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Dólar abaixo de 3,00 reais?

O preço do dólar está despencando. No momento em que comecei a redigir este texto, a moeda americana custava um pouco menos de 3,15 reais, cerca de 80 centavos abaixo do que no início do ano. O que explica este percurso? Ele deve continuar? Uma parte do enfraquecimento do dólar é explicada pela reversão (parcial) […]

DÓLAR: passou a perder força em relação às moedas que “pagam bem” porque o mundo parece absorver melhor a nova realidade de crescimento medíocre, taxas de juros negativas e ausência de surpresas desagradáveis / Thomas Trutschel / Getty Images (Thomas Trutschel/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 15 de agosto de 2016 às 12h48.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h17.

O preço do dólar está despencando. No momento em que comecei a redigir este texto, a moeda americana custava um pouco menos de 3,15 reais, cerca de 80 centavos abaixo do que no início do ano. O que explica este percurso? Ele deve continuar?

Uma parte do enfraquecimento do dólar é explicada pela reversão (parcial) de uma expectativa favorável à economia americana. Em meados de 2014, pressupunha-se que o Tio Sam estaria, finalmente, saindo do buraco em que se metera em 2008. Por conta disso, o FED elevaria o juro e esse cenário era pró-dólar – de fato, ele ganhou 20% em relação às moedas de países desenvolvidos. Os mais animados chegaram a prever um “boom” semelhante aos ocorridos sob as batutas de Paul Volcker e Alan Greenspan – nos anos 80 e 90, respectivamente.

O roteiro não se confirmou. A economia americana exibiu vigor aquém do encomendado a ponto de levantar suspeitas de que estaria em jogo um processo de “estagnação secular” semelhante à armadilha em que o Japão se encontra enredado há mais de vinte anos. A decepção fez com que o FED subisse o juro em apenas 25 pontos e, se arrependimento matasse, Jane Yellen provavelmente não estaria mais entre nós.

A frustração fez o dólar interromper a valorização contra os pares principais, mas, apesar disso, continuou ganhando por um tempo de moedas mais parecidas com o real – países emergentes e/ou exportadores de commodities, por exemplo. Isso ocorreu em função de uma não linearidade na forma como o mercado observa a economia americana. Quando tudo vai bem, o dólar sobe porque o juro americano tende a se elevar. Mas se ela ameaça ir mal a ponto de comprometer o desempenho das demais, o dólar também sobe porque diminui a propensão a riscos. Para países como o Brasil, isso significa que o dólar só fica “barato” em cenários modorrentos, em que não se percebe risco imediato de crise apesar de certa letargia.

Desde o início de 2016, apesar da frequência mais elevada de surtos de volatilidade e de aversão ao risco, principalmente soluços na China, o dólar passou a perder força também com relação às moedas que “pagam bem” porque o mundo parece absorver com mais tranquilidade a nova realidade de crescimento medíocre, taxas de juros negativas e, oxalá, ausência de surpresas desagradáveis. Aproximadamente um quinto dos 80 centavos que o dólar perdeu para o real em 2016 ocorreu pela perda de brilho da moeda americana.

Os outros quatro quintos correspondem a um movimento isolado de nossa moeda contra as demais ao sabor dos desdobramentos na seara política. O dólar chegou a superar 4,00 reais há pouco tempo porque, sob a antiga direção, o país rumava para um desfecho catastrófico. O afastamento da presidente tem nutrido a esperança de que o bom senso voltará a pautar a política econômica – apesar do saco de bondades que parece não ter fundo. Neste diapasão, o real passou a ser visto novamente como alternativa “barata” que oferece remuneração elevada em um mundo de taxas de juros negativas. Muita coisa é capaz de fazer o bom humor acabar, mas, por enquanto, ninguém está a fim de pensar no assunto – vejam meu comentário na semana passada.

Até onde vai o alvoroço? O dólar poderá valer menos do que 3,00 reais em um mês? A literatura sobre o assunto ensina que o valor atual de uma moeda é a melhor estimativa para seu valor no futuro. Soa estranho diante do que parece ser uma tendência consistente de fortalecimento do real, mas o ponto é que apenas fatores imprevisíveis são capazes de fazer o câmbio mudar; o que for passível de ser antecipado é imediatamente incorporado no preço. Sendo assim, a melhor estimativa para o dólar é que ele custará 3,15 reais no final do ano (ou o valor dele no momento em que você estiver lendo a coluna).

