Dá para justificar o otimismo político do mercado?
Apesar do otimismo com a economia, quem garante que não haverá mais novidades no cenário eleitoral até outubro?
Publicado em 2 de abril de 2018 às, 12h13.
Recebi há duas semanas as notas de viagem produzidas por um time de economistas de um banco estrangeiro que veio tomar o pulso do país ouvindo a opinião dos patrícios. Nessas excursões, os bancos selecionam alguns clientes e os levam para conversar com economistas e estrategistas de instituições parceiras, consultores econômicos e políticos independentes, acadêmicos e autoridades do governo, tipicamente do Banco Central e do Ministério da Fazenda.
Pode-se dizer que voltam para casa com uma boa visão do sentimento local.
O grupo em questão fez as seguintes anotações:
1. Existe um “forte consenso” de que Alckmin será o candidato da “centro-direita”, chegará ao segundo turno e levará a presidência;
2. O tucano disputará a final com um petista ou Ciro Gomes – Lula fora;
3. Dentre os candidatos, Ciro é o pior do ponto de vista dos mercados;
4. Bolsonaro também é ruim, mas não é competitivo e nem deve chegar ao segundo turno;
5. A convicção com relação ao favoritismo de Alckmin cria uma assimetria nos mercados: notícias ruins para o tucano antes do início da campanha na TV serão descontadas, mas as boas tendem a ter um efeito positivo;
6. A maioria dos candidatos é favorável à reforma da Previdência (com diferentes graus de profundidade) porque “o problema é urgente”.
Trata-se de um cenário com contornos otimistas, especialmente no tocante aos itens cinco e seis. Significa que o país do desperdício e da ineficiência, rachado e exibindo sintomas que remontam à triste cena política colombiana dos anos 90, escolherá daqui uns meses um candidato moderado e favorável a reformas modernizadoras de cunho liberal.
Implicitamente, a vulgaridade do debate, o casuísmo dos poderes, até do que até ontem parecia segurar a barra, e atentados a tiros, assassinatos e ameaças à integridade de autoridades são apenas detalhes desagradáveis que não mudam a essência das coisas: a população aprendeu com a crise e sabe onde está a saída. O país “amadureceu”.
Esse humor entusiasmado ajuda a entender porque o índice da bolsa flutua acima dos 85 mil pontos. A inflação baixa e a retomada da economia seriam insuficientes para assanhar o mercado se não houvesse um mínimo de segurança com relação à continuidade da política econômica atual, melhor representada pelo candidato tucano.
Dá para comprar?
Há elementos que conferem verossimilhança à fábula. Trabalhos científicos atestam que o tempo na TV e a disponibilidade de recursos financeiros são variáveis fundamentais para o sucesso em eleições majoritárias. Aceitando-se a premissa de que Alckmin será lançado a partir de uma grande coalizão de centro-direita, sua campanha terá mais de cinco vezes o tempo e os recursos de qualquer adversário. A distância é grande mesmo supondo alguma união da esquerda.
Além disso, a literatura especializada também mostra que a aprovação do governo é uma variável chave. Um dos desafios da plataforma continuísta é defender a política e, ao mesmo tempo, se descolar das figuras tóxicas de Temer e cúmplices. Nesse sentido, a ambição do presidente em lançar-se candidato pode ser de grande valia ao tucano no primeiro turno, mais do que compensando a perda de dinheiro e de tempo na TV.
De resto, a melhora econômica facilita o trabalho de empurrar a malquerença ao colo do governo corrupto, purificando a política econômica.
Tudo isso é verdade e ajuda a entender o consenso. O risco é que a análise pode estar sendo feita com complacência por conta do momento favorável do mercado. Em 30 anos de consultoria, estou convicto de que nem sempre as análises determinam os preços. Muitas vezes ocorre o contrário e os preços determinam a análise. Quando o otimismo toma conta, riscos são descontados havendo o inverso quando o pessimismo impera.
Há uma série de obstáculos que a meu juízo tornam arriscadas as apostas baseadas na hipótese de que o jogo estaria tranquilo e favorável a Alckmin.
A disputa relevante em uma eleição fragmentada é a do primeiro turno, pois é claro que, no segundo, vencerá o candidato mais próximo do eleitor mediano. Se chegar lá, o governador paulista é de fato um candidato fortíssimo, quase imbatível. Aí sim será inevitável a formação de uma grande coalização de centro-direita alavancada pela melhora da economia e com a tarefa simples de trazer à memória do eleitor o massacre produzido pela incompetência de Dilma.
