Dólar barato por quanto tempo? A resposta do hambúrguer
Vimos na semana passada que, apesar da existência de ameaças externas e internas, não dá para descartar um cenário de dólar próximo de 3 reais nas próximas semanas – talvez até abaixo. Para isso ocorrer, basta que os ventos externos sigam favoráveis e que nenhum percalço legislativo embace a perspectiva de que a crise fiscal será domada […]
Da Redação
Publicado em 22 de agosto de 2016 às 20h03.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h09.
Vimos na semana passada que, apesar da existência de ameaças externas e internas, não dá para descartar um cenário de dólar próximo de 3 reais nas próximas semanas – talvez até abaixo. Para isso ocorrer, basta que os ventos externos sigam favoráveis e que nenhum percalço legislativo embace a perspectiva de que a crise fiscal será domada mediante a aprovação de reformas.
É bom também que o governo Temer continue sendo avaliado a partir de lentes róseas, que tendem a transformar o amplo deserto a ser atravessado em um passeio no parque. Se for assim, não há como negar os atrativos do real em um mundo com oportunidades escassas e farta liquidez. Céticos incorrigíveis como eu não têm vez contra a força da torcida.
Digamos que o dólar chegue mais perto dos 3 reais. Será este um patamar sustentável ou algo passageiro, prenúncio de correção a qualquer instante, lembrando que o dólar costuma descer de escada e subir de elevador? Qual seria o valor justo da moeda americana?
De início, não custa frisar que as respostas a estas questões valem uma verdadeira fortuna. Um economista clarividente não teria o menor incentivo a oferecê-las gratuitamente. Se o fazem, é porque têm mais dúvidas do que certezas. Portanto, é de bom alvitre manter um pé atrás com relação a palpites cambiais, incluindo o que vem a seguir.
Muito bem. Há mais de uma forma de obter o “valor justo” de uma moeda, algumas bem simples, outras para lá de herméticas. A última resenha que li sobre o assunto, produzida pelo FMI há alguns anos, listou meia dúzia de métodos. A má notícia é que eles produzem, em geral, resultados distintos, tornando um tanto artesanal a tarefa de avaliar as situações particulares.
Como ponto de partida, gosto de olhar o índice “Big Mac”, produzido desde 1986 pela revista The Economist. A beleza dessa invenção está em sua simplicidade. Parte-se de um conceito antiquíssimo, do século XVI, para apregoar que uma moeda provavelmente estará valorizada em relação ao dólar em países em que o preço do hambúrguer estiver mais caro do que nos EUA.
Trata-se de uma versão da “lei do preço único”, segundo a qual a possibilidade de arbitragem espacial entre lugares caros e baratos faz com que, no longo prazo, os preços convirjam. O índice Big Mac é um tanto indigesto porque, naturalmente, não dá para comprar um lanche em um país para vendê-lo em outro. Por esta razão, devemos apreciá-lo com moderação. Mas é preciso também dar a César o que é de César: o índice tem um passado de vitórias espetaculares, algumas contra os maiores especialistas em macroeconomia internacional.
Os últimos dados reportados pela Economist sugerem que, se o dólar cair para 3,00 reais, o Big Mac passará a custar aqui apenas 2,5% mais do que nos EUA – quase nada. Sob esta métrica, portanto, o câmbio estaria mais ou menos próximo de seu valor justo de longo prazo. O refresco, no entanto, é apenas aparente. O hambúrguer é atualmente mais caro do que na terra do Tio Sam em apenas três países: Suíça, Noruega e Suécia – recantos que não podem ser propriamente designados como pechinchas.
O Big Mac é degustado com preço inferior ao americano em quase 40 países, incluindo a Zona do Euro e o Japão. Ou seja, o dólar parece valorizado com relação a praticamente todas as moedas do mundo (pelas razões que mostrei na semana passada). Sendo assim, chama atenção o fato do produto ser vendido por preço semelhante, talvez um pouco maior, por aqui. Será que essa máscara escandinava não cairá mais cedo ou mais tarde?
