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Agora é a vez da Bolsa, mas sem perder a prudência

Comprar a bolsa agora requer não apenas acreditar no sucesso de Bolsonaro, mas em algo que ainda não tenha sido incorporado aos preços

BOLSA DE NOVA YORK: os mercados acionários, americano e brasileiro, parecem incorporar premissas relativamente favoráveis para o futuro / Andrew Renneisen/Getty Images
DR

Da Redação

Publicado em 5 de novembro de 2018 às 18h28.

Última atualização em 5 de novembro de 2018 às 22h24.

Os primeiros alertas de que havia uma bolha no mercado imobiliário americano começaram a aparecer em 2004. Nouriel Roubini, hoje conhecido como o sujeito que antecipou a crise, tocou a buzina em 2006. Como se sabe, a bolha só estourou em 2008. Ou seja, quem seguiu o conselho dos primeiros urubus quebrou antes de ficar milionário. Resumindo, timing é tudo no mercado. Também é verdade que os investidores que surfaram bem a “marolinha” conheciam os riscos.

Registro esse nariz-de-cera para resgatar com tranquilidade um comentário que fiz neste espaço no início de outubro do ano passado. Na época, o economista Robert Schiller, laureado com o Nobel, havia publicado no New York Times um artigo em que comentava com perplexidade a predominância de fatores psicológicos por trás da alta da bolsa. Aproveitando o ensejo escrevi:

“Mesmo que [Schiller] esteja certo, se os preços das ações encontram-se elevados em razão [de] irracionalidade (…) diante de um cenário de liquidez abundante, será apenas uma questão de tempo para as coisas voltarem ao normal. Não se trata evidentemente de afirmar que a bolsa seja um mau negócio no curto prazo – na verdade, a história mostra que os desvios podem durar anos, até décadas. O ponto é que quem quiser entrar na farra precisa saber o que está em jogo e que o futuro é menos previsível do que sugerem algumas narrativas.”

Muito bem. Desde que Schiller cravou sua análise a bolsa começou a pular como um cabrito. De outubro do ano passado até o início de 2018 o S&P 500 subiu mais 12%. Praticamente devolveu tudo em fevereiro. Passou a oscilar violentamente sem tendência até abril. O ânimo voltou e em setembro um novo recorde foi registrado. Em outubro houve perda de quase 7%. Noves fora, a valorização em 12 meses foi de cerca de 5%, mas menos de 2% em 2018.

Dá para comprar um pé de frango com o lucro e, para ser justo, o ganho não foi tão pequeno quando comparado aos juros pagos pelos títulos do governo. Ok, mas haja coração. O aumento da volatilidade nos últimos meses sugere a existência de vários investidores com o dedo no gatilho, prontos para vender ações que parecem valorizadas demais antes que seja tarde. Quando muitos pensam assim, qualquer motivo trivial pode fazer o angu desandar.

No longo prazo, o lucro das empresas americanas evolui em linha com o PIB. Os preços das ações equivalem, portanto, ao crescimento econômico esperado trazido a valor presente pela taxa de juro dos títulos públicos mais um prêmio de risco. Trata-se aqui de noção tão fundamental como a lei da gravidade.

Uma das diferenças em relação à física é que o prêmio de risco não é observável diretamente, provavelmente muda com o tempo e não é homogêneo entre as classes de investidores. Como a bolsa costuma render bem mais do que os títulos públicos no longo prazo, implicitamente o prêmio é elevado. De fato, uma pesquisa feita no final dos anos 90 com mais de 200 economistas produziu estimativa média de 7,1% dentro de um intervalo entre 1% e 15%. Segundo as minhas contas usando os dados do pós-guerra, a faixa é entre 5% e 8%.

É praticamente consensual que o crescimento potencial da economia americana gira em torno de 2% ao ano, na melhor das hipóteses. O juro está baixo, mas vem subindo. Admitamos que não passe de 1,5% ao ano em termos reais, colocando já um chorinho em relação ao que os mercados projetam. Se a aversão ao risco for parecida à média que se observou na história, a queda da bolsa nas últimas semanas trouxe o índice para perto de seu valor “justo”. Ou seja, se tudo der certo, ele não estaria nem caro, nem barato.

O problema é que boa parte da alta do S&P 500 nos últimos anos é explicada pela valorização de preços de empresas de tecnologia cuja avaliação só faz sentido em um mundo em que os lucros cresçam exponencialmente. Por exemplo, o valor da Netflix , da ordem de US$ 150 bilhões, equivale a mais de 100 vezes o lucro da empresa no último ano. Não é loucura supor que ele cresça bastante no futuro, mas o risco é alto em um mercado que depende de pouco capital onde o segredo é controlar plataformas que vendem produtos intangíveis. O prêmio de risco não deveria ser maior do que a média em um mundo desses?