É simples computar um intervalo de confiança para esse prognóstico se estivermos dispostos a admitir estabilidade no perfil das “novidades” que diariamente são sorteadas para empurrar o dólar para um lado ou para outro. Se valer o padrão em vigor desde 2015, dá para afirmar que há 90% de chance de o dólar custar algo entre 2,40 e 3,90 reais no próximo Réveillon. Uma previsão mais precisa (e corajosa) que, digamos, confine o valor do dólar entre 3,10 e 3,20 reais tem menos de 10% de chance de estar correta. Isso explica duas coisas: (i) a má fama dos economistas que, respondendo à demanda, arriscam palpites pontuais para o dólar e (ii) a esperteza dos babalorixás, que evitam transitar neste terreiro, preferindo prever desastres aéreos.

Em um texto que ficou famoso no início dos anos 80, os economistas Kenneth Rogoff e Richard Meese mostraram que até mesmo um economista iluminado, capaz de antecipar perfeitamente a trajetória dos fundamentos macroeconômicos, teria dificuldade de prever o comportamento das taxas de câmbio. O estorvo resulta do fato de que o mercado muda a todo instante a importância que atribui a cada variável econômica – hoje olha mais a inflação, amanhã o crescimento, depois de amanhã o risco, e assim por diante. Participei de uma banca de doutorado em que o candidato provou que um analista que usasse o modelo “cara-ou-coroa” para projetar o dólar estaria no Top-5 da pesquisa Focus do Banco Central – fica a dica.

Isso não quer dizer que palpites para o câmbio diferentes do valor atual não possam ser bem sucedidos – é preciso apenas saber que eles implicam a materialização de algo visto apenas como possibilidade pela visão consensual. Vimos que, em boa medida, a dinâmica de fortalecimento do real tem se dado pela expectativa de que a política econômica será melhor no futuro. Quem acreditar nisso e esperar que as condições externas permaneçam como estão deve apostar que o real tenderá a ficar mais forte do que está hoje – afinal, por menores que sejam as probabilidades, há no radar ao menos uma catástrofe capaz de entornar o caldo. Se ela não ocorrer, o dólar pode romper o suporte de 3,00 reais. De fato, se o prêmio de risco brasileiro cair para o que é usual em países com nota de crédito semelhante à nossa, o dólar pode cair pelo menos 20 centavos se o passado for um bom guia e todo o resto permanecer constante.

Na ausência da Mãe Dináh, se tivesse que arriscar entre dólar abaixo de 3,00 reais ou acima de 3,30, fico com a primeira, mas recomendo que se use esse palpite com moderação. Digamos que a verdinha passe de fato a custar menos de 3,00 reais . É sustentável em um prazo maior? Respondo depois.

celsonovo

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O preço do dólar está despencando. No momento em que comecei a redigir este texto, a moeda americana custava um pouco menos de 3,15 reais, cerca de 80 centavos abaixo do que no início do ano. O que explica este percurso? Ele deve continuar?

Uma parte do enfraquecimento do dólar é explicada pela reversão (parcial) de uma expectativa favorável à economia americana. Em meados de 2014, pressupunha-se que o Tio Sam estaria, finalmente, saindo do buraco em que se metera em 2008. Por conta disso, o FED elevaria o juro e esse cenário era pró-dólar – de fato, ele ganhou 20% em relação às moedas de países desenvolvidos. Os mais animados chegaram a prever um “boom” semelhante aos ocorridos sob as batutas de Paul Volcker e Alan Greenspan – nos anos 80 e 90, respectivamente.

O roteiro não se confirmou. A economia americana exibiu vigor aquém do encomendado a ponto de levantar suspeitas de que estaria em jogo um processo de “estagnação secular” semelhante à armadilha em que o Japão se encontra enredado há mais de vinte anos. A decepção fez com que o FED subisse o juro em apenas 25 pontos e, se arrependimento matasse, Jane Yellen provavelmente não estaria mais entre nós.

A frustração fez o dólar interromper a valorização contra os pares principais, mas, apesar disso, continuou ganhando por um tempo de moedas mais parecidas com o real – países emergentes e/ou exportadores de commodities, por exemplo. Isso ocorreu em função de uma não linearidade na forma como o mercado observa a economia americana. Quando tudo vai bem, o dólar sobe porque o juro americano tende a se elevar. Mas se ela ameaça ir mal a ponto de comprometer o desempenho das demais, o dólar também sobe porque diminui a propensão a riscos. Para países como o Brasil, isso significa que o dólar só fica “barato” em cenários modorrentos, em que não se percebe risco imediato de crise apesar de certa letargia.

