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Crescimento: três perguntas, duas respostas e um palpite

Por que as economias crescem? Por que a brasileira está crescendo? Quanto ela crescerá no futuro? Deparo-me com frequência com estas indagações, ordenadas aqui pela ordem de dificuldade. Boa parte das decisões sobre o que fazer com nosso rico dinheirinho depende das respostas. A terceira é a decisiva, mas o busílis é que ela depende […]

VAREJO: é possível que o consumo surpreenda positivamente no ano que vem, puxando o PIB mesmo que os investimentos não andem tanto / Alexandre Battibugli (Alexandre Battibugli/Reprodução)
VAREJO: é possível que o consumo surpreenda positivamente no ano que vem, puxando o PIB mesmo que os investimentos não andem tanto / Alexandre Battibugli (Alexandre Battibugli/Reprodução)
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Celso Toledo

Publicado em 11 de setembro de 2017 às, 11h54.

Por que as economias crescem? Por que a brasileira está crescendo? Quanto ela crescerá no futuro? Deparo-me com frequência com estas indagações, ordenadas aqui pela ordem de dificuldade. Boa parte das decisões sobre o que fazer com nosso rico dinheirinho depende das respostas. A terceira é a decisiva, mas o busílis é que ela depende das outras. Enfrento a seguir mais firmemente as duas primeiras e palpito sobre a terceira.

As economias crescem porque crescer é normal, por incrível que possa parecer. Os incentivos nos países situados na fronteira tecnológica estão alinhados para estimular empresas e indivíduos a competirem entre si de modo que, no final, todos ganhem com a expansão da fronteira. Isso permite que países atrasados cresçam simplesmente copiando o que funciona no mundo desenvolvido. Olhando por este prisma, a questão mais fascinante é saber por que as economias que estão aquém da fronteira tecnológica crescem menos do que poderiam.

A ausência de dinamismo decorre de obstáculos de três naturezas. Primeiro, por azar puro e simples – o leque de oportunidades e a produtividade são menores em países com território pouco fértil ou que não tenham acesso direto aos mares, por exemplo. Segundo, pela predominância de regras que favoreçam transferências e expropriações em detrimento do empreendedorismo, situação que, por razões óbvias, produzem um equilíbrio desfavorável. Terceiro, por falta de poupança ou crédito.

O Brasil é abençoado. Gigante pela própria natureza, nossos campos têm mais flores (e os bosques têm mais vida). No entanto, todo esse potencial é desperdiçado porque as instituições foram moldadas para transformar o Estado em um instrumento para a perpetuação dos privilégios dos “donos do poder”. Os brasileiros mais espertos sabem que o segredo para uma vida sem sobressaltos coroada por aposentadoria polpuda em tenra idade é arrumar um emprego público, ganhar uma eleição, ser amigo de uma autoridade, etc.

Um artigo clássico dos economistas Kevin Murphy, Andrei Shleifer e Robert Vishny publicado em 1991 no renomado Quarterly Journal of Economics usou a relação entre engenheiros e advogados para mostrar como a alocação desfavorável de talentos afeta negativamente o desenvolvimento econômico. Países em que os jovens mais promissores preferem cursar advocacia são mais corruptos e crescem menos – nada contra os doutores, naturalmente, mas é claro que seu ofício está mais associado à distribuição do que à geração da riqueza.

Para engrossar o angu, além do parco incentivo a empreender graças a regras que favorecem transferências e expropriação, o brasileiro não gosta de poupar. Na verdade, a opção por um Estado gigante e onipresente está também associada a este traço. A escassez de poupança explica os juros elevados e os investimentos reduzidos. Explica também porque aumenta a vulnerabilidade do balanço de pagamentos quando há soluços de prosperidade.

Respondida a primeira indagação, a questão é saber por que o Brasil está crescendo atualmente. A razão é trivial e não tem relação com a digressão acima, que trata dos determinantes do crescimento no longo prazo. Para entender o ciclo de expansão atual, a melhor analogia é o fim de um “apagão”. O governo anterior fez tudo o que estava ao seu alcance para colocar o país em uma das maiores recessões da história. Arruinou as contas públicas, quebrou uma das maiores petrolíferas do mundo, deu dinheiro a rodo para os companheiros, interferiu discricionariamente no sistema de preços, deixou a inflação e a corrupção saírem do controle, isolou-se politicamente e, sem a menor capacidade de governar, perdeu o mandato por ter cometido crimes fiscais, condenando o país a um período prolongado de incertezas – antes e após as eleições de 2014.

A economia colapsou como se tivesse havido um terremoto ou uma guerra. Em menor escala, a referência é o apagão de 2001. O lado positivo dessas tragédias é que, assim que as causas da recessão são removidas, a tendência é de normalização. A retomada pode vir um pouco mais rápida ou lentamente, ser mais ou menos intensa, mas vem inexoravelmente. Não há milagre nem surpresa no crescimento atual – nem tampouco razão para supor que daqui para frente tudo será diferente. Diga-se, é por isso que é bem mais fácil prever a retomada do que a recessão.

