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Bolsonaro é de fato “o mito” ou só “mais um mito”?

A grande dúvida é saber se o discurso modernizante é sério ou se não passa de conversa mole

BOLSONARO NA BARRA DA TIJUCA: “desconfio que a atual projeção de crescimento de 2,5% para o ano que vem possa ser superada”, diz Celso Toledo / REUTERS/ Lucas Landau
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Da Redação

Publicado em 31 de outubro de 2018 às 16h49.

Última atualização em 31 de outubro de 2018 às 19h34.

A ampulheta virou e, a partir de agora, o tempo joga contra o novo presidente. A seu favor conta o benefício da dúvida dos mercados que, certamente, ainda existe. No entanto, o primeiro pregão após a eleição mostrou que a vitória do capitão estava incorporada aos preços. Após a abertura eufórica vieram pressões de “realização de lucros”, movimentos que tipicamente se seguem à transformação de um boato em fato. Perto da hora do almoço de segunda, a bolsa estava caindo e o dólar mais caro do que no fechamento de sexta-feira. Isso não é sinal de final de festa, que fique claro, mas que o progresso terá que ser construído. Na verdade, luas de mel em geral tendem a ser melhores no imaginário do que na prática.

O sucesso econômico nos próximos meses dependerá basicamente de dois fatores. Primeiro, da retomada da confiança dos agentes e, segundo, da aglutinação de uma base de apoio suficiente para avançar as reformas estruturais – só isso será capaz de transformar as expectativas otimistas em prosperidade duradoura. Diga-se, foram exatamente esses dois fatores que permitiram ao governo Temer estancar a recessão em meados de 2016 e colocar o país novamente na rota de crescimento. A primeira parte é fácil, a segunda menos.

O panorama externo já esteve melhor do que agora neste ano e os riscos são crescentes, mas, mantidos os cenários consensuais para os próximos meses, é lícito pressupor que o mundo não deverá atrapalhar muito até o próximo réveillon. Se for assim, a confiança dos agentes dependerá basicamente de desdobramentos domésticos. A boa notícia para Bolsonaro é que, de início, uma das alavancas da popularidade do governo, talvez a principal, será a tendência natural de aceleração do crescimento com o fim da incerteza eleitoral.

Se os economistas estiverem corretos quando estimam crescimento em torno de 2% ao ano mesmo se nada for feito, é simples calcular que a crise de 2014 a 2016 e a retomada tímida em 2017 devem ter produzido ociosidade cavalar de algo entre 5% e 6%. Esta é uma medida do potencial de expansão no curto prazo que poderá ser realizado sem grande esforço. Ao contrário de Dilma, Bolsonaro não precisará aplicar um estelionato logo de cara e isso facilita a tarefa de tentar convencer os agentes de que o ambiente de negócios melhorará. Se tiver êxito, o crescimento se acelerará no curto prazo mesmo que depois de um tempo a arrancada esfrie como num voo de galinha.

Um roteiro idêntico estava se desenhando quando o impedimento de Dilma se tornou o cenário consensual. O problema é que a decolagem de Temer foi prejudicada pela drenagem de boa parte de seu capital político após as gravações dos irmãos Batista. De fato, o crescimento anual médio do final de 2016 até o terceiro trimestre de 2017 foi de 2,8% ao ano e, desde então, apenas 0,5% ao ano. O enfraquecimento do governo, a baixa popularidade das reformas e a polarização da sociedade foram os fatores que somados elevaram substancialmente a incerteza, colocando o PIB em modo de espera – ninguém queria correr o risco de uma recaída.

A vitória de Bolsonaro retirou o principal obstáculo que impediu a economia de ocupar a capacidade ociosa existente com mais rapidez nos últimos meses. O crescimento no futuro próximo virá não necessariamente por méritos do novo governo, mas simplesmente porque o normal é crescer se não houver um impedimento claro. Com base nesse argumento, desconfio que a atual projeção de crescimento de 2,5% para o ano que vem possa ser superada. Para o resultado ser melhor, basta crescer no mesmo ritmo do período de lua de mel de Temer, quando o grau de incerteza era bem maior do que o de hoje. Basta que o governo não pise feio na bola.

