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Análise: Incerteza política hoje é retrocesso amanhã

Em condições favoráveis, bastaria um presidente moderado, capaz de criar governabilidade política e econômica, para fazer o o Brasil avançar

NOVO PRESIDENTE: Como o show do Chacrinha, eleições só acabam quando terminam / Andre Dib/Pulsar Imagens
NOVO PRESIDENTE: Como o show do Chacrinha, eleições só acabam quando terminam / Andre Dib/Pulsar Imagens
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Celso Toledo

Publicado em 1 de outubro de 2018 às, 13h58.

Última atualização em 1 de outubro de 2018 às, 15h12.

Em um mundo em que as únicas certezas são os impostos e a prestação de contas com o criador, planejar implica observar a correnteza de informações para identificar cenários e preparar planos de ação pertinentes para cada contingência. As empresas fazem isso nesse momento ao elaborar orçamentos para 2019, imaginando quanto gastarão em função do que esperam receber.

Coletivamente, o ritual determina o jeitão da economia no futuro. Empresários otimistas compram, contratam e investem, semeando um ambiente favorável. O inverso ocorre quando apertam o cinto porque estão macambúzios ou sem saber para que lado correr. Dá para pressentir as condições de temperatura e pressão futuras observando o astral nos comitês de orçamento.

Há não muito tempo, as empresas ainda conseguiam vislumbrar uma alternativa positiva. A inflação está controlada, os juros se encontram em patamar razoável para o padrão brasileiro, o câmbio é competitivo, a economia cresce um pouco, o mercado de crédito está querendo girar, a ociosidade é expressiva, sugerindo a existência de um potencial de recuperação relevante, e o mundo não atrapalha. Ou seja, não é difícil fazer a economia arrancar.

Nessas condições propícias, bastaria um empurrãozinho na confiança para as coisas darem certo, como era o caso antes do governo atual ter sido abatido em plena decolagem. A faísca poderia ser riscada tranquilamente por um presidente moderado capaz de criar governabilidade econômica, prometendo perseguir o ajuste fiscal, e governabilidade política, apaziguando a sociedade e obtendo apoio no congresso para fazer o que é preciso.

Eleições são como o programa do Chacrinha e só acabam quando terminam. Sendo assim, ainda existe uma chance remota de reviravolta antes do dia 7. Afinal, há um sentimento contrário à vitória do partido que colocou o Brasil na crise muito forte e é simples ver que o candidato de extrema direita tende a ter dificuldade nos embates de segundo turno. A chance de isso ocorrer, no entanto, beira a de um milagre.

O eleitorado não se dá conta do rumo desfavorável que a disputa tomou e os candidatos moderados disputam entre si para ver qual ganha o prêmio de maior formiga do mundo. Sendo assim, as empresas então se conformando com o pior e os exercícios orçamentários têm sido detalhados a partir de hipóteses menos favoráveis. Esse clima pessimista praticamente enterra a chance de uma retomada consistente no ano que vem.

É impossível antever qual das alternativas sobre a mesa é a pior porque dificilmente um presidente extremado será capaz de restaurar de forma prolongada a governabilidade. Ouço com frequência o argumento de que o buraco fiscal é tão grande que nenhum presidente minimamente racional cometeria a loucura de ignorar o fato. O argumento é válido, mas se as coisas funcionassem assim seria difícil entender como o país chegou à crise para começo de conversa. Se os candidatos mentissem apenas para chegar lá, por que Dilma enterrou o futuro do país ignorando os alertas de que estava pisando feio na bola? Todos mentem, é verdade, mas há os competentes e os incompetentes.

É provável que o próximo presidente procure acalmar os ânimos no início do mandato. Aprendemos recentemente que o espaço para a aplicação de “estelionatos” é limitado, sobretudo se a vitória for da esquerda. O ajuste que se faz necessário é custoso e os dividendos aparecerão no médio prazo. Não dá para saber quanto tempo terá o próximo presidente, especialmente se tiver sido eleito prometendo mundos e fundos como se não houvesse dilemas. O eleitor gosta de ser iludido, mas não enganado. Costuma perder a paciência rapidamente. O ideal seria eleger um presidente que mentisse menos sobre a profundidade da crise.

Além disso, há a restrição da governabilidade política. Os candidatos dos extremos terão que obter apoio em um congresso de centro e, ao mesmo tempo, serenar a metade da população derrotada nas urnas. As condições para a governabilidade política são dadas por três fatores:

  1. Similaridade ideológica do governo com o parlamentar mediano
  2. Representatividade dos partidos no governo que se forma
  3. Popularidade do governante

Exceto pelo curto período de “lua de mel” que não costuma chegar à semana santa e no qual o presidente consegue fazer praticamente o que bem entende, é difícil imaginar nesta altura do campeonato que um dos dois candidatos dos extremos preencha pelo menos dois dos requisitos acima a ponto de trazer algum otimismo aos cenários. Como escolher entre um mal desconhecido com paralelos históricos macabros e outro um pouco mais conhecido, mas que representa a volta da máfia que nunca se arrependeu da lambança que fez?

Na medida em que o espaço para o otimismo diminui, os cenários se deterioram, plantando mais dificuldades à frente.