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Ibovespa em 100, talvez 150 mil. É primavera!

Quem não aguarda ansiosamente o fim dessa aridez insuportável e o esplendor das flores que devem desabrochar na primavera? Enquanto as águas não vêm, a secura tem sido atenuada pela liquidez abundante gerada pelos bancos centrais, que favorece a germinação de projeções econômico-financeiras tão ou mais exóticas quanto os antúrios, buganvílias e verônicas. No Brasil, […]

BOVESPA: Ibovespa acima dos 100 mil pontos na “primavera” / Germano Lüders (Germano Luders/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 25 de setembro de 2017 às 13h12.

Quem não aguarda ansiosamente o fim dessa aridez insuportável e o esplendor das flores que devem desabrochar na primavera? Enquanto as águas não vêm, a secura tem sido atenuada pela liquidez abundante gerada pelos bancos centrais, que favorece a germinação de projeções econômico-financeiras tão ou mais exóticas quanto os antúrios, buganvílias e verônicas. No Brasil, o fenômeno viceja como há tempos não se via.

Ibovespa acima de 100 mil pontos (ou mais) é um dos exemplares extravagantes que há algumas semanas podia ser contemplado apenas nas páginas enfadonhas dos jornais especializados e hoje está dando mais do que chuchu na cerca. Parentes e amigos – médicos, engenheiros, advogados, desocupados – perguntam se não seria a hora de embarcar nessa aventura milagrosa que traz riqueza e delícias aos próximos menos a eles.

Todos reagem à sugestão sutil dos especialistas e formadores de opinião, para os quais a alta espetacular do preço das ações nos últimos meses projeta desempenho igualmente vibrante no futuro. Palpite que sorrateiramente deixa na gaveta a noção de que almoços gratuitos não existem, uma das mais rudimentares em finanças e economia. Afinal, os preços das ações hoje deveriam já embutir todas as boas novas, não?

O futuro está chegando?

Sempre é possível, sobretudo neste mundo que tem trazido tantas inovações em tão pouco tempo. Não obstante, aprendi a duras penas que é de bom alvitre ter em mente que o segredo em mercados financeiros não é comprar o que é bom, mas vender o que os outros acham que é bom. Se a turma está querendo comprar tulipas pelo preço de carros, vá lá, desde que seja possível vendê-las (ou outros vegetais) antes da chuva de razoabilidade.

Dá para esticar a corda mais um pouco? Essa é a verdadeira pergunta de um milhão de dólares. Se ninguém fica bilionário sem ser herdeiro, gênio ou bandido, para ser milionário basta frugalidade, paciência e, principalmente, uma boa noção de timing. O prêmio Nobel Robert Schiller, autor do livro “Exuberância Irracional”, abordou a questão em artigo recente no New York Times, pouco após o bate papo que tivemos com Dom Casmurro e a Velhinha de Taubaté.

Schiller, um dos maiores especialistas em irracionalidade humana, usou o artigo para fazer uma espécie de mea-culpa. Há uns seis meses, o professor de Yale havia publicado uma análise centrada nas evidências de que as bolsas pareciam ter passado um tantinho do ponto. Ao perceber que a festa continuou rolando, achou que devia explicações aos que seguiram seu conselho e deixaram de faturar uns trocados.

Schiller começa lembrando que o sucesso de investimentos em bolsa depende muito mais de uma boa análise da psicologia das massas do que de quaisquer “fundamentos”. Nada é caro se houver alguém disposto a pagar o preço. Ao invés de escarafunchar estatísticas e balanços, é preciso “entrar” na cabeça das pessoas. Uma forma indireta é ver o que elas estão lendo e escrevendo.

Comparando narrativas jornalísticas atuais e padrões encontrados antes das quebradeiras de 1929 e 2000, Schiller chega à conclusão de que a terminologia em uso para descrever o mercado e suas perspectivas sugere a existência de uma predisposição a tomar riscos que tem sido bem menos desafiada do que nos períodos que antecederam as últimas “correções”. Se dessa vez ele estiver certo, a bolsa subirá por mais um tempo, mesmo parecendo exuberante.

Façamos figas, porque os ventos favoráveis de fora são essenciais para a manutenção do otimismo aqui dentro. Não se trata de negar que fatores internos estejam ajudando. A retomada cíclica da economia é inegavelmente positiva. Apesar de os investimentos estarem ainda em recessão e das condições restritivas do crédito para as empresas, a queda significativa do juro básico abre uma larga avenida para a retomada do consumo. Se o brasileiro for às compras como de costume, a produção crescerá decentemente preenchendo a ociosidade, sem inflação.