Se for assim, vislumbra-se um ciclo econômico relativamente favorável para os próximos meses marcado pelo fim da incerteza eleitoral. O aumento da confiança trará mais crescimento que, por sua vez, trará mais confiança e assim por diante. O limite desse enredo será dado pelo segundo fator listado no início. Para que a melhora das expectativas seja duradoura é preciso que o governo demonstre capacidade de se articular no congresso para aprovar as reformas impopulares que se fazem necessárias – em um contexto econômico que exige também a adoção de medidas de contenção de gastos. A retomada da economia aliviará algumas restrições, mas o Brasil só evoluirá com consistência se o governo se entender com o legislativo.

Nesse sentido, há fatores que causam preocupação como, por exemplo, a grande fragmentação do congresso, o número elevado de deputados que se elegeram com base em movimentos suprapartidários e a declarada aversão de Bolsonaro ao toma-lá-dá-cá. Para contornar as dificuldades, será preciso trazer para perto do governo o clube numeroso e heterogêneo de congressistas fisiológicos. Se o passado serve como guia, usar a estrutura dos partidos é essencial para ter êxito no Nereu Ramos. O governo precisará de temperança, paciência e poder de convencimento para construir as pontes. Será que terá?

Uma das características positivas do presidente é ter consciência das próprias limitações – algo que ele sempre fez questão de frisar. Sob um prisma otimista, esse traço pode favorecer a delegação de tarefas difíceis a pessoas talhadas para os desafios, mas por mais competentes que possam ser os “Postos Ipiranga”, sem inteligência emocional a vaca afundará rapidamente no brejo. O sucesso eleitoral retumbante tende a facilitar a formação de uma coalização ampla no começo do governo tendo por base o número expressivo de deputados eleitos pelo PSL, partido que terá a segunda maior bancada na câmara e, talvez, a primeira em pouco tempo. O jogo das indicações e apoios aos candidatos à liderança do Congresso dará pistas de como será a relação de Bolsonaro com o legislativo. Torçamos pelo apoio a macacos velhos que tenham bom trânsito com os colegas e que conheçam com profundidade as regras do jogo.

Considero boa a chance de que a existência de capacidade ociosa, ausência de pressões inflacionárias, juros baixos, mundo em expansão e o fim da incerteza eleitoral garantam uns meses para Bolsonaro formar o governo e estabelecer bons canais de diálogo com o Congresso. Além disso, o controle das contas promovido pelo atual governo tornou a situação fiscal administrável no curto prazo. Dito disso, ainda faltam elementos para medir quão bem sucedidos Bolsonaro e seus postos serão na seara política.

Houve já alguns embaraços. Paulo Guedes só faltou estapear uma jornalista do Clarín sobre tema sensível. O futuro ministro da Casa Civil, que para Bolsonaro é o “coordenador de tudo”, errou ao opinar sobre juros e câmbio no comecinho do jogo. Não acho que as primeiras manifestações de Bolsonaro tenham sido tão ruins como sugerem algumas análises, mas ele falhou em trazer à tona temas da campanha que poderiam ser facilmente escanteados. O tom mais agressivo e a falta de entrosamento não surpreendem nesse início, mas terão que ser tratados. O desafio enorme à frente exige que o governo seja tocado por pessoas que saibam trabalhar com pressão e que entendam onde se encontram os espinhos para trazer segurança e previsibilidade. Em particular, o presidente terá que se acostumar a ser martelado pela imprensa. Se não levar na esportiva cometerá o mesmo equívoco de quem veio antes.

No final do dia, a grande dúvida é saber se o discurso modernizante é sério ou se não passa de conversa mole. Enquanto a dúvida existir, o progresso se limitará ao preenchimento da ociosidade existente. Reformar a economia significará enfrentar interesses organizados. Para ter legitimidade e força, o presidente terá que comunicar claramente a estratégia e não poderá ser visto como representante de alguma corporação. Além disso, só vencerá se garantir uma distribuição justa dos custos das mudanças, talvez mediante compensações aos perdedores. A história latino-americana sugere que o caminho é difícil mesmo quando esses pré-requisitos são preenchidos.

