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Os dilemas do FED e o seu bolso

Na semana passada, o Banco Central americano – o FED – deu uma no cravo e outra na ferradura. O comitê de política monetária optou pela manutenção do juro entre 0,25% e 0,50% ao ano, mas três diretores votaram pela elevação imediata da taxa. O comunicado esclareceu que as condições para uma elevação haviam se […]

DÓLAR: analistas mais otimistas já projetam dólar próximo dos 3 reais, outros seguem com 3,48 no radar / /Reuters (Gary Cameron/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 26 de setembro de 2016 às 13h09.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h31.

Na semana passada, o Banco Central americano – o FED – deu uma no cravo e outra na ferradura. O comitê de política monetária optou pela manutenção do juro entre 0,25% e 0,50% ao ano, mas três diretores votaram pela elevação imediata da taxa. O comunicado esclareceu que as condições para uma elevação haviam se fortalecido, mas que, apesar disso, o FED iria “aguardar evidências adicionais”. Ou seja, se a economia continuar evoluindo no ritmo atual, o juro deverá subir em breve, provavelmente em uma das duas reuniões restantes de 2016.

Não obstante essas sinalizações de relativa austeridade no curto prazo, o FED encolheu novamente a perspectiva para a evolução do juro em prazos estendidos. Por exemplo, baixou para menos de 3% a expectativa para o juro de “longo prazo”. É bom lembrar que esta projeção situava-se acima de 4% há não muito tempo. Na mesma marcha, houve moderação das estimativas para o crescimento potencial da economia, de 2% para 1,8%. Parece mixaria, mas a diferença acumulada em dez anos equivale ao PIB da Bélgica.

A mudança de opinião sobre o que devem ser as condições “de cruzeiro” da economia americana explica porque a indicação de endurecimento iminente da política monetária teve impacto desprezível sobre os mercados. Na verdade, a probabilidade atribuída a uma elevação do juro em dezembro não mudou muito – permaneceu oscilando em torno de cerca de 60% – e o juro de 10 anos, que passou boa parte de setembro querendo romper a barreira de 1,7%, retornou com força para o patamar de 1,6%. O que está acontecendo e que oportunidades se abrem para nós?

Os pronunciamentos dos dirigentes do FED têm revelado a existência de duas vertentes dentro do colegiado. A visão mais convencional enfatiza o fato de que não há mais muito que esperar da política monetária e, portanto, seria a hora de declarar vitória. Os objetivos do FED são minimizar o desemprego sem que a inflação se distancie de 2% e os dados mostram que bom pedaço do caminho foi percorrido em ambas as frentes.

Se o desemprego e a inflação estão perto do que é “normal”, o juro deveria estar também. Como a política monetária se transmite com defasagens, existe a possibilidade de que as políticas de estímulo existentes possam ter encomendado uma inflação indesejavelmente alta para um futuro não muito distante – além do risco de formação de bolhas em preços de ativos. Se o FED não agir rápido, terá que aplicar doses maiores do remédio amargo no futuro. Aos que querem ver mais crescimento, a resposta é que este tema é da alçada do governo e do Congresso – não do FED.

Essa visão convencional é contestada por um grupo de dissidentes que sentem desconforto com a premissa de baixa variabilidade do que seria o “estado normal” da economia. O raciocínio é simples: se o que era normal antes da crise continuasse sendo mais ou menos normal atualmente, seria inconcebível observar simultaneamente a economia perto do pleno emprego com taxas de juros negativas em termos reais e inflação baixa. A observância desses sinais sugere a existência de um “novo normal” que exige do FED uma abordagem diferente da convencional.

Além disso, os EUA não devem ignorar os efeitos de suas políticas em um mundo problemático. Não seria prudente pisar no freio diante da situação delicada dos bancos europeus, por exemplo. A possibilidade de uma crise na China também seria argumento para pegar mais leve. De resto, simulações com os modelos do próprio FED indicam que a valorização do dólar ocorrida nos últimos trimestres seria equivalente a um aumento de dois pontos percentuais na taxa de juro.

Se, por alguma razão, a economia voltar a se comportar de acordo com o “velho normal”, basta acionar os instrumentos conhecidos para reagir. Mas, se for verdade que a realidade agora é outra, o uso precipitado de “remédios antigos” poderá agravar a situação e, se isso ocorrer, o estoque de medidas não convencionais é limitado e, talvez, ineficaz. Isso exige um padrão assimétrico de reação às novidades. Segundo essa turma, a situação é tão preocupante que seria até o caso de torcer pelo surgimento de uma inflaçãozinha salvadora.