Independentemente de qual seja a aversão ao risco dos investidores, há que se considerar também os perigos do cenário econômico. O petróleo está 20% mais caro do que há um ano. Os estímulos de Trump têm data para acabar. Surgem os primeiros indícios dos efeitos negativos da “guerra comercial” sobre o desempenho econômico da China e da Europa. Os detalhes do PIB no terceiro trimestre foram bem menos vistosos do que o número “cheio”. A inflação descreve uma trajetória clara de elevação. O FED segue firme na intenção de subir os juros. Macacos velhos das finanças, como Warren Buffett, preferem devolver o dinheiro a seus acionistas porque não encontram negócios a preços razoáveis.

Como o que é ruim para os EUA é ruim para o Brasil, é bom ficar de olho, especialmente nesse quadro de relativo otimismo que se instalou com a esperança de que Bolsonaro promoverá com sucesso um choque liberal neste país que é tudo menos liberal.

Os preços das ações do Ibovespa têm oscilado em torno de 20 vezes o patamar dos lucros. Essa faixa pode ser considerada normal.

Definitivamente não há uma barganha. Comprar a bolsa agora requer não apenas acreditar no sucesso de Bolsonaro, mas em algo que ainda não tenha sido incorporado aos preços. Há promessas que serão muito boas para a economia se se concretizarem. A Reforma da Previdência, por exemplo, mas, por enquanto, são promessas. Ficar fora da bolsa não significa esperar um desastre, mas simplesmente achar que o progresso será lento. As maiores frustrações não derivam de resultados necessariamente ruins, mas de expectativas infladas demais. Quem é palmeirense sabe o que estou falando.

Sejamos otimistas e vamos supor que as políticas de Paulo Guedes façam o PIB e os lucros das empresas crescerem, em média, 6% ao ano, mais do que o dobro do que se supõe ser o potencial de crescimento atual. Façamos figas e torçamos para que o juro de longo prazo caia para cerca de 4% em termos reais nesse cenário otimista. Com essas premissas, o valor atual do Ibovespa implica prêmio de cerca de 7% para carregar as ações, semelhante ao observado implicitamente nos EUA. No entanto, é intuitivo supor e a literatura sobre o assunto no Brasil confirma que o valor é mais alto por aqui. Ou seja, todo cuidado é pouco.

Os mercados acionários, americano e brasileiro, parecem incorporar premissas relativamente favoráveis para o futuro, seja na avaliação dos riscos, seja nas premissas para os cenários econômicos. É verdade que a “nova” economia faz com que parâmetros velhos sejam pouco úteis na avaliação de ativos, tornando factíveis coisas que hoje podem parecer absurdas – por exemplo, a receita da Netflix aumentou 40% com margem “ebitda” de 12,5%. Também é verdade que é relativamente simples produzir crescimento aqui no curto prazo, bastando para isso fazer o bê-á-bá. É preciso considerar igualmente que no curto prazo todas essas contas são menos relevantes do que fatores psicológicos, como lembrou o Schiller há um ano no NYT. Tudo isso é muito bonito, mas nada muda o fato de que os riscos à frente parecem ser também consideráveis, lá e cá.

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Os primeiros alertas de que havia uma bolha no mercado imobiliário americano começaram a aparecer em 2004. Nouriel Roubini, hoje conhecido como o sujeito que antecipou a crise, tocou a buzina em 2006. Como se sabe, a bolha só estourou em 2008. Ou seja, quem seguiu o conselho dos primeiros urubus quebrou antes de ficar milionário. Resumindo, timing é tudo no mercado. Também é verdade que os investidores que surfaram bem a “marolinha” conheciam os riscos.

Registro esse nariz-de-cera para resgatar com tranquilidade um comentário que fiz neste espaço no início de outubro do ano passado. Na época, o economista Robert Schiller, laureado com o Nobel, havia publicado no New York Times um artigo em que comentava com perplexidade a predominância de fatores psicológicos por trás da alta da bolsa. Aproveitando o ensejo escrevi:

“Mesmo que [Schiller] esteja certo, se os preços das ações encontram-se elevados em razão [de] irracionalidade (…) diante de um cenário de liquidez abundante, será apenas uma questão de tempo para as coisas voltarem ao normal. Não se trata evidentemente de afirmar que a bolsa seja um mau negócio no curto prazo – na verdade, a história mostra que os desvios podem durar anos, até décadas. O ponto é que quem quiser entrar na farra precisa saber o que está em jogo e que o futuro é menos previsível do que sugerem algumas narrativas.”

Muito bem. Desde que Schiller cravou sua análise a bolsa começou a pular como um cabrito. De outubro do ano passado até o início de 2018 o S&P 500 subiu mais 12%. Praticamente devolveu tudo em fevereiro. Passou a oscilar violentamente sem tendência até abril. O ânimo voltou e em setembro um novo recorde foi registrado. Em outubro houve perda de quase 7%. Noves fora, a valorização em 12 meses foi de cerca de 5%, mas menos de 2% em 2018.

Dá para comprar um pé de frango com o lucro e, para ser justo, o ganho não foi tão pequeno quando comparado aos juros pagos pelos títulos do governo. Ok, mas haja coração. O aumento da volatilidade nos últimos meses sugere a existência de vários investidores com o dedo no gatilho, prontos para vender ações que parecem valorizadas demais antes que seja tarde. Quando muitos pensam assim, qualquer motivo trivial pode fazer o angu desandar.