O nó brasileiro é tão complicado que para desatá-lo será preciso contar com a ajuda de um ser mitológico. Não dá ainda para saber que tipo de mito é  Bolsonaro. O messias que nos tirará do buraco ou mais um na lista enorme de mitos que já sentaram na mesma cadeira? Ao eleitor do militar dá para dizer que ainda é cedo para já ir se arrependendo.

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A ampulheta virou e, a partir de agora, o tempo joga contra o novo presidente. A seu favor conta o benefício da dúvida dos mercados que, certamente, ainda existe. No entanto, o primeiro pregão após a eleição mostrou que a vitória do capitão estava incorporada aos preços. Após a abertura eufórica vieram pressões de “realização de lucros”, movimentos que tipicamente se seguem à transformação de um boato em fato. Perto da hora do almoço de segunda, a bolsa estava caindo e o dólar mais caro do que no fechamento de sexta-feira. Isso não é sinal de final de festa, que fique claro, mas que o progresso terá que ser construído. Na verdade, luas de mel em geral tendem a ser melhores no imaginário do que na prática.

O sucesso econômico nos próximos meses dependerá basicamente de dois fatores. Primeiro, da retomada da confiança dos agentes e, segundo, da aglutinação de uma base de apoio suficiente para avançar as reformas estruturais – só isso será capaz de transformar as expectativas otimistas em prosperidade duradoura. Diga-se, foram exatamente esses dois fatores que permitiram ao governo Temer estancar a recessão em meados de 2016 e colocar o país novamente na rota de crescimento. A primeira parte é fácil, a segunda menos.

O panorama externo já esteve melhor do que agora neste ano e os riscos são crescentes, mas, mantidos os cenários consensuais para os próximos meses, é lícito pressupor que o mundo não deverá atrapalhar muito até o próximo réveillon. Se for assim, a confiança dos agentes dependerá basicamente de desdobramentos domésticos. A boa notícia para Bolsonaro é que, de início, uma das alavancas da popularidade do governo, talvez a principal, será a tendência natural de aceleração do crescimento com o fim da incerteza eleitoral.

Se os economistas estiverem corretos quando estimam crescimento em torno de 2% ao ano mesmo se nada for feito, é simples calcular que a crise de 2014 a 2016 e a retomada tímida em 2017 devem ter produzido ociosidade cavalar de algo entre 5% e 6%. Esta é uma medida do potencial de expansão no curto prazo que poderá ser realizado sem grande esforço. Ao contrário de Dilma, Bolsonaro não precisará aplicar um estelionato logo de cara e isso facilita a tarefa de tentar convencer os agentes de que o ambiente de negócios melhorará. Se tiver êxito, o crescimento se acelerará no curto prazo mesmo que depois de um tempo a arrancada esfrie como num voo de galinha.

Um roteiro idêntico estava se desenhando quando o impedimento de Dilma se tornou o cenário consensual. O problema é que a decolagem de Temer foi prejudicada pela drenagem de boa parte de seu capital político após as gravações dos irmãos Batista. De fato, o crescimento anual médio do final de 2016 até o terceiro trimestre de 2017 foi de 2,8% ao ano e, desde então, apenas 0,5% ao ano. O enfraquecimento do governo, a baixa popularidade das reformas e a polarização da sociedade foram os fatores que somados elevaram substancialmente a incerteza, colocando o PIB em modo de espera – ninguém queria correr o risco de uma recaída.

A vitória de Bolsonaro retirou o principal obstáculo que impediu a economia de ocupar a capacidade ociosa existente com mais rapidez nos últimos meses. O crescimento no futuro próximo virá não necessariamente por méritos do novo governo, mas simplesmente porque o normal é crescer se não houver um impedimento claro. Com base nesse argumento, desconfio que a atual projeção de crescimento de 2,5% para o ano que vem possa ser superada. Para o resultado ser melhor, basta crescer no mesmo ritmo do período de lua de mel de Temer, quando o grau de incerteza era bem maior do que o de hoje. Basta que o governo não pise feio na bola.