Além disso, a volta do crescimento e a queda da inflação facilitam a elaboração de uma narrativa política mais favorável, que ganhou força com as trapalhadas dos irmãos Batista, as declarações de Palocci e a substituição de Janot por Dodge na PGR. Temer recebeu uma dose preciosa de oxigênio para enfrentar novas flechadas e, por incrível que pareça, poderá emplacar a reforma da Previdência. Além do mais, a chance de vitória de uma candidatura “liberal” em 2018 é maior.

Tudo isso ajuda, mas seria insuficiente sem o céu de brigadeiro no mundo. A recuperação da atividade econômica das economias principais, juros historicamente reduzidos, inflação baixa e diluição dos riscos políticos imediatos criam um apetite ao risco irresistível e embelezam qualquer mico, da Argentina à Rússia, passando pela Turquia. O Ibovespa, cerca de 50% abaixo do pico de 2008 (em dólares), fica parecendo uma pechincha.

Seria simples contestar os motivos domésticos sem o pano de fundo externo. A recuperação brasileira é certa, mas, do ponto de vista político, faz muita diferença se o PIB do ano que vem crescerá um pouco mais de 2%, como ainda sugere o consenso, ou algo mais vistoso, digamos, mais do que 3,5%. Além disso, a expectativa de que o caminho estaria aberto para a continuidade das reformas a partir de 2018 desconta excessivamente a possibilidade de surpresas desagradáveis no ano que vem (imagine um cenário em que a ala “liberal” entra dividida no certame, por exemplo). No mais, o novo presidente roerá um osso duríssimo, seja ele quem for.

A liquidez mundial se sobrepõe a esses detalhes e praticamente impede que o Ibovespa seja afetado negativamente por algum evento doméstico. Sendo assim, a única ameaça para o curto prazo está no cenário externo. O perigo previsível principal reside no fato de que a bolsa americana pode estar de fato muito “cara”, como Schiller vem alertando para ouvidos moucos há um tempo – sem falar dos cisnes de pigmentos incomuns que arensam no leste asiático.

O ônus da prova está com os céticos e, obviamente, nenhum será capaz de liquidar a fatura sem margem a objeções. Ainda assim, a tese a favor da cautela é bem mais simples e poderosa do que pode parecer à primeira vista. Não perca na próxima semana (se o mundo ainda existir).

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Quem não aguarda ansiosamente o fim dessa aridez insuportável e o esplendor das flores que devem desabrochar na primavera? Enquanto as águas não vêm, a secura tem sido atenuada pela liquidez abundante gerada pelos bancos centrais, que favorece a germinação de projeções econômico-financeiras tão ou mais exóticas quanto os antúrios, buganvílias e verônicas. No Brasil, o fenômeno viceja como há tempos não se via.

Ibovespa acima de 100 mil pontos (ou mais) é um dos exemplares extravagantes que há algumas semanas podia ser contemplado apenas nas páginas enfadonhas dos jornais especializados e hoje está dando mais do que chuchu na cerca. Parentes e amigos – médicos, engenheiros, advogados, desocupados – perguntam se não seria a hora de embarcar nessa aventura milagrosa que traz riqueza e delícias aos próximos menos a eles.

Todos reagem à sugestão sutil dos especialistas e formadores de opinião, para os quais a alta espetacular do preço das ações nos últimos meses projeta desempenho igualmente vibrante no futuro. Palpite que sorrateiramente deixa na gaveta a noção de que almoços gratuitos não existem, uma das mais rudimentares em finanças e economia. Afinal, os preços das ações hoje deveriam já embutir todas as boas novas, não?

O futuro está chegando?

Sempre é possível, sobretudo neste mundo que tem trazido tantas inovações em tão pouco tempo. Não obstante, aprendi a duras penas que é de bom alvitre ter em mente que o segredo em mercados financeiros não é comprar o que é bom, mas vender o que os outros acham que é bom. Se a turma está querendo comprar tulipas pelo preço de carros, vá lá, desde que seja possível vendê-las (ou outros vegetais) antes da chuva de razoabilidade.