O xis da questão é chegar ao segundo turno e aí o busílis é bem mais cabeludo. O peessedebista, apesar de ser uma figura tarimbada da política e governador do Estado mais importante, tem poucos eleitores que espontaneamente declaram preferir seu nome. Muito menos que Lula e Bolsonaro. Como se sabe, a manifestação espontânea é um indicador de convicção. Lula tem 17%, Bolsonaro 10% e Alckmin 2% (equivalente aos eleitores que espontaneamente votariam nele se ele pudesse disputar o governo paulista). No primeiro turno vale a convicção. O voto estratégico é o do segundo turno.
Talvez a desvantagem não seja tão grande. Se todos que votaram em Aécio ou no próprio Alckmin no primeiro turno das eleições de 2014, no Estado de São Paulo, votarem no tucano no primeiro turno em outubro, ele partirá de uma base de cerca de 10% de votos, empatando o jogo com os principais adversários no início da disputa. O problema é que sair de uma base igual não chega a ser refresco e, além disso, trata-se aqui de um tremendo “se” porque, aparentemente, o militar supera o tucano em São Paulo.
O fato é que, apesar de jogar o jogo competentemente, apoiando-se na estrutura mais sólida e comendo pelas beiradas, Alckmin é um candidato “pesado”. Isso é péssimo em uma corrida fragmentada que seria propensa a zebras mesmo se ele fosse carismático como Luciano Huck. Não custa lembrar que o tucano tem no currículo a proeza de ter tido menos votos no segundo turno do que no primeiro na disputa contra Lula em 2006. Que outro político foi capaz de desencantar 2,5 milhões de eleitores em quinze dias?
Lula provavelmente não poderá disputar, mas não se pode afirmar isso com certeza dada a insegurança gerada pelos vaivéns do judiciário. Se disputar será favorito. Se não disputar indicará nome que terá grande chance de chegar ao segundo turno, pois 27% dos eleitores dizem que votam em quem Lula indicar e 17% dizem que podem votar. Ironicamente, se lançar Haddad o PT entrará com um dos nomes mais lúcidos do cenário atual (não fosse a tigrada …).
Há ainda a chance de o PT apoiar outro candidato por algum motivo, seja para combater os “golpistas”, seja por falta de candidato competitivo ou para ter mais dinheiro para investir em uma bancada parruda no Congresso. Isso parece ser remoto, pois implicaria a perda do posto de referência da esquerda conquistado a duras penas. Ainda assim não é algo que soa totalmente implausível. Se o tal candidato for Ciro ele põe um pé no planalto.
Ciro é um candidato perigoso. Costuma morrer pela boca. É heterodoxo, tem opiniões fortes e acredita que é possível governar sem o toma lá dá cá (como Dilma e Collor). Não é a toa que os mercados desconfiam do pedetista e preferem árbitros esclarecidos e pragmáticos a indivíduos com convicções. Mas é articulado, tem boa retórica, experiência e presença no Nordeste. Será osso duro se pegar Alckmin no segundo. É favorito contra os demais.
Bolsonaro começa com 10%. Também fala demais e não tem estrutura partidária, mas se fechar com o PR terá tempo para fazer uma campanha que aumentará bastante sua chance de chegar ao segundo turno. As mídias sociais também podem ajudar. Não sei dizer qual a relevância delas, mas o fato é que o discurso de Bolsonaro tem “pegado” – ninguém melhor do que ele para despertar o pacóvio que temos em nós. O empenho do STF em garantir que o Brasil continue sendo o paraíso da impunidade ajuda. A índole de Bolsonaro deve transformá-lo em um pato manco no segundo turno, mas isso não é refresco se o preço for uma disputa sem o tucano.
Há ainda os “outsiders”. Flávio Rocha entra na disputa com recursos. Não parece ser um nome competitivo, mas fragmenta a “centro-direita”, prejudicando Alckmin. Uma eventual chapa Joaquim Barbosa-Marina é competitiva e potencialmente geradora de incerteza econômica. O jurista é uma figura carismática capaz de estabelecer um vínculo com o eleitorado vendendo a imagem de cidadão de origem simples que venceu na vida honestamente e que deu uma contribuição importante para tentar limpar o lamaçal de Brasília. Mas isso não garante que ele seja um bom presidente, disposto e capaz de negociar com congressistas picaretas e apto a tomar decisões que exijam faro econômico.
Por fim, há o imprevisível. Eventos de grande impacto como o lamentável assassinato da vereadora Marielle podem ser decisivos em uma eleição fragmentada. A panela de pressão está fervendo. Quem garante que não haverá mais novidades até outubro?
Torço para que tudo dê certo, mas é difícil ter a mesma convicção que tem segurado o mercado.