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Coisas que podem dar errado

Cenários econômicos partem de premissas que não necessariamente se concretizarão. Para navegar nos mares revoltos da economia, é preciso mapear os riscos, formular projeções congruentes com as combinações mais verossímeis e atribuir probabilidades a cada cenário. A tarefa é ingrata. É impossível identificar todos os riscos existentes e, mesmo que não fosse, seria difícil superar […]

MICHEL TEMER: dá para confiar que a salvação está na turma do PMDB? / Brazil Photo Press / CON / Getty Images
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Da Redação

Publicado em 8 de agosto de 2016 às 13h36.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.

Cenários econômicos partem de premissas que não necessariamente se concretizarão. Para navegar nos mares revoltos da economia, é preciso mapear os riscos, formular projeções congruentes com as combinações mais verossímeis e atribuir probabilidades a cada cenário.

A tarefa é ingrata. É impossível identificar todos os riscos existentes e, mesmo que não fosse, seria difícil superar a complexidade de analisar um número muito grande de combinações. Além disso, nem sempre é simples antever as consequências das ameaças que estão no radar. Ainda, a reação da economia às novidades não é 100% previsível e às vezes beira a irracionalidade.

À luz dessa digressão, imagine uma situação em que existe um número razoável de coisas ruins que podem ocorrer e que a realização de qualquer uma é capaz de conduzir a vaca ao brejo. Diante das dificuldades listadas acima, é prática comum desconsiderar riscos “improváveis”, mesmo que relevantes, sobretudo em jogos nos quais o vencedor não é quem acerta o futuro, mas quem antecipa a visão da maioria sobre o futuro.

Situações como essas costumam ser marcadas por decepções pelo simples fato de que algo costuma dar errado quando muita coisa pode dar errado. Se existirem cinco espectros suficientes para produzir o “fim do mundo” e se cada um tiver probabilidade de 5%, é possível que os cenários econômicos sejam elaborados como se eles não existissem – talvez com um pequeno “viés”. O problema é que a chance de materialização de ao menos um dos riscos supera 20%. Infelizmente, uma catástrofe é suficiente para fazer o serviço. Se a materialização de um risco elevar a chance de outro, a conta fica ainda mais desfavorável.

O bom humor com relação ao Brasil se dá em um cenário com muitas ameaças – algumas correlacionadas. É verdade que expectativas fazem milagres e podem criar as condições para que mudanças para melhor se concretizem. No entanto, há a possibilidade de que muita poeira esteja sendo jogada para debaixo do tapete por complacência ou porque não é lucrativo apostar contra quando todos apostam a favor. O filme “The Big Short” mostra como a crise financeira nasceu e como quem apostou contra (corretamente) quase quebrou engolido pela onda de insensatez.

O que pode dar errado?

Na frente internacional, não se decide se a economia americana vai bem ou mal. Os dois extremos tendem a gerar instabilidades porque provocam uma corrida ao dólar no primeiro momento – no curto prazo, é melhor a liquidez provocada pela situação meio aliche meio muzzarela. O ciclo de recuperação é longo, consistente em vários aspectos, mas o apetite ao investimento está adormecido. Juros reais negativos não animam o empresariado a correr riscos. A inflação está baixa demais e parte relevante da população acha que a salvação está nas mãos de um charlatão. A percepção de que o país pode entrar em recessão nos próximos doze meses vem crescendo com consistência e 95% dos economistas consideram que as eleições prejudicam a economia. Dá para relaxar com a maior economia do mundo nessa situação?

Na China, a conta que envolve queda de produtividade, dívidas gigantescas e um governo autoritário mantendo o crescimento com injeções de adrenalina não fecha. A despeito dos sinais de excesso de capacidade em diversos segmentos industriais, projeta-se que o partido comunista conseguirá promover um “rebalanceamento” suave da economia – sem precedente na história. Será? No final do ano passado e no início deste houve grandes turbulências geradas por reações atabalhoadas do governo chinês diante de correções de preços de ativos que pareciam excessivamente valorizados.

A Zona do Euro é uma região forte e competitiva quando analisada como um bloco coeso. Mas, diante dos acontecimentos dos últimos anos, essa hipótese soa um tanto otimista. Atualmente, a assombração que voeja sobre o velho mundo é uma crise bancária. A resposta padrão é supor que o BCE fará tudo o que estiver ao alcance para evitar o pior. Provavelmente será assim e tudo dará certo – mas pode ser que não.

Faz vários anos que o crescimento mundial vem frustrando expectativas, sugerindo que há algo profundo por trás da anemia. Este contexto tem favorecido ondas protecionistas, rejeição a movimentos imigratórios e mal-estar com inovações tecnológicas. Trata-se de ambiente propício a surpresas desagradáveis, como ataques terroristas, extremismo e coisas do gênero.

No Brasil, há alívio justificado com o afastamento temporário de um governo que estava afundando o país. No entanto, o estrago monumental exige mudanças profundas que afetam interesses de grupos organizados. Será que o governo não estaria demasiadamente confiante na aprovação de projetos duríssimos e, por conta disso, não estaria descuidando mais do que devia das contas no curto prazo? Dá para confiar que a salvação está na turma do PMDB?

O fato é que ninguém parece estar com vontade de levar muito a sério os urubus bicando o cenário econômico consensual. O Brasil vai nadando de braçada e o governo parece disposto a testar o limite da paciência do mercado, prometendo avanços em uma agenda árdua enquanto promove uma esculhambação fiscal no curto prazo – o episódio da negociação com os Estados é de arrepiar. Torçamos para que a boa vontade tenha vida longa, agora embalada pelo início espetacular das Olimpíadas – que promete ser um sucesso.