Se for assim, vislumbra-se um ciclo econômico relativamente favorável para os próximos meses marcado pelo fim da incerteza eleitoral. O aumento da confiança trará mais crescimento que, por sua vez, trará mais confiança e assim por diante. O limite desse enredo será dado pelo segundo fator listado no início. Para que a melhora das expectativas seja duradoura é preciso que o governo demonstre capacidade de se articular no congresso para aprovar as reformas impopulares que se fazem necessárias – em um contexto econômico que exige também a adoção de medidas de contenção de gastos. A retomada da economia aliviará algumas restrições, mas o Brasil só evoluirá com consistência se o governo se entender com o legislativo.

Nesse sentido, há fatores que causam preocupação como, por exemplo, a grande fragmentação do congresso, o número elevado de deputados que se elegeram com base em movimentos suprapartidários e a declarada aversão de Bolsonaro ao toma-lá-dá-cá. Para contornar as dificuldades, será preciso trazer para perto do governo o clube numeroso e heterogêneo de congressistas fisiológicos. Se o passado serve como guia, usar a estrutura dos partidos é essencial para ter êxito no Nereu Ramos. O governo precisará de temperança, paciência e poder de convencimento para construir as pontes. Será que terá?

Uma das características positivas do presidente é ter consciência das próprias limitações – algo que ele sempre fez questão de frisar. Sob um prisma otimista, esse traço pode favorecer a delegação de tarefas difíceis a pessoas talhadas para os desafios, mas por mais competentes que possam ser os “Postos Ipiranga”, sem inteligência emocional a vaca afundará rapidamente no brejo. O sucesso eleitoral retumbante tende a facilitar a formação de uma coalização ampla no começo do governo tendo por base o número expressivo de deputados eleitos pelo PSL, partido que terá a segunda maior bancada na câmara e, talvez, a primeira em pouco tempo. O jogo das indicações e apoios aos candidatos à liderança do Congresso dará pistas de como será a relação de Bolsonaro com o legislativo. Torçamos pelo apoio a macacos velhos que tenham bom trânsito com os colegas e que conheçam com profundidade as regras do jogo.

Considero boa a chance de que a existência de capacidade ociosa, ausência de pressões inflacionárias, juros baixos, mundo em expansão e o fim da incerteza eleitoral garantam uns meses para Bolsonaro formar o governo e estabelecer bons canais de diálogo com o Congresso. Além disso, o controle das contas promovido pelo atual governo tornou a situação fiscal administrável no curto prazo. Dito disso, ainda faltam elementos para medir quão bem sucedidos Bolsonaro e seus postos serão na seara política.

Houve já alguns embaraços. Paulo Guedes só faltou estapear uma jornalista do Clarín sobre tema sensível. O futuro ministro da Casa Civil, que para Bolsonaro é o “coordenador de tudo”, errou ao opinar sobre juros e câmbio no comecinho do jogo. Não acho que as primeiras manifestações de Bolsonaro tenham sido tão ruins como sugerem algumas análises, mas ele falhou em trazer à tona temas da campanha que poderiam ser facilmente escanteados. O tom mais agressivo e a falta de entrosamento não surpreendem nesse início, mas terão que ser tratados. O desafio enorme à frente exige que o governo seja tocado por pessoas que saibam trabalhar com pressão e que entendam onde se encontram os espinhos para trazer segurança e previsibilidade. Em particular, o presidente terá que se acostumar a ser martelado pela imprensa. Se não levar na esportiva cometerá o mesmo equívoco de quem veio antes.

No final do dia, a grande dúvida é saber se o discurso modernizante é sério ou se não passa de conversa mole. Enquanto a dúvida existir, o progresso se limitará ao preenchimento da ociosidade existente. Reformar a economia significará enfrentar interesses organizados. Para ter legitimidade e força, o presidente terá que comunicar claramente a estratégia e não poderá ser visto como representante de alguma corporação. Além disso, só vencerá se garantir uma distribuição justa dos custos das mudanças, talvez mediante compensações aos perdedores. A história latino-americana sugere que o caminho é difícil mesmo quando esses pré-requisitos são preenchidos.

O nó brasileiro é tão complicado que para desatá-lo será preciso contar com a ajuda de um ser mitológico. Não dá ainda para saber que tipo de mito é  Bolsonaro. O messias que nos tirará do buraco ou mais um na lista enorme de mitos que já sentaram na mesma cadeira? Ao eleitor do militar dá para dizer que ainda é cedo para já ir se arrependendo.

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