Dá para esticar a corda mais um pouco? Essa é a verdadeira pergunta de um milhão de dólares. Se ninguém fica bilionário sem ser herdeiro, gênio ou bandido, para ser milionário basta frugalidade, paciência e, principalmente, uma boa noção de timing. O prêmio Nobel Robert Schiller, autor do livro “Exuberância Irracional”, abordou a questão em artigo recente no New York Times, pouco após o bate papo que tivemos com Dom Casmurro e a Velhinha de Taubaté.

Schiller, um dos maiores especialistas em irracionalidade humana, usou o artigo para fazer uma espécie de mea-culpa. Há uns seis meses, o professor de Yale havia publicado uma análise centrada nas evidências de que as bolsas pareciam ter passado um tantinho do ponto. Ao perceber que a festa continuou rolando, achou que devia explicações aos que seguiram seu conselho e deixaram de faturar uns trocados.

Schiller começa lembrando que o sucesso de investimentos em bolsa depende muito mais de uma boa análise da psicologia das massas do que de quaisquer “fundamentos”. Nada é caro se houver alguém disposto a pagar o preço. Ao invés de escarafunchar estatísticas e balanços, é preciso “entrar” na cabeça das pessoas. Uma forma indireta é ver o que elas estão lendo e escrevendo.

Comparando narrativas jornalísticas atuais e padrões encontrados antes das quebradeiras de 1929 e 2000, Schiller chega à conclusão de que a terminologia em uso para descrever o mercado e suas perspectivas sugere a existência de uma predisposição a tomar riscos que tem sido bem menos desafiada do que nos períodos que antecederam as últimas “correções”. Se dessa vez ele estiver certo, a bolsa subirá por mais um tempo, mesmo parecendo exuberante.

Façamos figas, porque os ventos favoráveis de fora são essenciais para a manutenção do otimismo aqui dentro. Não se trata de negar que fatores internos estejam ajudando. A retomada cíclica da economia é inegavelmente positiva. Apesar de os investimentos estarem ainda em recessão e das condições restritivas do crédito para as empresas, a queda significativa do juro básico abre uma larga avenida para a retomada do consumo. Se o brasileiro for às compras como de costume, a produção crescerá decentemente preenchendo a ociosidade, sem inflação.

Além disso, a volta do crescimento e a queda da inflação facilitam a elaboração de uma narrativa política mais favorável, que ganhou força com as trapalhadas dos irmãos Batista, as declarações de Palocci e a substituição de Janot por Dodge na PGR. Temer recebeu uma dose preciosa de oxigênio para enfrentar novas flechadas e, por incrível que pareça, poderá emplacar a reforma da Previdência. Além do mais, a chance de vitória de uma candidatura “liberal” em 2018 é maior.

Tudo isso ajuda, mas seria insuficiente sem o céu de brigadeiro no mundo. A recuperação da atividade econômica das economias principais, juros historicamente reduzidos, inflação baixa e diluição dos riscos políticos imediatos criam um apetite ao risco irresistível e embelezam qualquer mico, da Argentina à Rússia, passando pela Turquia. O Ibovespa, cerca de 50% abaixo do pico de 2008 (em dólares), fica parecendo uma pechincha.

Seria simples contestar os motivos domésticos sem o pano de fundo externo. A recuperação brasileira é certa, mas, do ponto de vista político, faz muita diferença se o PIB do ano que vem crescerá um pouco mais de 2%, como ainda sugere o consenso, ou algo mais vistoso, digamos, mais do que 3,5%. Além disso, a expectativa de que o caminho estaria aberto para a continuidade das reformas a partir de 2018 desconta excessivamente a possibilidade de surpresas desagradáveis no ano que vem (imagine um cenário em que a ala “liberal” entra dividida no certame, por exemplo). No mais, o novo presidente roerá um osso duríssimo, seja ele quem for.

A liquidez mundial se sobrepõe a esses detalhes e praticamente impede que o Ibovespa seja afetado negativamente por algum evento doméstico. Sendo assim, a única ameaça para o curto prazo está no cenário externo. O perigo previsível principal reside no fato de que a bolsa americana pode estar de fato muito “cara”, como Schiller vem alertando para ouvidos moucos há um tempo – sem falar dos cisnes de pigmentos incomuns que arensam no leste asiático.

O ônus da prova está com os céticos e, obviamente, nenhum será capaz de liquidar a fatura sem margem a objeções. Ainda assim, a tese a favor da cautela é bem mais simples e poderosa do que pode parecer à primeira vista. Não perca na próxima semana (se o mundo ainda existir).

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