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Dólar a 3,40 no fim do ano. Dá para confiar?

De acordo com a pesquisa Focus, os economistas acreditavam, no final da semana passada, que a verdinha iria encarecer ao longo de 2017, devendo ser negociada a R$ 3,40 no final de dezembro – aproximadamente 7% mais do que os R$ 3,17 atuais. Faz sentido? Antes de arriscar uma resposta, é bom lembrar que palpites […]

(iStock/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 23 de janeiro de 2017 às 11h13.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h17.

De acordo com a pesquisa Focus, os economistas acreditavam, no final da semana passada, que a verdinha iria encarecer ao longo de 2017, devendo ser negociada a R$ 3,40 no final de dezembro – aproximadamente 7% mais do que os R$ 3,17 atuais. Faz sentido?

Antes de arriscar uma resposta, é bom lembrar que palpites sobre o comportamento futuro de taxas de câmbio devem ser feitos com dose de humildade ainda maior do que a normalmente recomendável às demais projeções econômicas.

Em um artigo célebre do início dos anos 80, os economistas Richard Meese e Kenneth Rogoff mostraram que previsões feitas a partir de modelos econômicos consagrados não eram melhores do que uma regra de bolso segundo a qual o câmbio amanhã será igual ao câmbio hoje.

Vide o que se deu no ano passado. No último dia de 2015, o dólar valia R$ 3,90. Os economistas esperavam que, no final de 2016, a moeda americana estaria valendo R$ 4,21. O resultado efetivo foi R$ 3,26. Este exemplo não prova nada, mas quem usou a regrinha de bolso se deu bem melhor: cometeu erro grosseiro, de mais de R$ 0,60, mas o tropeço dos modelos econômicos foi ainda mais vexaminoso – quase 50% maior.

O pior é que desfechos como este não são tão incomuns. Participei de uma banca de doutoramento na USP há uns dez anos em que o candidato mostrou que um economista que tivesse projetado o valor do dólar com base na cotação atual teria tido o melhor desempenho no ranking do Banco Central quando se agregam os critérios de curto, médio e longo prazos.

Em um experimento realizado com alunos da Universidade de Yale, um rato foi colocado em um labirinto com o formato de uma letra T. Uma máquina despejava comida de forma aleatória em um dos lados do T de modo que, no longo prazo, em 60% do tempo ela caía do lado esquerdo e em 40% no lado direito. O padrão não foi informado aos alunos (nem ao rato).

Os alunos deveriam prever o lado em que a comida apareceria. Após umas rodadas, o rato percebeu que a viagem ao lado esquerdo era um pouco mais recompensadora e, a partir desse momento, deixou de ir ao lado direito. No final do experimento, seu escore foi aproximadamente 60% – resultado medíocre, mas o melhor possível nas circunstâncias.

Os estudantes, por sua vez, procuraram encontrar um padrão na alocação da comida e, no final do dia, acertaram apenas 52%. Por uma razão parecida, copeiras e avós costumam ter desempenho melhor em bolões do que os experts em futebol. Moral da história: às vezes é melhor não ter uma reputação a zelar quando o desafio é prever algo em grande parte imprevisível.

Voltando à vaca fria, é preciso ter argumentos sólidos e bastante coragem para apostar em uma projeção para o câmbio distinta da cotação atual. Por que então os economistas, incluindo este que vos escreve, esperam fortalecimento do dólar frente ao real ao longo de 2017? A resposta está na preferência por minimizar perdas diante da existência de um cenário alternativo em que o real pode se depreciar bastante.

A atual tendência resulta de uma visão melhor com relação ao Brasil em um momento em que os ventos externos sopram a favor. A queda da inflação transforma o juro brasileiro em um dos mais atraentes do planeta – até porque países com os quais competimos por recursos estão passando por dificuldades, como Turquia e México. Além disso, a alta das cotações de commodities compensa a expectativa de normalização da política monetária americana.