O lado interessante é que a maioria dos pronunciamentos recentes de dirigentes do FED vinha sugerindo predominância da visão convencional. As falas recentes de alguns diretores que votaram pela manutenção do juro seguiram a cartilha convencional – os últimos discursos dos presidentes dos distritos de Richmond e San Francisco, por exemplo. Apesar disso, a possibilidade de que os “heterodoxos” estejam corretos parece ter sido suficiente para introduzir uma dose extra de cautela – felizmente. De fato, falcões históricos como o presidente do distrito de Saint Louis hoje abraçam ferrenhamente a história do “novo normal”, ao lado de pombas de longa data, como Lael Brainard, membro do board. Sem falar dos alertas de “outsiders” de peso como o ex-presidente Ben Bernanke e o economista Larry Summers.

A moral da história é que, afora os vaivéns de curto prazo que virão um pouco antes e um pouco depois que o FED decidir promover uma nova elevação do juro – provavelmente em dezembro – não se deve esperar uma escadinha que leve rapidamente o juro ao patamar que há pouco era considerado normal. Se for assim, os juros de longo prazo deverão permanecer relativamente baixos nos próximos trimestres, desanuviando um fator de risco para as taxas de juros aqui no Brasil – o juro americano é a base para determinar os juros no mundo.

Controlado o risco de um “choque” de juros na terra do Tio Sam, o rumo a ser seguido pelas taxas tupiniquins passa a depender majoritariamente do grau de sucesso do governo Temer no equacionamento do imbróglio fiscal em que o país foi emaranhado – parto do princípio que a queda encomendada da inflação abrirá espaço para redução expressiva dos juros no curto prazo, conforme comentário que fiz em coluna de meados de julho.

O triunfo do governo não está garantido porque os obstáculos são muito grandes. Apesar dos riscos, no entanto, o otimismo com a possibilidade de avanço tem crescido e, muitas vezes, isso é suficiente para trazer um período razoável de alívio, especialmente quando se parte de uma situação tão deprimida. Mesmo que o trem esteja rumando para descarrilar no futuro, a onda favorável que está se formando poderá fazer com que o juro de longo prazo continue caindo. Essa perspectiva ganha força em um cenário de FED sem pressa.

Quem tiver um dinheirinho que não faz falta no curto prazo e coração para aguentar emoções um pouco mais fortes deve considerar a hipótese de sair do curto prazo e aplicar em títulos mais longos.

celsonovo

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Na semana passada, o Banco Central americano – o FED – deu uma no cravo e outra na ferradura. O comitê de política monetária optou pela manutenção do juro entre 0,25% e 0,50% ao ano, mas três diretores votaram pela elevação imediata da taxa. O comunicado esclareceu que as condições para uma elevação haviam se fortalecido, mas que, apesar disso, o FED iria “aguardar evidências adicionais”. Ou seja, se a economia continuar evoluindo no ritmo atual, o juro deverá subir em breve, provavelmente em uma das duas reuniões restantes de 2016.

Não obstante essas sinalizações de relativa austeridade no curto prazo, o FED encolheu novamente a perspectiva para a evolução do juro em prazos estendidos. Por exemplo, baixou para menos de 3% a expectativa para o juro de “longo prazo”. É bom lembrar que esta projeção situava-se acima de 4% há não muito tempo. Na mesma marcha, houve moderação das estimativas para o crescimento potencial da economia, de 2% para 1,8%. Parece mixaria, mas a diferença acumulada em dez anos equivale ao PIB da Bélgica.

A mudança de opinião sobre o que devem ser as condições “de cruzeiro” da economia americana explica porque a indicação de endurecimento iminente da política monetária teve impacto desprezível sobre os mercados. Na verdade, a probabilidade atribuída a uma elevação do juro em dezembro não mudou muito – permaneceu oscilando em torno de cerca de 60% – e o juro de 10 anos, que passou boa parte de setembro querendo romper a barreira de 1,7%, retornou com força para o patamar de 1,6%. O que está acontecendo e que oportunidades se abrem para nós?

Os pronunciamentos dos dirigentes do FED têm revelado a existência de duas vertentes dentro do colegiado. A visão mais convencional enfatiza o fato de que não há mais muito que esperar da política monetária e, portanto, seria a hora de declarar vitória. Os objetivos do FED são minimizar o desemprego sem que a inflação se distancie de 2% e os dados mostram que bom pedaço do caminho foi percorrido em ambas as frentes.