No longo prazo, o lucro das empresas americanas evolui em linha com o PIB. Os preços das ações equivalem, portanto, ao crescimento econômico esperado trazido a valor presente pela taxa de juro dos títulos públicos mais um prêmio de risco. Trata-se aqui de noção tão fundamental como a lei da gravidade.

Uma das diferenças em relação à física é que o prêmio de risco não é observável diretamente, provavelmente muda com o tempo e não é homogêneo entre as classes de investidores. Como a bolsa costuma render bem mais do que os títulos públicos no longo prazo, implicitamente o prêmio é elevado. De fato, uma pesquisa feita no final dos anos 90 com mais de 200 economistas produziu estimativa média de 7,1% dentro de um intervalo entre 1% e 15%. Segundo as minhas contas usando os dados do pós-guerra, a faixa é entre 5% e 8%.

É praticamente consensual que o crescimento potencial da economia americana gira em torno de 2% ao ano, na melhor das hipóteses. O juro está baixo, mas vem subindo. Admitamos que não passe de 1,5% ao ano em termos reais, colocando já um chorinho em relação ao que os mercados projetam. Se a aversão ao risco for parecida à média que se observou na história, a queda da bolsa nas últimas semanas trouxe o índice para perto de seu valor “justo”. Ou seja, se tudo der certo, ele não estaria nem caro, nem barato.

O problema é que boa parte da alta do S&P 500 nos últimos anos é explicada pela valorização de preços de empresas de tecnologia cuja avaliação só faz sentido em um mundo em que os lucros cresçam exponencialmente. Por exemplo, o valor da Netflix , da ordem de US$ 150 bilhões, equivale a mais de 100 vezes o lucro da empresa no último ano. Não é loucura supor que ele cresça bastante no futuro, mas o risco é alto em um mercado que depende de pouco capital onde o segredo é controlar plataformas que vendem produtos intangíveis. O prêmio de risco não deveria ser maior do que a média em um mundo desses?

Independentemente de qual seja a aversão ao risco dos investidores, há que se considerar também os perigos do cenário econômico. O petróleo está 20% mais caro do que há um ano. Os estímulos de Trump têm data para acabar. Surgem os primeiros indícios dos efeitos negativos da “guerra comercial” sobre o desempenho econômico da China e da Europa. Os detalhes do PIB no terceiro trimestre foram bem menos vistosos do que o número “cheio”. A inflação descreve uma trajetória clara de elevação. O FED segue firme na intenção de subir os juros. Macacos velhos das finanças, como Warren Buffett, preferem devolver o dinheiro a seus acionistas porque não encontram negócios a preços razoáveis.

Como o que é ruim para os EUA é ruim para o Brasil, é bom ficar de olho, especialmente nesse quadro de relativo otimismo que se instalou com a esperança de que Bolsonaro promoverá com sucesso um choque liberal neste país que é tudo menos liberal.

Os preços das ações do Ibovespa têm oscilado em torno de 20 vezes o patamar dos lucros. Essa faixa pode ser considerada normal.

Definitivamente não há uma barganha. Comprar a bolsa agora requer não apenas acreditar no sucesso de Bolsonaro, mas em algo que ainda não tenha sido incorporado aos preços. Há promessas que serão muito boas para a economia se se concretizarem. A Reforma da Previdência, por exemplo, mas, por enquanto, são promessas. Ficar fora da bolsa não significa esperar um desastre, mas simplesmente achar que o progresso será lento. As maiores frustrações não derivam de resultados necessariamente ruins, mas de expectativas infladas demais. Quem é palmeirense sabe o que estou falando.

Sejamos otimistas e vamos supor que as políticas de Paulo Guedes façam o PIB e os lucros das empresas crescerem, em média, 6% ao ano, mais do que o dobro do que se supõe ser o potencial de crescimento atual. Façamos figas e torçamos para que o juro de longo prazo caia para cerca de 4% em termos reais nesse cenário otimista. Com essas premissas, o valor atual do Ibovespa implica prêmio de cerca de 7% para carregar as ações, semelhante ao observado implicitamente nos EUA. No entanto, é intuitivo supor e a literatura sobre o assunto no Brasil confirma que o valor é mais alto por aqui. Ou seja, todo cuidado é pouco.

Os mercados acionários, americano e brasileiro, parecem incorporar premissas relativamente favoráveis para o futuro, seja na avaliação dos riscos, seja nas premissas para os cenários econômicos. É verdade que a “nova” economia faz com que parâmetros velhos sejam pouco úteis na avaliação de ativos, tornando factíveis coisas que hoje podem parecer absurdas – por exemplo, a receita da Netflix aumentou 40% com margem “ebitda” de 12,5%. Também é verdade que é relativamente simples produzir crescimento aqui no curto prazo, bastando para isso fazer o bê-á-bá. É preciso considerar igualmente que no curto prazo todas essas contas são menos relevantes do que fatores psicológicos, como lembrou o Schiller há um ano no NYT. Tudo isso é muito bonito, mas nada muda o fato de que os riscos à frente parecem ser também consideráveis, lá e cá.

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