Nesta toada, o prêmio de risco brasileiro continuará se aproximando do associado ao conjunto dos países com os quais somos normalmente comparados e o valor do dólar cairá facilmente para cerca de R$ 3,00. Esse é o cenário preferido do rato de Yale – e que deve ser levado a sério, especialmente para o curto prazo.

No entanto, há riscos consideráveis que precisam ser ponderados e que, se materializados, tenderão a empurrar o dólar para cima. A política econômica de Trump é ainda uma grande incógnita mas, a julgar pelo que foi dito durante a campanha, seu viés é inflacionário e, por esta razão, favorável ao dólar na medida em que o FED tende a contrabalançá-la com juros maiores (e o mercado não está acreditando nas diretrizes do colegiado).

A situação da China é insustentável. Pode perdurar por alguns anos, mas não indefinidamente e, quando a conta chegar, o dólar subirá bastante e moedas “arriscadas” cairão. O risco de eventos políticos desagradáveis na Europa é preocupante, especialmente pelo que ocorreu no ano passado. Os bancos italianos estão por um fio. O Brexit será “puro sangue”. E, na frente doméstica, acabará o efeito anestésico dos recessos do Legislativo e do Judiciário. Como se sabe, o avanço da Reforma da Previdência não será bolinho. E o imponderável não tem jogado a favor ultimamente.

Qual o valor do dólar se a vaca for para o brejo? Na ocorrência de qualquer um destes riscos, a desvalorização do real frente ao dólar tenderá a ser forte. Se o governo Temer patinar com uma situação externa delicada, não será difícil ver o dólar chegando a, digamos, R$ 4,50. É improvável, mas possível. O risco tem que ser ponderado.

Hoje, atribuo dois terços de probabilidade ao cenário em que as coisas andam, mesmo que aos trancos em barrancos. Se me pedirem para apostar seco, é neste cenário que colocaria as fichas. Mas, para minimizar o risco de perdas grandes, é preciso considerar ex ante os riscos existentes que, de forma geral, tendem a ser desfavoráveis ao real. Acho que há um terço de chance de que alguma coisa atrapalhe bastante. O valor esperado dos dois cenários é aproximadamente R$ 3,50.

Por isso que, no frigir dos ovos, ponderando os riscos, acredito em uma pequena desvalorização do real para dezembro. Sem, é claro, desprezar a sabedoria dos ratos.

celsonovo

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De acordo com a pesquisa Focus, os economistas acreditavam, no final da semana passada, que a verdinha iria encarecer ao longo de 2017, devendo ser negociada a R$ 3,40 no final de dezembro – aproximadamente 7% mais do que os R$ 3,17 atuais. Faz sentido?

Antes de arriscar uma resposta, é bom lembrar que palpites sobre o comportamento futuro de taxas de câmbio devem ser feitos com dose de humildade ainda maior do que a normalmente recomendável às demais projeções econômicas.

Em um artigo célebre do início dos anos 80, os economistas Richard Meese e Kenneth Rogoff mostraram que previsões feitas a partir de modelos econômicos consagrados não eram melhores do que uma regra de bolso segundo a qual o câmbio amanhã será igual ao câmbio hoje.

Vide o que se deu no ano passado. No último dia de 2015, o dólar valia R$ 3,90. Os economistas esperavam que, no final de 2016, a moeda americana estaria valendo R$ 4,21. O resultado efetivo foi R$ 3,26. Este exemplo não prova nada, mas quem usou a regrinha de bolso se deu bem melhor: cometeu erro grosseiro, de mais de R$ 0,60, mas o tropeço dos modelos econômicos foi ainda mais vexaminoso – quase 50% maior.

O pior é que desfechos como este não são tão incomuns. Participei de uma banca de doutoramento na USP há uns dez anos em que o candidato mostrou que um economista que tivesse projetado o valor do dólar com base na cotação atual teria tido o melhor desempenho no ranking do Banco Central quando se agregam os critérios de curto, médio e longo prazos.