O desequilíbrio parece mais gritante se ajustarmos o índice para levar em conta o fato de que é normal o hambúrguer custar mais caro em países mais desenvolvidos – em que o custo do trabalho é mais elevado. A Economist publica uma versão ajustada do termômetro para levar em conta essa possibilidade. Adivinha onde o almoço é mais caro aplicando-se a correção? Se você pensou no país em que estou pensando, acertou em cheio. Levando em conta o fato de que não somos tão desenvolvidos quanto os gringos, São Paulo estará quase 70% mais cara do que Nova Iorque se o dólar romper o suporte de 3 reais.
É verdade que esse resultado pode significar mais de uma coisa: (i) que os custos trabalhistas são obscenos para o nosso padrão de desenvolvimento, (ii) que temos uma paixão desproporcional por fast food ou (iii) que nossa moeda está forte demais. Quando é assim, a verdade costuma estar no meio do caminho. Ou seja, pode ser que a sobrevalorização do real não seja de 70%, mas o índice Big Mac sugere que o Brasil pode estar ficando caro novamente. Não devemos nos esquecer de que a inflação é muito mais alta aqui do que no resto do mundo. Um câmbio que pareceu competitivo ontem deve ser ajustado para manter o status.
Uma alternativa um pouco mais rigorosa para explorar o conceito que deu à luz o Índice Big Mac é comparar a evolução das taxas de câmbio no longo prazo, descontando-se os diferenciais de inflação dos países. Se for verdade que os desequilíbrios tendem a desaparecer com o tempo, esse exercício revela o patamar para o qual o câmbio tende a retornar no longo prazo, quando passa do ponto. A vantagem é que, ao invés de considerar apenas o preço de um sanduíche, utilizam-se implicitamente todos os produtos que compõem os índices de inflação.
Olhando os dados anuais desde 1947, o preço do dólar aparenta flutuar em torno de um patamar constante, de 4,40 reais em valores atuais. Se a referência histórica for a mais correta, o dólar está barato demais atualmente. Uma alternativa é confinar a análise ao período desde 1994, de inflação mais controlada, maior integração econômica com o resto do mundo e fortalecimento das instituições democráticas – fatores que afetam o valor justo da moeda. Nesta janela temporal, o dólar oscilou em torno de 3,30 reais em valores atuais.
Difícil saber se a verdade está mais perto de 4,40 ou de 3,30. Qualquer que seja o valor exato, estes números sugerem que, abaixo dos 3 reais ou até um pouco acima disso, o dólar parece barato demais em uma perspectiva de longo prazo – ou o PMDB é o partido da salvação nacional.
Vimos na semana passada que, apesar da existência de ameaças externas e internas, não dá para descartar um cenário de dólar próximo de 3 reais nas próximas semanas – talvez até abaixo. Para isso ocorrer, basta que os ventos externos sigam favoráveis e que nenhum percalço legislativo embace a perspectiva de que a crise fiscal será domada mediante a aprovação de reformas.
É bom também que o governo Temer continue sendo avaliado a partir de lentes róseas, que tendem a transformar o amplo deserto a ser atravessado em um passeio no parque. Se for assim, não há como negar os atrativos do real em um mundo com oportunidades escassas e farta liquidez. Céticos incorrigíveis como eu não têm vez contra a força da torcida.
Digamos que o dólar chegue mais perto dos 3 reais. Será este um patamar sustentável ou algo passageiro, prenúncio de correção a qualquer instante, lembrando que o dólar costuma descer de escada e subir de elevador? Qual seria o valor justo da moeda americana?
De início, não custa frisar que as respostas a estas questões valem uma verdadeira fortuna. Um economista clarividente não teria o menor incentivo a oferecê-las gratuitamente. Se o fazem, é porque têm mais dúvidas do que certezas. Portanto, é de bom alvitre manter um pé atrás com relação a palpites cambiais, incluindo o que vem a seguir.
Muito bem. Há mais de uma forma de obter o “valor justo” de uma moeda, algumas bem simples, outras para lá de herméticas. A última resenha que li sobre o assunto, produzida pelo FMI há alguns anos, listou meia dúzia de métodos. A má notícia é que eles produzem, em geral, resultados distintos, tornando um tanto artesanal a tarefa de avaliar as situações particulares.
Como ponto de partida, gosto de olhar o índice “Big Mac”, produzido desde 1986 pela revista The Economist. A beleza dessa invenção está em sua simplicidade. Parte-se de um conceito antiquíssimo, do século XVI, para apregoar que uma moeda provavelmente estará valorizada em relação ao dólar em países em que o preço do hambúrguer estiver mais caro do que nos EUA.