Desde o início de 2016, apesar da frequência mais elevada de surtos de volatilidade e de aversão ao risco, principalmente soluços na China, o dólar passou a perder força também com relação às moedas que “pagam bem” porque o mundo parece absorver com mais tranquilidade a nova realidade de crescimento medíocre, taxas de juros negativas e, oxalá, ausência de surpresas desagradáveis. Aproximadamente um quinto dos 80 centavos que o dólar perdeu para o real em 2016 ocorreu pela perda de brilho da moeda americana.

Os outros quatro quintos correspondem a um movimento isolado de nossa moeda contra as demais ao sabor dos desdobramentos na seara política. O dólar chegou a superar 4,00 reais há pouco tempo porque, sob a antiga direção, o país rumava para um desfecho catastrófico. O afastamento da presidente tem nutrido a esperança de que o bom senso voltará a pautar a política econômica – apesar do saco de bondades que parece não ter fundo. Neste diapasão, o real passou a ser visto novamente como alternativa “barata” que oferece remuneração elevada em um mundo de taxas de juros negativas. Muita coisa é capaz de fazer o bom humor acabar, mas, por enquanto, ninguém está a fim de pensar no assunto – vejam meu comentário na semana passada.

Até onde vai o alvoroço? O dólar poderá valer menos do que 3,00 reais em um mês? A literatura sobre o assunto ensina que o valor atual de uma moeda é a melhor estimativa para seu valor no futuro. Soa estranho diante do que parece ser uma tendência consistente de fortalecimento do real, mas o ponto é que apenas fatores imprevisíveis são capazes de fazer o câmbio mudar; o que for passível de ser antecipado é imediatamente incorporado no preço. Sendo assim, a melhor estimativa para o dólar é que ele custará 3,15 reais no final do ano (ou o valor dele no momento em que você estiver lendo a coluna).

É simples computar um intervalo de confiança para esse prognóstico se estivermos dispostos a admitir estabilidade no perfil das “novidades” que diariamente são sorteadas para empurrar o dólar para um lado ou para outro. Se valer o padrão em vigor desde 2015, dá para afirmar que há 90% de chance de o dólar custar algo entre 2,40 e 3,90 reais no próximo Réveillon. Uma previsão mais precisa (e corajosa) que, digamos, confine o valor do dólar entre 3,10 e 3,20 reais tem menos de 10% de chance de estar correta. Isso explica duas coisas: (i) a má fama dos economistas que, respondendo à demanda, arriscam palpites pontuais para o dólar e (ii) a esperteza dos babalorixás, que evitam transitar neste terreiro, preferindo prever desastres aéreos.

Em um texto que ficou famoso no início dos anos 80, os economistas Kenneth Rogoff e Richard Meese mostraram que até mesmo um economista iluminado, capaz de antecipar perfeitamente a trajetória dos fundamentos macroeconômicos, teria dificuldade de prever o comportamento das taxas de câmbio. O estorvo resulta do fato de que o mercado muda a todo instante a importância que atribui a cada variável econômica – hoje olha mais a inflação, amanhã o crescimento, depois de amanhã o risco, e assim por diante. Participei de uma banca de doutorado em que o candidato provou que um analista que usasse o modelo “cara-ou-coroa” para projetar o dólar estaria no Top-5 da pesquisa Focus do Banco Central – fica a dica.

Isso não quer dizer que palpites para o câmbio diferentes do valor atual não possam ser bem sucedidos – é preciso apenas saber que eles implicam a materialização de algo visto apenas como possibilidade pela visão consensual. Vimos que, em boa medida, a dinâmica de fortalecimento do real tem se dado pela expectativa de que a política econômica será melhor no futuro. Quem acreditar nisso e esperar que as condições externas permaneçam como estão deve apostar que o real tenderá a ficar mais forte do que está hoje – afinal, por menores que sejam as probabilidades, há no radar ao menos uma catástrofe capaz de entornar o caldo. Se ela não ocorrer, o dólar pode romper o suporte de 3,00 reais. De fato, se o prêmio de risco brasileiro cair para o que é usual em países com nota de crédito semelhante à nossa, o dólar pode cair pelo menos 20 centavos se o passado for um bom guia e todo o resto permanecer constante.

Na ausência da Mãe Dináh, se tivesse que arriscar entre dólar abaixo de 3,00 reais ou acima de 3,30, fico com a primeira, mas recomendo que se use esse palpite com moderação. Digamos que a verdinha passe de fato a custar menos de 3,00 reais . É sustentável em um prazo maior? Respondo depois.

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