(Getty Images /AFP)
Colunista
Publicado em 8 de abril de 2025 às 10h48.
Sendo honesto, dá para afirmar pouca coisa além do que — imagino — já esteja na cabeça da maioria nesta altura do campeonato. Como costuma ocorrer em momentos de crise, há mais dúvidas do que certezas. Ainda assim, destaco os seguintes pontos:
Incerteza não se mede diretamente, mas as proxies disponíveis foram à estratosfera. Um indicador compilado por pesquisadores norte-americanos, com base no conteúdo do noticiário econômico, aponta que a incerteza em março já estava próxima ao pico da pandemia — e, provavelmente, aumentou ainda mais após o “Dia da Liberação”. A evidência histórica mostra que surtos de incerteza costumam ser seguidos por recessões. E recessões nos EUA afetam o mundo inteiro.
Diante de choques de incerteza, a reação típica é vender primeiro e entender depois. As portas de saída se estreitam e os preços oscilam bruscamente. O VIX — o “índice do medo” — disparou por essa razão. Já os economistas tendem a ajustar seus cenários com mais calma, aguardando dados estatísticos que, embora mais precisos, demoram a chegar. Em geral, vale a regra: mercados antecipam bem a direção dos impactos, mas exageram na magnitude.
Não se trata apenas de estimar os efeitos diretos — já bastante complexos — de tarifas impostas pelos EUA. O problema maior é a forma agressiva, atabalhoada e rudimentar com que tudo vem sendo conduzido, abalando a ordem que pautava o comércio global há décadas. Isso torna ainda mais incertos os modelos de simulação — daí a disparada da incerteza. A resposta racional seria não reagir ao dano que os EUA causaram a si próprios, mas o mundo real é mais complexo e envolve também pressões políticas. O avanço do protecionismo tende a reduzir o potencial de crescimento global no longo prazo e aumentar o risco de novas crises. Difícil saber quanto.
Tarifas encarecem produtos, mas não geram necessariamente mais inflação. A retração do comércio empobrece os países. A incerteza desestimula investimentos e torna os consumidores mais cautelosos. Com isso, a demanda agregada tende a cair — reduzindo, por exemplo, os preços das commodities. Em outras palavras: há um choque de oferta inflacionário e um choque de demanda deflacionário. O efeito líquido depende de múltiplos fatores, como:
(i) exposição externa da economia,
(ii) posição cíclica antes do choque,
(iii) grau de ancoragem das expectativas,
(iv) credibilidade da política econômica.
Nos EUA, o Fed terá mais dificuldade para decidir se mantém os juros elevados, apesar da economia ainda aquecida e o novo choque desfavorável de custos. No Brasil, o impacto de curto prazo tende a ser desinflacionário, mas a desancoragem das expectativas segue sendo fruto das inconsistências da política econômica — e a crise pode agravar esse quadro.
“A vida encontra um caminho”, dizia o matemático interpretado por Jeff Goldblum em Jurassic Park. Temia-se a escassez de petróleo no início da guerra entre Rússia e Ucrânia por causa das sanções. O barril chegou a ultrapassar US$ 120, mas em poucos meses retornou ao nível anterior, graças à reorganização dos fluxos globais. O protecionismo encarece o comércio, reduz volumes, mas não muda o essencial: os países continuarão produzindo o que sabem e consumindo o que precisam. É improvável, por exemplo, que haja renascimento da indústria americana. Empresas e famílias seguirão importando os mesmos insumos e bens — só que pagando mais caro. Com o tempo, a realidade se imporá e as rodadas de negociação tenderão a restaurar parte da racionalidade perdida.
As tarifas subiram para todos — até para ilhas desabitadas. A assimetria, no curto prazo, favorece alguns países e setores. Pode ser que parte da demanda chinesa por commodities seja redirecionada dos EUA para o Brasil, por exemplo. Mas, se o mundo entrar em recessão, o Brasil sentirá — especialmente os setores industriais e exportadores. A marola pode até ser menor, como em 2008/09, mas o tranco chegará por aqui também.
Crises costumam gerar reprecificação global de risco. Investidores buscam segurança, moedas emergentes se desvalorizam, o custo do financiamento externo aumenta. Normalmente, o dólar se valoriza. Desta vez, menos, por razões óbvias. No Brasil, o quadro é especialmente delicado: fragilidade fiscal, baixo crescimento potencial e um governo em modo eleitoral complicam o cenário. No curto prazo, talvez os juros não subam tanto quanto se imaginava, e o preço do dólar pode cair, mas o risco de um futuro com menos crescimento e mais inflação aumentou porque, por aqui, o governo estimula a economia até quando não é necessário. Quando encontra um motivo...
Só o político pode salvar o economista é o título de um livro do Defim Netto. Seria bom se dessa vez os economistas pudessem ter salvado os políticos. Péssimo augúrio para onde as más ideias já normalmente costumam prosperar.