Os menos propensos a riscos devem aproveitar a volatilidade baixa para comprar algumas opções “fora do dinheiro”.

celsonovo

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Cenários econômicos partem de premissas que não necessariamente se concretizarão. Para navegar nos mares revoltos da economia, é preciso mapear os riscos, formular projeções congruentes com as combinações mais verossímeis e atribuir probabilidades a cada cenário.

A tarefa é ingrata. É impossível identificar todos os riscos existentes e, mesmo que não fosse, seria difícil superar a complexidade de analisar um número muito grande de combinações. Além disso, nem sempre é simples antever as consequências das ameaças que estão no radar. Ainda, a reação da economia às novidades não é 100% previsível e às vezes beira a irracionalidade.

À luz dessa digressão, imagine uma situação em que existe um número razoável de coisas ruins que podem ocorrer e que a realização de qualquer uma é capaz de conduzir a vaca ao brejo. Diante das dificuldades listadas acima, é prática comum desconsiderar riscos “improváveis”, mesmo que relevantes, sobretudo em jogos nos quais o vencedor não é quem acerta o futuro, mas quem antecipa a visão da maioria sobre o futuro.

Situações como essas costumam ser marcadas por decepções pelo simples fato de que algo costuma dar errado quando muita coisa pode dar errado. Se existirem cinco espectros suficientes para produzir o “fim do mundo” e se cada um tiver probabilidade de 5%, é possível que os cenários econômicos sejam elaborados como se eles não existissem – talvez com um pequeno “viés”. O problema é que a chance de materialização de ao menos um dos riscos supera 20%. Infelizmente, uma catástrofe é suficiente para fazer o serviço. Se a materialização de um risco elevar a chance de outro, a conta fica ainda mais desfavorável.

O bom humor com relação ao Brasil se dá em um cenário com muitas ameaças – algumas correlacionadas. É verdade que expectativas fazem milagres e podem criar as condições para que mudanças para melhor se concretizem. No entanto, há a possibilidade de que muita poeira esteja sendo jogada para debaixo do tapete por complacência ou porque não é lucrativo apostar contra quando todos apostam a favor. O filme “The Big Short” mostra como a crise financeira nasceu e como quem apostou contra (corretamente) quase quebrou engolido pela onda de insensatez.

O que pode dar errado?

Na frente internacional, não se decide se a economia americana vai bem ou mal. Os dois extremos tendem a gerar instabilidades porque provocam uma corrida ao dólar no primeiro momento – no curto prazo, é melhor a liquidez provocada pela situação meio aliche meio muzzarela. O ciclo de recuperação é longo, consistente em vários aspectos, mas o apetite ao investimento está adormecido. Juros reais negativos não animam o empresariado a correr riscos. A inflação está baixa demais e parte relevante da população acha que a salvação está nas mãos de um charlatão. A percepção de que o país pode entrar em recessão nos próximos doze meses vem crescendo com consistência e 95% dos economistas consideram que as eleições prejudicam a economia. Dá para relaxar com a maior economia do mundo nessa situação?

Na China, a conta que envolve queda de produtividade, dívidas gigantescas e um governo autoritário mantendo o crescimento com injeções de adrenalina não fecha. A despeito dos sinais de excesso de capacidade em diversos segmentos industriais, projeta-se que o partido comunista conseguirá promover um “rebalanceamento” suave da economia – sem precedente na história. Será? No final do ano passado e no início deste houve grandes turbulências geradas por reações atabalhoadas do governo chinês diante de correções de preços de ativos que pareciam excessivamente valorizados.

A Zona do Euro é uma região forte e competitiva quando analisada como um bloco coeso. Mas, diante dos acontecimentos dos últimos anos, essa hipótese soa um tanto otimista. Atualmente, a assombração que voeja sobre o velho mundo é uma crise bancária. A resposta padrão é supor que o BCE fará tudo o que estiver ao alcance para evitar o pior. Provavelmente será assim e tudo dará certo – mas pode ser que não.

Faz vários anos que o crescimento mundial vem frustrando expectativas, sugerindo que há algo profundo por trás da anemia. Este contexto tem favorecido ondas protecionistas, rejeição a movimentos imigratórios e mal-estar com inovações tecnológicas. Trata-se de ambiente propício a surpresas desagradáveis, como ataques terroristas, extremismo e coisas do gênero.

No Brasil, há alívio justificado com o afastamento temporário de um governo que estava afundando o país. No entanto, o estrago monumental exige mudanças profundas que afetam interesses de grupos organizados. Será que o governo não estaria demasiadamente confiante na aprovação de projetos duríssimos e, por conta disso, não estaria descuidando mais do que devia das contas no curto prazo? Dá para confiar que a salvação está na turma do PMDB?

O fato é que ninguém parece estar com vontade de levar muito a sério os urubus bicando o cenário econômico consensual. O Brasil vai nadando de braçada e o governo parece disposto a testar o limite da paciência do mercado, prometendo avanços em uma agenda árdua enquanto promove uma esculhambação fiscal no curto prazo – o episódio da negociação com os Estados é de arrepiar. Torçamos para que a boa vontade tenha vida longa, agora embalada pelo início espetacular das Olimpíadas – que promete ser um sucesso.

Os menos propensos a riscos devem aproveitar a volatilidade baixa para comprar algumas opções “fora do dinheiro”.

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