Logo após o impeachment, instalou-se uma euforia com relação ao crescimento que acabou se mostrando precipitada, basicamente porque muitos analistas comemoraram (corretamente) a nova política econômica, mas ignoraram os efeitos perversos do “entupimento” dos canais do mercado de crédito. Atualmente, o crédito começa a fluir, especialmente para o consumo. Além disso, as condições globais tornaram-se francamente favoráveis, facilitando a recuperação.

A menos do otimismo um pouco exagerado com relação ao timing, a recuperação foi amplamente antecipada pelos economistas. No dia em que Dilma perdeu o mandado, a profissão esperava crescimento de 1,3% para 2017, de acordo com o Boletim Focus do Banco Central. Projeta-se hoje crescimento um pouco menor, mas a diferença é pouco relevante. Para 2018, as projeções têm oscilado entre 2,0% e 2,5% desde que Temer assumiu, retratando a expectativa de retorno à normalidade diante do enorme “hiato”, as circunstâncias globais favoráveis e a noção de que o potencial de longo prazo é reduzido pelas razões analisadas no início.

Dá para ser melhor? Sim. É fácil projetar crescimento de algo entre 3,5% e 4,0% para o ano que vem se estivermos dispostos a calibrar algumas premissas com benevolência. A receita é usar os seguintes ingredientes: (i) a queda da inflação, especialmente dos alimentos, está fazendo sobrar recursos no bolso da população – faz tempo que o salário mínimo não compra tantas cestas básicas, por exemplo; (ii) esse efeito tende a ser potencializado pela queda do juro em curso, que ainda não teve o efeito pleno sobre as finanças das famílias – a “sobra” de dinheiro pode ser da ordem de R$ 100 bilhões; (iii) esse alívio somado ao fato de que a alavancagem das famílias caiu bastante estimulará os bancos a afrouxar critérios para emprestar, coisa que já está acontecendo. Juntando tudo, é possível que o consumo surpreenda positivamente no ano que vem, puxando o PIB mesmo que os investimentos não andem tanto.

O Boletim Latin Focus reúne as projeções de uma amostra representativa de analistas, com algo em torno de 35 instituições. Até o mês passado, ninguém teve coragem de se desviar significativamente do confortável consenso – o mais otimista projetou crescimento de 2,9%, aposta um pouco mais agressiva, mas não significativamente distinta da mediana quando consideramos a imprecisão das projeções. Conversei recentemente com um colega que faz as contas direito e que está tentado a apostar em um avanço mais significativo. Ele costuma formar opinião. Desconfio que o consenso vá migrar para projeções mais vistosas nas próximas semanas, mas duvido que a mediana supere 3,0% por enquanto. As últimas simulações que fiz dão crescimento de 2,7%. É o que temos.

Chegamos assim à terceira pergunta. Quanto o Brasil crescerá quando o efeito do “apagão” da Dilma se dissipar? Pela pesquisa Focus, 2,5% ao ano. Dá para ser mais? Claro que dá. Se a sociedade chegar a um acordo satisfatório para sanear as contas públicas renegando o curriculum diligentemente construído desde o desembarque do primeiro português, se a infraestrutura for turbinada por um programa competente de concessões e privatizações e se o mundo não atrapalhar, o crescimento será bem maior do que os 2,5%. Não é preciso ser gênio para chegar a essa conclusão.

A maioria dos economistas chuta que o crescimento será menor porque é difícil acreditar que estejamos dispostos a apertar o cinto na velocidade necessária. Acredito que a maioria dos brasileiros queira o ajuste, mas desde que ele atinja o bolso do vizinho. Em equilíbrio, as demandas continuarão não cabendo no orçamento e, por isso, as reformas – se avançarem – avançarão lentamente, aumentando o risco de retrocesso. O próximo presidente terá que gastar capital político para ajustar a “regra do teto” se não quiser mexer em despesas “quase obrigatórias” ou “fechar” o governo, por exemplo. Torço para estar errado.

Resumindo, o Brasil crescerá nos próximos trimestres porque o “apagão” acabou. Meu palpite atualmente é coerente com o consenso, próximo das estimativas mais otimistas. A probabilidade de resultado realmente surpreendente para melhor não é desprezível – calculo uma chance em cinco de o PIB crescer mais do que 3,5% em 2018. Qualquer que seja o resultado, a sensação será muito boa porque os últimos anos foram miseráveis. Aqueles que não têm que se comprometer por prazos longos, devem aproveitar os bons ventos e colocar fichas no kit “Temer-seguido-de-Macron-tupiniquim”. Já aqueles que não podem reverter as escolhas feitas agora com muita facilidade devem aproveitar a onda com moderação.