Em um experimento realizado com alunos da Universidade de Yale, um rato foi colocado em um labirinto com o formato de uma letra T. Uma máquina despejava comida de forma aleatória em um dos lados do T de modo que, no longo prazo, em 60% do tempo ela caía do lado esquerdo e em 40% no lado direito. O padrão não foi informado aos alunos (nem ao rato).

Os alunos deveriam prever o lado em que a comida apareceria. Após umas rodadas, o rato percebeu que a viagem ao lado esquerdo era um pouco mais recompensadora e, a partir desse momento, deixou de ir ao lado direito. No final do experimento, seu escore foi aproximadamente 60% – resultado medíocre, mas o melhor possível nas circunstâncias.

Os estudantes, por sua vez, procuraram encontrar um padrão na alocação da comida e, no final do dia, acertaram apenas 52%. Por uma razão parecida, copeiras e avós costumam ter desempenho melhor em bolões do que os experts em futebol. Moral da história: às vezes é melhor não ter uma reputação a zelar quando o desafio é prever algo em grande parte imprevisível.

Voltando à vaca fria, é preciso ter argumentos sólidos e bastante coragem para apostar em uma projeção para o câmbio distinta da cotação atual. Por que então os economistas, incluindo este que vos escreve, esperam fortalecimento do dólar frente ao real ao longo de 2017? A resposta está na preferência por minimizar perdas diante da existência de um cenário alternativo em que o real pode se depreciar bastante.

A atual tendência resulta de uma visão melhor com relação ao Brasil em um momento em que os ventos externos sopram a favor. A queda da inflação transforma o juro brasileiro em um dos mais atraentes do planeta – até porque países com os quais competimos por recursos estão passando por dificuldades, como Turquia e México. Além disso, a alta das cotações de commodities compensa a expectativa de normalização da política monetária americana.

Nesta toada, o prêmio de risco brasileiro continuará se aproximando do associado ao conjunto dos países com os quais somos normalmente comparados e o valor do dólar cairá facilmente para cerca de R$ 3,00. Esse é o cenário preferido do rato de Yale – e que deve ser levado a sério, especialmente para o curto prazo.

No entanto, há riscos consideráveis que precisam ser ponderados e que, se materializados, tenderão a empurrar o dólar para cima. A política econômica de Trump é ainda uma grande incógnita mas, a julgar pelo que foi dito durante a campanha, seu viés é inflacionário e, por esta razão, favorável ao dólar na medida em que o FED tende a contrabalançá-la com juros maiores (e o mercado não está acreditando nas diretrizes do colegiado).

A situação da China é insustentável. Pode perdurar por alguns anos, mas não indefinidamente e, quando a conta chegar, o dólar subirá bastante e moedas “arriscadas” cairão. O risco de eventos políticos desagradáveis na Europa é preocupante, especialmente pelo que ocorreu no ano passado. Os bancos italianos estão por um fio. O Brexit será “puro sangue”. E, na frente doméstica, acabará o efeito anestésico dos recessos do Legislativo e do Judiciário. Como se sabe, o avanço da Reforma da Previdência não será bolinho. E o imponderável não tem jogado a favor ultimamente.

Qual o valor do dólar se a vaca for para o brejo? Na ocorrência de qualquer um destes riscos, a desvalorização do real frente ao dólar tenderá a ser forte. Se o governo Temer patinar com uma situação externa delicada, não será difícil ver o dólar chegando a, digamos, R$ 4,50. É improvável, mas possível. O risco tem que ser ponderado.

Hoje, atribuo dois terços de probabilidade ao cenário em que as coisas andam, mesmo que aos trancos em barrancos. Se me pedirem para apostar seco, é neste cenário que colocaria as fichas. Mas, para minimizar o risco de perdas grandes, é preciso considerar ex ante os riscos existentes que, de forma geral, tendem a ser desfavoráveis ao real. Acho que há um terço de chance de que alguma coisa atrapalhe bastante. O valor esperado dos dois cenários é aproximadamente R$ 3,50.

Por isso que, no frigir dos ovos, ponderando os riscos, acredito em uma pequena desvalorização do real para dezembro. Sem, é claro, desprezar a sabedoria dos ratos.

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