas a questão é relevante mesmo assim e, se é difícil prever para onde vai o câmbio, é interessante que se conheça ao menos as razões que poderão fazer o bicho ir para um lado ou outro.

O passo inicial para (tentar) aferir pistas sobre o que deve ser o valor “justo” do real em relação ao dólar é dar uma olhada no estado do dólar contra a maioria. A julgar pela cesta ampla computada pelo FED, a moeda americana encontra-se atualmente apreciada. O valor atual do índice está aproximadamente 15% acima de sua tendência normal. Nos últimos 45 anos, a distância em relação ao valor típico foi menor do que esta em 90% do tempo.

A força atual da moeda americana tem duas explicações. Em primeiro lugar, os EUA estão mais bem posicionados para sair do atoleiro criado pela crise financeira do que seus pares: o desemprego está baixo, a inflação sobe lentamente e o setor bancário está saneado. Segundo, o presidente recém-eleito promete colocar mais lenha na fogueira. Sendo assim, é possível fazer duas inferências com relação ao futuro do dólar. Em um prazo mais longo, quando as demais economias se recuperarem, a tendência é de enfraquecimento. No curto prazo, no entanto, ele tende a continuar forte – talvez até se fortalecer um pouco mais.

O passo seguinte é ver o índice Big Mac, computado pela revista britânica The Economist, para ter uma ideia dos lugares “caros” e “baratos”. A “burgernomics” está ancorada na teoria da Paridade do Poder de Compra (PPC), uma ideia antiga segundo a qual as taxas de câmbio mudam no longo prazo de modo a igualar os preços entre os países, em sua versão mais forte, ou para compensar diferenciais de inflação na versão mais light. Uma das grandes vantagens da comparação de preços do mesmo produto mundo afora é ter uma visão absoluta do custo de vida entre as nações – nem sempre é bom ser light.

Apesar de ser extremamente simples e de ter começado quase como uma brincadeira, o índice Big Mac deve ser respeitado. Ele tem registrado vitórias importantes desde que surgiu em 1986, algumas contra as opiniões dos mais respeitados economistas especializados em macroeconomia internacional. A reputação do sanduíche só não é mais elevada que seu teor calórico: o índice foi objeto de pesquisa séria publicada, por exemplo, no “Economics Bulletin”, “Economics Letters”, “Economic Journal” e “International Journal of Finance and Economics”.

O número 1 custava 5,06 dólares e 16,50 reais nos EUA e Brasil, respectivamente, em janeiro de 2017. Ao câmbio médio atual de R$/US$ 3,10, nosso hambúrguer sai por 5,32 dólares, 5% a mais do que o comprado pelos americanos. Como vimos acima, os gringos não estão pagando pouco pelo almoço, a ponto de seu presidente espernear, acusando meio mundo de “manipular moedas”. Sob a métrica do hambúrguer, o Brasil só não é mais caro que Suíça, Noruega e Suécia. Perdemos também da Venezuela, mas por outros motivos.

Olhando este fundamento, o dólar teria que valer 4,50 reais para o Big Mac custar aqui o que custa em média nos países latino-americanos. Este é também aproximadamente o valor do câmbio “justo” obtido por metodologia semelhante à da “burgernomics”, baseada na PPC light, mas que utiliza os índices amplos de preços de Brasil e EUA. Neste caso, o dólar real médio é de 4,80 dólares, desde 1947, e R$ 4,20 dólares, desde a estabilização da inflação em 1994 e também desde a flutuação do câmbio em 1999.

Usando algumas versões da “lei do preço único”, portanto, o dólar está barato demais por aqui e se o passado serve de guia, deverá encarecer mais cedo ou mais tarde. Mas a história não acaba aí. Outros fatores devem ser levados em consideração. Um em particular é capaz de mudar radicalmente a conclusão. Volto ao tema quando a folia acabar.

celsonovo

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