Trata-se de uma versão da “lei do preço único”, segundo a qual a possibilidade de arbitragem espacial entre lugares caros e baratos faz com que, no longo prazo, os preços convirjam. O índice Big Mac é um tanto indigesto porque, naturalmente, não dá para comprar um lanche em um país para vendê-lo em outro. Por esta razão, devemos apreciá-lo com moderação. Mas é preciso também dar a César o que é de César: o índice tem um passado de vitórias espetaculares, algumas contra os maiores especialistas em macroeconomia internacional.
Os últimos dados reportados pela Economist sugerem que, se o dólar cair para 3,00 reais, o Big Mac passará a custar aqui apenas 2,5% mais do que nos EUA – quase nada. Sob esta métrica, portanto, o câmbio estaria mais ou menos próximo de seu valor justo de longo prazo. O refresco, no entanto, é apenas aparente. O hambúrguer é atualmente mais caro do que na terra do Tio Sam em apenas três países: Suíça, Noruega e Suécia – recantos que não podem ser propriamente designados como pechinchas.
O Big Mac é degustado com preço inferior ao americano em quase 40 países, incluindo a Zona do Euro e o Japão. Ou seja, o dólar parece valorizado com relação a praticamente todas as moedas do mundo (pelas razões que mostrei na semana passada). Sendo assim, chama atenção o fato do produto ser vendido por preço semelhante, talvez um pouco maior, por aqui. Será que essa máscara escandinava não cairá mais cedo ou mais tarde?
O desequilíbrio parece mais gritante se ajustarmos o índice para levar em conta o fato de que é normal o hambúrguer custar mais caro em países mais desenvolvidos – em que o custo do trabalho é mais elevado. A Economist publica uma versão ajustada do termômetro para levar em conta essa possibilidade. Adivinha onde o almoço é mais caro aplicando-se a correção? Se você pensou no país em que estou pensando, acertou em cheio. Levando em conta o fato de que não somos tão desenvolvidos quanto os gringos, São Paulo estará quase 70% mais cara do que Nova Iorque se o dólar romper o suporte de 3 reais.
É verdade que esse resultado pode significar mais de uma coisa: (i) que os custos trabalhistas são obscenos para o nosso padrão de desenvolvimento, (ii) que temos uma paixão desproporcional por fast food ou (iii) que nossa moeda está forte demais. Quando é assim, a verdade costuma estar no meio do caminho. Ou seja, pode ser que a sobrevalorização do real não seja de 70%, mas o índice Big Mac sugere que o Brasil pode estar ficando caro novamente. Não devemos nos esquecer de que a inflação é muito mais alta aqui do que no resto do mundo. Um câmbio que pareceu competitivo ontem deve ser ajustado para manter o status.
Uma alternativa um pouco mais rigorosa para explorar o conceito que deu à luz o Índice Big Mac é comparar a evolução das taxas de câmbio no longo prazo, descontando-se os diferenciais de inflação dos países. Se for verdade que os desequilíbrios tendem a desaparecer com o tempo, esse exercício revela o patamar para o qual o câmbio tende a retornar no longo prazo, quando passa do ponto. A vantagem é que, ao invés de considerar apenas o preço de um sanduíche, utilizam-se implicitamente todos os produtos que compõem os índices de inflação.
Olhando os dados anuais desde 1947, o preço do dólar aparenta flutuar em torno de um patamar constante, de 4,40 reais em valores atuais. Se a referência histórica for a mais correta, o dólar está barato demais atualmente. Uma alternativa é confinar a análise ao período desde 1994, de inflação mais controlada, maior integração econômica com o resto do mundo e fortalecimento das instituições democráticas – fatores que afetam o valor justo da moeda. Nesta janela temporal, o dólar oscilou em torno de 3,30 reais em valores atuais.
Difícil saber se a verdade está mais perto de 4,40 ou de 3,30. Qualquer que seja o valor exato, estes números sugerem que, abaixo dos 3 reais ou até um pouco acima disso, o dólar parece barato demais em uma perspectiva de longo prazo – ou o PMDB é o partido da salvação nacional.