Inflação deve surpreender positivamente
O Banco Central vê a inflação caindo em todas as simulações que divulgou no final de junho. Os termômetros do setor privado apontam para o mesmo sentido. De acordo com a pesquisa Focus, a inflação fechará em 5,3% em 2017. Naturalmente, estes cenários não devem ser tomados a ferro e fogo. O Banco Central, por […]
Publicado em 18 de julho de 2016 às, 12h30.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 17h55.
O Banco Central vê a inflação caindo em todas as simulações que divulgou no final de junho. Os termômetros do setor privado apontam para o mesmo sentido. De acordo com a pesquisa Focus, a inflação fechará em 5,3% em 2017. Naturalmente, estes cenários não devem ser tomados a ferro e fogo. O Banco Central, por exemplo, admite haver chance de 25% de que suas projeções subestimem o alvo em mais de um ponto percentual, mesmo que todas as premissas adotadas na construção dos cenários se concretizem.
Reconhecendo que prognósticos econômicos devem ser feitos com humildade (e usados com precaução), tenho obtido cenários de inflação ainda mais otimistas do que os consensuais, mesmo quando parto de premissas semelhantes para os determinantes usuais da inflação. Além disso, pode haver conservadorismo excessivo nessas premissas. Se for verdade, mais uma razão para esperar que o dragão perca força nos próximos meses. Será o Benedito?
O que determina o rumo da inflação? Em uma economia “indexada” e com histórico de descumprimento de metas, a inflação transforma-se em fenômeno resistente e propenso ao inchaço diante de qualquer perturbação. A complacência faz com que os ajustes de preços e contratos atrelados à inflação passada sejam mais frequentes e mais generosos. Sobe o preço do trigo e em pouco tempo o computador fica mais caro.
Além do vínculo com o passado ou “inércia”, a inflação depende também do comportamento de preços de commodities, do valor do dólar e de tarifas controladas pelo governo. As pressões advindas desses fatores propagam-se com mais ou menos facilidade dependendo da existência de ociosidades na economia, seja no mercado de trabalho, seja no uso da capacidade produtiva instalada. A inflação fica adormecida quando há folga, e sobe caso contrário.
Como as premissas para commodities, câmbio e tarifas são conhecidas, o pulo do gato é desvendar a evolução da ociosidade. Isso gera controvérsia por duas razões. Em primeiro lugar, não é trivial medir a ociosidade em “tempo real” porque ela depende do potencial de crescimento da economia, uma variável que não é observada diretamente. Em segundo lugar, mesmo admitindo que a ociosidade seja conhecida, sua trajetória depende das políticas monetária, fiscal e creditícia e também de aspectos subjetivos como a “confiança” dos agentes – todos de difícil previsão.
O ponto que quero destacar é que a complexidade da tarefa de adivinhar a inflação foi dificultada recentemente pela insistência do governo em perseguir políticas econômicas inconsistentes que, além de tornarem a meta de inflação irrelevante, comprometeram o potencial de crescimento da economia, atrapalhando a leitura dos indicadores de ociosidade. Como saber, no meio de uma recessão sem precedentes, se a elevação do desemprego representa ociosidade desinflacionária ou queda de potencial de crescimento derivada de barbeiragens da política econômica?
A boa notícia é que as perspectivas mudaram. O governo interino pretende praticar uma política econômica mais consistente e, pelo que se viu até agora, o setor privado está gostando. A confiança está melhorando a olhos vistos, com três impactos favoráveis e imediatos para a dinâmica da inflação. Primeiro, o real se fortalece, barateando produtos importados. Segundo, a retomada da confiança diminui o risco na interpretação dos indicadores de ociosidade – os velhos modelos de projeção de inflação estão fazendo mais sentido. Terceiro, uma meta mais crível diminui a influência do passado na formação de expectativas, ancorando a inflação.
Essas razões tornam os cenários de inflação mais benignos e, em um mundo governado pelas expectativas, aumenta a chance de que a inflação continue perdendo força – uma espécie de almoço grátis em que a aceleração do crescimento é acompanhada de menor inflação.
Retirei do armário um modelo que projeta simultaneamente a evolução da inflação e das expectativas que costumava usar no tempo em que a meta era levada mais a sério. Ao colocar as premissas consensuais do mercado, obtive inflação um pouco inferior a 4,5% para o ano que vem, mesmo ajustando para baixo a ociosidade registrada pelo indicador que alimenta o modelo – a média entre a taxa de desemprego e o nível de utilização da capacidade instalada na indústria.
Não custa reforçar que as incertezas em exercícios desse tipo são relevantes, mas o cenário relativamente otimista é corroborado pelo comportamento de indicadores de inflação que expurgam preços suscetíveis a oscilações de curto prazo. Um indicador que costumo olhar vinha mostrando inflação resistente em torno de 7%, nunca menos do que 6,8%, desde meados de 2013. Em junho, a variação caiu para 6,6%. Parece que a inércia está diminuindo, aumentando a chance de que um Banco Central com mais credibilidade cumpra a missão com menos esforço.
Os cenários de consenso para a inflação pressupõem depreciação da taxa de câmbio. No entanto, na medida em que se cristaliza a tendência de estabilização da economia, cai a percepção de risco e aumenta a atratividade dos ativos brasileiros, fortalecendo o real. Reforça-se o cenário de inflação em queda, criando-se um ciclo favorável que pode fazer com que os agentes deixem de adicionar um “chorinho” em todas as projeções que dependam do cenário de inflação. Se isso ocorrer, a inflação cairá ainda mais.
Resumindo, aumento de credibilidade da política econômica, ociosidade elevada em um cenário de retomada da confiança e viés de fortalecimento do real podem quebrar a inércia e fazer a inflação cair mais do que se espera. O Congresso Nacional pode piorar tudo isso num piscar de olhos, mas aí são outros quinhentos.