Se o desemprego e a inflação estão perto do que é “normal”, o juro deveria estar também. Como a política monetária se transmite com defasagens, existe a possibilidade de que as políticas de estímulo existentes possam ter encomendado uma inflação indesejavelmente alta para um futuro não muito distante – além do risco de formação de bolhas em preços de ativos. Se o FED não agir rápido, terá que aplicar doses maiores do remédio amargo no futuro. Aos que querem ver mais crescimento, a resposta é que este tema é da alçada do governo e do Congresso – não do FED.

Essa visão convencional é contestada por um grupo de dissidentes que sentem desconforto com a premissa de baixa variabilidade do que seria o “estado normal” da economia. O raciocínio é simples: se o que era normal antes da crise continuasse sendo mais ou menos normal atualmente, seria inconcebível observar simultaneamente a economia perto do pleno emprego com taxas de juros negativas em termos reais e inflação baixa. A observância desses sinais sugere a existência de um “novo normal” que exige do FED uma abordagem diferente da convencional.

Além disso, os EUA não devem ignorar os efeitos de suas políticas em um mundo problemático. Não seria prudente pisar no freio diante da situação delicada dos bancos europeus, por exemplo. A possibilidade de uma crise na China também seria argumento para pegar mais leve. De resto, simulações com os modelos do próprio FED indicam que a valorização do dólar ocorrida nos últimos trimestres seria equivalente a um aumento de dois pontos percentuais na taxa de juro.

Se, por alguma razão, a economia voltar a se comportar de acordo com o “velho normal”, basta acionar os instrumentos conhecidos para reagir. Mas, se for verdade que a realidade agora é outra, o uso precipitado de “remédios antigos” poderá agravar a situação e, se isso ocorrer, o estoque de medidas não convencionais é limitado e, talvez, ineficaz. Isso exige um padrão assimétrico de reação às novidades. Segundo essa turma, a situação é tão preocupante que seria até o caso de torcer pelo surgimento de uma inflaçãozinha salvadora.

O lado interessante é que a maioria dos pronunciamentos recentes de dirigentes do FED vinha sugerindo predominância da visão convencional. As falas recentes de alguns diretores que votaram pela manutenção do juro seguiram a cartilha convencional – os últimos discursos dos presidentes dos distritos de Richmond e San Francisco, por exemplo. Apesar disso, a possibilidade de que os “heterodoxos” estejam corretos parece ter sido suficiente para introduzir uma dose extra de cautela – felizmente. De fato, falcões históricos como o presidente do distrito de Saint Louis hoje abraçam ferrenhamente a história do “novo normal”, ao lado de pombas de longa data, como Lael Brainard, membro do board. Sem falar dos alertas de “outsiders” de peso como o ex-presidente Ben Bernanke e o economista Larry Summers.

A moral da história é que, afora os vaivéns de curto prazo que virão um pouco antes e um pouco depois que o FED decidir promover uma nova elevação do juro – provavelmente em dezembro – não se deve esperar uma escadinha que leve rapidamente o juro ao patamar que há pouco era considerado normal. Se for assim, os juros de longo prazo deverão permanecer relativamente baixos nos próximos trimestres, desanuviando um fator de risco para as taxas de juros aqui no Brasil – o juro americano é a base para determinar os juros no mundo.

Controlado o risco de um “choque” de juros na terra do Tio Sam, o rumo a ser seguido pelas taxas tupiniquins passa a depender majoritariamente do grau de sucesso do governo Temer no equacionamento do imbróglio fiscal em que o país foi emaranhado – parto do princípio que a queda encomendada da inflação abrirá espaço para redução expressiva dos juros no curto prazo, conforme comentário que fiz em coluna de meados de julho.

O triunfo do governo não está garantido porque os obstáculos são muito grandes. Apesar dos riscos, no entanto, o otimismo com a possibilidade de avanço tem crescido e, muitas vezes, isso é suficiente para trazer um período razoável de alívio, especialmente quando se parte de uma situação tão deprimida. Mesmo que o trem esteja rumando para descarrilar no futuro, a onda favorável que está se formando poderá fazer com que o juro de longo prazo continue caindo. Essa perspectiva ganha força em um cenário de FED sem pressa.

Quem tiver um dinheirinho que não faz falta no curto prazo e coração para aguentar emoções um pouco mais fortes deve considerar a hipótese de sair do curto prazo e aplicar em títulos mais longos.

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