Como elevar as convicções democráticas no Brasil?
Coluna recente de José Roberto de Toledo (JRT) no Estadão tratou da insatisfação do brasileiro com a democracia. Segundo o Ibope, mais de 80% dos brasileiros estariam pouco ou nada satisfeitos com o funcionamento do sistema. O cansaço com a democracia não se traduz automaticamente em simpatia pelo autoritarismo. Pelo contrário, a parcela dos que […]
Da Redação
Publicado em 23 de maio de 2016 às 12h32.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h02.
Coluna recente de José Roberto de Toledo (JRT) no Estadão tratou da insatisfação do brasileiro com a democracia. Segundo o Ibope, mais de 80% dos brasileiros estariam pouco ou nada satisfeitos com o funcionamento do sistema.
O cansaço com a democracia não se traduz automaticamente em simpatia pelo autoritarismo. Pelo contrário, a parcela dos que pensam desse modo caiu e nunca foi tão baixa. Ainda assim, a maioria discorda da afirmação de que a democracia é preferível às outras formas de governo.
JRT costura essas informações de modo interessante: “Eduardo Cunha tem mais impacto negativo sobre a democracia do que Jair Bolsonaro. Enquanto este se limita a uma fatia cadente da população, o outro é capaz de espalhar o descrédito do sistema entre o dobro de brasileiros”.
A explicação é crível e consistente com o que a pesquisa mostra. Mas será que a popularidade da democracia aumentaria se, em um passe de mágica, fosse possível fazer uma faxina no Congresso?
A Latinobarómetro — organização privada sem fins lucrativos sediada no Chile — conduz pesquisas de opinião semelhantes em diversos países da América Latina desde 1995. Na primeira edição, praticamente 60% dos venezuelanos concordavam com a afirmação “a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo”.
Desde então, a renda média daquele país encolheu cerca de 10%, tendo caído quase 20% desde a crise financeira. A inflação certamente é maior do que 500%. Com um pouquinho de honestidade fica inescapável concluir que o bolivarianismo afundou nosso vizinho.
Como evoluiu a avaliação da democracia no período? Se você, como eu, arriscou o palpite de que o apoio deve ter caído, informo que ocorreu o oposto. Em 2015, quase 84% dos venezuelanos concordaram com a afirmação de que a democracia é preferível, revelando que o apoio ao sistema avança mais na terra de Chávez e Maduro do que em outras nações relevantes da região.
A título de comparação, o sentimento democrático tem oscilado na faixa entre 55% e 60% na média dos países cobertos pela pesquisa. No Chile, uma das economias mais bem sucedidas da América Latina, a aprovação da democracia aumentou consistentemente, mas de forma bem mais tímida do que na Venezuela: passou de 52,2% em 1995 para 64,8% no ano passado.
Como explicar o forte crescimento de convicções democráticas em um país em que as liberdades individuais são grosseiramente aviltadas e onde o fracasso das políticas populistas da esquerda reflete de forma arrematada o roteiro do “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”?
A resposta pode estar na possibilidade de o venezuelano responder à questão com premissas distintas das usadas pelo chileno. Se estiver correto, há uma interpretação alternativa para os resultados da pesquisa do Ibope no Brasil.
A avaliação da democracia tem como ponto de partida o grau em que as liberdades democráticas são garantidas e, com este pano de fundo, é determinada pela evolução da economia. Um indivíduo que vive em um país democrático avalia a democracia de forma diferente de um indivíduo que vive em um país não democrático. Com as liberdades garantidas, a democracia é a “culpada” pelos insucessos da economia. Em regimes autoritários, a democracia é a salvação.
A empresa de consultoria Economist Intelligence Unit compila anualmente um “Índice de Democracia” com o objetivo de medir a efetividade do sistema a partir da agregação de avaliações sobre lisura do processo eleitoral, existência de controles e compensações às ações do governo, liberdades civis e etc.
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru são exemplos de países democráticos, mas em que a democracia apresenta “falhas” — França e Japão são exemplos de países desenvolvidos na mesma situação. A Venezuela, por outro lado, é um país “híbrido”, nem democrático, nem autoritário — como Equador e Nicarágua.
No primeiro grupo, existe uma intersecção entre a avaliação que os cidadãos fazem da economia e sua satisfação com o sistema de governo. Quando a economia progride, a avaliação sobre democracia é mais positiva e vice-versa.
A pegadinha é que os conflitos inerentes a uma democracia (sobretudo as com “falhas”) atrasam o crescimento nos estágios mais avançados — um problema conhecido por “armadilha da renda média”. Essa dificuldade normal faz com que as pessoas torçam mais o nariz para a democracia quando vivem em países democráticos: diante do biscoito, prestam mais atenção no buraco. Avaliam a democracia segundo a frase batida de Churchill: “é a pior forma de governo exceto pelas demais que são testadas de tempos em tempos”.
Nos países “híbridos” ou autoritários, a falta de liberdade requer uma compensação econômica. É mais difícil engolir um “controle democrático da mídia” ou um “ministério da suprema felicidade” quando a economia está afundando. Resultado: a falta de liberdade e o colapso econômico fazem com que a popularidade da democracia aumente.
Se for assim, acredito que a satisfação com a democracia esteja em baixa no Brasil não pela ficha deprimente de boa parte dos políticos, mas porque a política econômica populista fracassou, felizmente sem prejuízo de liberdades democráticas — apesar dos esforços nessa direção.
O Congresso Nacional é um retrato fiel do Brasil que ficou escancarado com a votação pelo impedimento. Pode melhorar um pouco se vierem aperfeiçoamentos do sistema eleitoral, mas mesmo assim não nos livraremos tão cedo das aberrações.
Contrariando a sugestão implícita do excelente artigo de JRT, o caminho mais fácil para elevar a avaliação da democracia no país não é eliminar Cunhas e assemelhados. Basta aumentar seu número e influência e a preferência pela democracia deverá aumentar.
A alternativa é se conformar com o fato de que o caminho para reconstruir a casa depois do vendaval será longo, torcer para que não haja recaída autoritária, acompanhar de perto o espetáculo tragicômico de Brasília e observar candidamente a continuidade da queda da popularidade da democracia por mais uns anos.
Coluna recente de José Roberto de Toledo (JRT) no Estadão tratou da insatisfação do brasileiro com a democracia. Segundo o Ibope, mais de 80% dos brasileiros estariam pouco ou nada satisfeitos com o funcionamento do sistema.
O cansaço com a democracia não se traduz automaticamente em simpatia pelo autoritarismo. Pelo contrário, a parcela dos que pensam desse modo caiu e nunca foi tão baixa. Ainda assim, a maioria discorda da afirmação de que a democracia é preferível às outras formas de governo.
JRT costura essas informações de modo interessante: “Eduardo Cunha tem mais impacto negativo sobre a democracia do que Jair Bolsonaro. Enquanto este se limita a uma fatia cadente da população, o outro é capaz de espalhar o descrédito do sistema entre o dobro de brasileiros”.
A explicação é crível e consistente com o que a pesquisa mostra. Mas será que a popularidade da democracia aumentaria se, em um passe de mágica, fosse possível fazer uma faxina no Congresso?
A Latinobarómetro — organização privada sem fins lucrativos sediada no Chile — conduz pesquisas de opinião semelhantes em diversos países da América Latina desde 1995. Na primeira edição, praticamente 60% dos venezuelanos concordavam com a afirmação “a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo”.
Desde então, a renda média daquele país encolheu cerca de 10%, tendo caído quase 20% desde a crise financeira. A inflação certamente é maior do que 500%. Com um pouquinho de honestidade fica inescapável concluir que o bolivarianismo afundou nosso vizinho.
Como evoluiu a avaliação da democracia no período? Se você, como eu, arriscou o palpite de que o apoio deve ter caído, informo que ocorreu o oposto. Em 2015, quase 84% dos venezuelanos concordaram com a afirmação de que a democracia é preferível, revelando que o apoio ao sistema avança mais na terra de Chávez e Maduro do que em outras nações relevantes da região.
A título de comparação, o sentimento democrático tem oscilado na faixa entre 55% e 60% na média dos países cobertos pela pesquisa. No Chile, uma das economias mais bem sucedidas da América Latina, a aprovação da democracia aumentou consistentemente, mas de forma bem mais tímida do que na Venezuela: passou de 52,2% em 1995 para 64,8% no ano passado.
Como explicar o forte crescimento de convicções democráticas em um país em que as liberdades individuais são grosseiramente aviltadas e onde o fracasso das políticas populistas da esquerda reflete de forma arrematada o roteiro do “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”?
A resposta pode estar na possibilidade de o venezuelano responder à questão com premissas distintas das usadas pelo chileno. Se estiver correto, há uma interpretação alternativa para os resultados da pesquisa do Ibope no Brasil.
A avaliação da democracia tem como ponto de partida o grau em que as liberdades democráticas são garantidas e, com este pano de fundo, é determinada pela evolução da economia. Um indivíduo que vive em um país democrático avalia a democracia de forma diferente de um indivíduo que vive em um país não democrático. Com as liberdades garantidas, a democracia é a “culpada” pelos insucessos da economia. Em regimes autoritários, a democracia é a salvação.
A empresa de consultoria Economist Intelligence Unit compila anualmente um “Índice de Democracia” com o objetivo de medir a efetividade do sistema a partir da agregação de avaliações sobre lisura do processo eleitoral, existência de controles e compensações às ações do governo, liberdades civis e etc.
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru são exemplos de países democráticos, mas em que a democracia apresenta “falhas” — França e Japão são exemplos de países desenvolvidos na mesma situação. A Venezuela, por outro lado, é um país “híbrido”, nem democrático, nem autoritário — como Equador e Nicarágua.
No primeiro grupo, existe uma intersecção entre a avaliação que os cidadãos fazem da economia e sua satisfação com o sistema de governo. Quando a economia progride, a avaliação sobre democracia é mais positiva e vice-versa.
A pegadinha é que os conflitos inerentes a uma democracia (sobretudo as com “falhas”) atrasam o crescimento nos estágios mais avançados — um problema conhecido por “armadilha da renda média”. Essa dificuldade normal faz com que as pessoas torçam mais o nariz para a democracia quando vivem em países democráticos: diante do biscoito, prestam mais atenção no buraco. Avaliam a democracia segundo a frase batida de Churchill: “é a pior forma de governo exceto pelas demais que são testadas de tempos em tempos”.
Nos países “híbridos” ou autoritários, a falta de liberdade requer uma compensação econômica. É mais difícil engolir um “controle democrático da mídia” ou um “ministério da suprema felicidade” quando a economia está afundando. Resultado: a falta de liberdade e o colapso econômico fazem com que a popularidade da democracia aumente.
Se for assim, acredito que a satisfação com a democracia esteja em baixa no Brasil não pela ficha deprimente de boa parte dos políticos, mas porque a política econômica populista fracassou, felizmente sem prejuízo de liberdades democráticas — apesar dos esforços nessa direção.
O Congresso Nacional é um retrato fiel do Brasil que ficou escancarado com a votação pelo impedimento. Pode melhorar um pouco se vierem aperfeiçoamentos do sistema eleitoral, mas mesmo assim não nos livraremos tão cedo das aberrações.
Contrariando a sugestão implícita do excelente artigo de JRT, o caminho mais fácil para elevar a avaliação da democracia no país não é eliminar Cunhas e assemelhados. Basta aumentar seu número e influência e a preferência pela democracia deverá aumentar.
A alternativa é se conformar com o fato de que o caminho para reconstruir a casa depois do vendaval será longo, torcer para que não haja recaída autoritária, acompanhar de perto o espetáculo tragicômico de Brasília e observar candidamente a continuidade da queda da popularidade da democracia por mais uns anos.